sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Namoro, Casamento e Divórcio: A Equação do Amor


O amor está entre as coisas mais importantes nas nossas vidas. Mais até do que o dinheiro. Pelo menos é isso que sugere de forma inequívoca o Google: a palavra “amor” aparece de duas a quatro vezes mais do que a palavra “dinheiro” dependendo do idioma. Até as epístolas bíblicas falam de sua importância: “sem amor nem todos os mistério nem toda a ciência valeriam alguma coisa”, diz Paulo em sua longa carta aos Coríntios.

Estudos sobre bem-estar subjetivo baseados no “método da reconstrução do dia” (MRD) confirmam a importância da esfera romântica na nossa vida. O método MRD pede as pessoas que reconstruam as atividades e experiências ao longo do dia anterior e relate as sensações associadas com cada atividade (feliz, ansioso, cansado etc). Um estudo de Daniel Kahneman (Prêmio Nobel em 2002) e colegas usando dados desse tipo relata que “relações intímas” está entre as atividades relatadas com maior efeito positivo na sensação de bem-estar das pessoas, ainda que seja uma atividade reportada, na média, com relativa raridade.

Mas o que diabos tem amor e romance a ver com economia? A decisão de unir-se romanticamente a alguém (casamento) bem como a dissolução dessa união (divórcio) são fenômenos que interessam aos economistas. Esses eventos tem consequências sobre a organização e o tamanho das famílias e sobre a participação das mulheres no mercado de trabalho e até sobre a distribuição de renda (ver estudo recente discutido pelo Mauro neste blog).

Como já ilustrou Shakespeare (e tantos outros), nem tudo que começa por amor termina bem. De fato, é comum vermos casamentos que começam com alegria e paixão terminarem em lamento e ira. Nos últimos tem havido um aumento do divórcio em praticamente todo o mundo. Mas por que as pessoas se divorciam? Antes de apresentar uma teoria do divórcio, é preciso modelar a decisão de casamento. Afinal, não é possível entender adequadamente as causas da separação de duas pessoas sem ter uma ideia do que as uniram em primeiro lugar. Por partes então.

Parte 1: Uma Teoria do Casamento

A decisão de casamento – ou de quem namorar – pode ser tratada como se fosse um problema de parada ótima em um processo de busca com restrições. Dito assim parece frio e distante. Eu sei. Mas isso descreve a experiência da vasta maioria das pessoas na esfera romântica com mais acurácia do que parece. Afinal, é comum “ficar”/”dar uns pegas” em alguém mas não cogitar, ao menos com aquela pessoa, compromissos “mais sérios” – por “mais sério” aqui se entenda o contrato padrão de exclusividade amorosa-sexual. Logo, é razoável assumir que, com certa regularidade, as pessoas se vêem diante da opção de formar um casal com outra pessoa mas decidem “parar” apenas quando a outra pessoa satisfaz certos requisitos. 

Agulha em palheiro (Espaço de Busca)
Encontrar a pessoa com quem você decidirá casar não é tarefa trivial e sem custos. Em um mundo com alguns bilhões de pessoas, é natural que alguns milhares delas combinem doses consideráveis de todo tipo de traço (intelectual, física, emocional, social) que apreciamos como espécie. Esse seria o “espaço de parceiros” – o análogo, no mercado de casamento, ao “espaço de bens” em teoria do consumidor. Mas há barreiras geográficas, linguísticas e econômicas que impedem que todas essas pessoas espalhadas pelo mundo façam parte, de fato, do nosso conjunto de opções factíveis. Os indivíduos que acabam sendo opções factíveis de casamento acaba sendo um conjunto muito mais restrito. Para a vasta maioria das pessoas, esse conjunto se reduz às pessoas que residem em nossa cidade e, mais estritamente, às pessoas em nossos círculos sociais (amigos, amigos de amigos etc). Esse seria o conjunto factível de parceiros – de novo, algo análogo ao “conjunto factível de consumo” em teoria do consumidor. A figura abaixo ilustra essa distinção entre espaço potencial e espaço factível de escolha. O ponto vermelho representaria você e os pontos azuis representariam as suas potencias “almas gêmeas”.


Um Frankstein pra chamar de seu (Preferências)
Uma vez definido as pessoas que fariam parte desse espaço relevante de busca, a questão agora é: quem escolheríamos para casar? Esse processo de escolha envolveria dois componentes.

