quinta-feira, 26 de junho de 2014

Disputa de pênaltis II: estratégias mistas


No post anterior discuti o trabalho de José Apesteguia e Ignacio Palacios-Huerta sobre a vantagem da equipe que inicia uma disputa de pênaltis. Na verdade, sobre esse mesmo tópico tem um paper mais antigo, porém bem mais interessante, de autoria de Pierre Chiappori, Steven Levitt e Tim Groseclose (AER, 2002). A ideia é usar pênaltis para testar equilíbrios em estratégias mistas.

Em teoria dos jogos, um jogador utiliza estratégias puras quando, em determinada situação, faz sempre a mesma coisa. Por exemplo, se Messi bate um pênalti contra Casillas, ele jogaria estratégias puras se sempre escolhesse o canto