O primeiro componente é o nosso vetor de características desejáveis. Estou assumindo aqui, como me parece razoável, que cada pessoa tem uma série de traços (físicos, cognitivos, sócioeconômicos, emocionais) que julga desejável em alguém com quem casaria: inteligência, beleza, honestidade, riqueza, status, educação, religiosidade etc, etc. Sei lá. Qualquer coisa que o sujeito ache relevante. É um vetor subjetivo, logo, com conteúdo e número de características de valor arbitrário. Pode ter três coisas pra uns e dezenas para outros.

O segundo componente é o vetor de pesos. Estou assumindo agora que que cada indivíduo atribui um “peso” para cada uma dessas características no seu “vetor de características”. Esses pesos – que podem assumir valores entre 0 e 100 – registram a importância relativa que cada uma das características que o sujeito acha relevante no outro. Eles devem somar 100. Por exemplo: imagine uma mulher que se importa apenas com o traço A e o traço B (altura e inteligência, digamos) mas dá um peso de 60 para a altura e 40 para a inteligência. Isso significa – e aí vai uma observação “técnica” – que a “pesificação” das características que ela fez satisfaz a propriedade da aditividade. Parece uma artimanha matemática sem necessidade. Mas não é. Essa restrição de aditividade sobre os pesos busca capturar a ideia de que não podemos ter mais de tudo: ter mais de uma coisa vai fatalmente implicar ter menos de outras. Ou seja: mesmo no amor, as escolhas são conflituosas. Mais de um somente ao custo de menos. Não há almoço grátis!

Imagino que mais do que o vetor de características, cujo conteúdo não deve diferir enormemente entre as pessoas, é esse vetor de pesos que capturaria a singularidade das preferências “românticas” das pessoas. Ou seja: tanto Richard Feynman (famoso físico vencedor do Prêmio Nobel) quanto Cristiano Ronaldo (famoso jogador de futebol) se importariam com a beleza e a inteligência de suas parceiras mas em medidas provavelmente diferentes.

Veja aqui que o modelo é geral o suficiente para dar conta de qualquer tipo de preferência, até mesmo do que, ao menos da boca pra fora, seriam extremos no espectro de preferências: de um lado, aquelas “rasas e superficiais” focadas estritamente em quão “hot” alguém parece até, do outro lado, aquelas mais preocupadas com traços mais “intelectuais”, aspectos da personalidade e atitudes com relação à todo tipo de coisa (natureza, animais, visões políticas..whatever).


A equação do amor (Ranking)
Municiado desses objetos – um conjunto de “características desejáveis” e um conjunto de “pesos” para cada característica nesse conjunto –, teríamos agora uma tarefa simples pela frente: avaliar os parceiros que estão disponíveis no nosso “conjunto factível de parceiros” – a área azul do gráfico com círculos acima. Você faria isso como se atribuísse uma nota de 0 a 10 para cada pessoa e para cada uma dos traços dentro do seu vetor de características. Computaríamos então a “nota global” de cada potencial parceiro. Essa nota global nada mais seria do que uma média das notas dadas a cada traço que nos é relevante ponderadas pelos seus respectivos pesos. A "nota global" de uma dada pessoa i (Ni) seria computada como descrito pela fórmula abaixo:


onde n(c) é a nota que o indivíduo recebe quando avaliado em termos do traço c (um dos vários dentro do conjunto de característica C do indivíduo) e p(c) é o peso dado a esse traço -- uma medida de sua importância para o avaliador (cujo subscrito eu omiti).


Com quem será, com quem será... (Regra ótima de parada/matching)
Todo mundo tem seu "par ideal". Uma idealização que serve de referência contra a qual avaliamos os potenciais parceiros que surgem (até nesse domínio de escolha, nossas preferências seriam "reference-dependent"!).

Sempre que surge um potencial parceiro/parceira, nosso problema então é o seguinte: formo um "par" com essa pessoa ou continuo procurando a espera de outra melhor? O problema é mais complicado do que parece e envolto em risco. A opção de rejeitar o pretendente corrente e encarar uma nova "busca" tem custos -- custos materiais (você tem que sair de casa) e psicológicos (solidão) -- e pode não necessariamente trazer alguém melhor do que os anteriores rejeitados. A equação abaixo descreve uma regra simples sobre quando "parar". Tudo que ela diz é que você forma um "match" com o pretendente que acabou de aparecer e pararia de procurar se a a distância entre a nota do par ideal e do potencial par atual (N*-Nt) for menor do que a expectativa dessa diferença, líquida dos custos de busca, se você continuar procurando pelos períodos restantes (T-t) (G(N,t) descreve essa diferença líquida do custo de se manter buscando até o "período final", T).


Parte 2: Uma Teoria do divórcio 

Em sua epístola bíblica, o apóstolo Paulo diz: “o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. Será? A evidência sugere que não. Como comentei em outro post, as taxas de divórcio cresceram ao longo dos últimos anos em praticamente todo o mundo – mesmo onde é muito custoso, como é o caso dos países do Oriente Médio onde as mulheres são tratadas como cidadãs de segunda classe, para as quais a dissolução do casamento ainda traz desonra e ostracismo social. Embora entender o aumento do divórcio seja interessante em si mesmo, é natural se perguntar antes de tudo: por que as pessoas se divorciam? 

Evidentemente que fenômenos sociais quase sempre têm uma multitude de fatores explicativos. Mas o modelo acima, eu defendo, fornece uma ferramente elegante (porque simples) para explicar a decisão de divórcio.

As causas do fim: efeito aprendizado e efeito preferência 
Quando paramos nossa busca e decidimos escolher alguém pra casar/namorar, isso significa que a “nota” do indivíduo foi a maior possível. Mas lembre que essa nota é o produto de duas coisas: das características da outra pessoa (para a qual demos uma nota) e do peso que damos à cada característica. Uma vez feita a decisão de “matching”, nada garante que essa nota se mantenha ao longo do tempo. Na verdade, é provável que mude. E muda por pelo menos uma das três razões seguintes: 

Efeito aprendizado: aprendemos mais sobre a outra pessoa, o que permite “aperfeiçoar” a nota subjetiva que damos a cada traço da outra pessoa que nos é relevante. 

Efeito preferência: com o tempo, é natural que nossas preferências se alterem – porque aprendemos mais sobre nós mesmos ou porque somos influenciado pelo meio –, o que vai produzir uma mudança ou no vetor de características que valorizamos, ou no peso que damos a cada uma dessas características. Há ainda a possibilidade de a outra pessoa simplesmente mudar (aparência, personalidade, etc), com o que mudariam as “notas” que a atribuímos. 

O resultado é óbvio: a “nota global” que atribuímos à outra pessoa provavelmente mudará com o tempo. Mas é razoável postular que cada um de nós teria uma “banda de tolerância” a variações negativas dessa nota em relação à nota inicial que atribuímos ao outro no momento que decidimos casar/namorar com aquela pessoa. A decisão de divórcio nada mais seria então do que uma resposta a uma piora sensível na avaliação subjetiva que fazemos do outro. A figura abaixo ilustra graficamente essa decisão.


Implicações (potencialmente) testáveis
Uma das implicações mais óbvias desse modelo é que a taxa de dissolução de casais seria relativamente maior em sub-grupos demográficos que passaram por eventos prováveis de provocarem um “choque” de preferências (mudança de emprego e cidade) ou mesmo uma mudança nas características (desemprego, problemas de saúde etc). Não é exatamente fácil obter dados para fazer esses testes. 

Enigma: por que as mulheres pedem mais divórcio?
Dados sobre divórcio em vários países revelam algo interessante: a maioria dos pedidos de divórcio são feitos pelas mulheres. Por quê? O modelo acima oferece duas explicações: uma é a de que as mulheres seriam mais exigentes e teriam “bandas de tolerância” menores; a outra é a de que ao longo do tempo as mulheres passariam por mudanças mais significativas de “identidade” -- que induziriam a mudanças de preferências e, consequentemente, na avaliação subjetiva de seus parceiros --, produtos da maior independência (financeira e de estereótipos que esperam obedecer) e do autoconhecimento.

Onde está o amor nisso?
Ninguém está dizendo que é pra sair por aí colocando um número nas pessoas e se envolver romanticamente com elas apenas se certas condições numéricas forem satisfeitas. Não é assim que funciona. Não exatamente pelo menos. Ainda assim, a ideia é que a teoria contada acima, mesmo sem explicar absolutamente tudo, consegue capturar aspectos dessas decisões, cuja importância talvez justifique a aparente complicação das "contas mentais" que precisariam ser feitas. Afinal, como disse Shakespeare, the course of true love never did run smooth -- algo que traduz como "esse negócio de encontrar o verdadeiro amor é phoda".

18 comentários:

  1. Sugiro trocar a foto do Einstein pela da Marie Curie. Afinal, ela ganhou 2 Nobel contra apenas um do autor da teoria da Relatividade.

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    1. Pensa no propósito da foto. Agora me diz: quem, no universo de pessoas muito inteligentes, tem o rosto mais conhecido?

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  2. Homens procuram o "par perfeito" mais que as mulheres. Para muitas delas, ter alguém já é suficiente. Portanto, podemos dizemos dizer que o homens são risk lovers.

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    1. No creo (sobretudo na segunda parte). Mas nossas amostras podem ser diferentes, e talvez nenhuma delas isoladamente representativa. Mas vai saber..

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    2. Acho que, atualmente, essa ideia de que a mulher precisa de um homem e, portanto, "ter alguém já é suficiente" para ela não é mais a realidade predominante. Acredito que agora a mulher escolhe muito mais do que antes e talvez elas que busquem muito mais "o par perfeito" do que os homens. Mas, como o Sérgio falou, talvez eu esteja apenas observando uma amostra muito específica da população.

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  3. O post é legal, mas me parece que omite um fator muito importante: muitas vezes, talvez na maioria, a pessoa acaba se casando o parceiro que tem aos 25-35 anos, fase em que começa a haver uma pressão maior para 'settle down'.
    Creio que muitas vezes poderia ter havido um matching com uma pessoa de nota melhor, mas não era o momento.

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    1. Esse "fator muito importante" está dentro do modelo: a decisão de não parar implica em um custo de busca cumulativo. Parar nos "últimos períodos" possíveis de busca dificilmente vai ser ótimo (eu não coloquei estrutura na distribuição da nota mas faria sentido piorá-la - shift down a média e torná-la mais mesocúrtica - ao longo do tempo).

      Sobre essa história de ter achado uma matching de nota mias alto no momento errado, isso é obviamente uma conta eivada de "hindsight bias". Ex-ante, um simples argumento de preferência revelada nos diz que em expectativa o sujeito achava que "would do better". É por isso que o "momento" erra errado. E claro: não há nada no modelo que impeça que, lá na frente, a pessoa descubra que desde o dia que ele/ela deixou passar um 9 até hoje, só apareceram de 9 pra baixo.

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    2. O famoso pessoa certa na hora errada

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  4. se introduzirmos os fatos abaixo, não poderíamos descobrir que, simplesmente, não sabemos se é ou não a melhor escolha e, apesar disto tomamos a decisão de dizer"sim" por um tipo de motivacao que pouco se baseia em cálculo (pois não sabemos todas as características pessoais e eventos possíveis e muito menos o peso que atribuiríamos àqueles que fossem conheciveis, mesmo que relevantes) e muito em um estado de espírito que ignoramos as razões e que, por vezes, sofre a influência da opinião de terceiros?

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  5. Ei, ninguém vai comentar o conflito Oreiro Renato ?

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  6. Mais de um somente ao custo de menos (do outro).

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  7. As mulheres pedem mais divorcio que os homens por uma questão de custo.
    Se um homem pedir divorcio, ele vai perder a guarda dos filhos e no limite pode ser afastado completamente da educação deles (vendo só nos fins de semana), metade da sua renda mensal vai para a mulher como pensão, perde a casa, carro... Ou seja, se ele se separar perde metade do seu patrimônio no mínimo ( os casos de divórcios estão ai como prova disso). Como o custo da separação é muito maior para o marido, eles preferem "levar" a relação do que se separar. As mulheres que dificilmente sairão de casa ou perderem a guarda dos filhos (praticamente impossível nas leis da maioria dos países ocidentais), por isso o custo do divorcio é menor, logo elas são menos sensíveis em levar a relação por mais tempo e pedem o divorcio.

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    1. Bom ponto Anonimo 20.31. O que você está dizendo pode ser visto como um argumento importante da função que determinaria as "bandas de tolerância" das mulheres - um treco que eu assumi, implicitamente, exógeno (isto é, ele vem de algum lugar pra dentro do modelo). Mas veja como isso pode ser acomodado facilmente dentro do modelo.

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  8. Gostei dos.seus argumentos. Penso semelhante quanto a um.conjunto de critérios que temos quando escolhemos o parceiro. Agora, quanto as fotos, pergunto:escreve para revista playboy?

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  9. Deus colocou homem e mulher no mundo pra cazarem-se e reproduzirem-se. Até que a morte os separem . Quem trair ou se divorsiar, logo, será altomaticamente "sended to hell". Se é que vocês me entendem. Logo, discutir esse ponto com traços de duvida, também, sai autamente passíveis de repreensão por parte dEle, que tudo sbe e tudo vê! A Ciência e os pobres cientistas , que resultam em dó, pensam que podem sobrepor seus reles conhecimentos por sobre Ele! Isso foi só um aviso. Espero não precisar me manifestar novamente.

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    1. Hahaha nice try, nice try. No entanto, os erros ortograficos e gramaticais obvios demais e seu ingles perfeito acabam denunciando voce mais como um bem-humorado tirador de sarro do que um fanatico religioso.... hahaha.... Agora, esse "se eh que voces me entendem" ficou perfeito... peraih, voce ta falando serio??

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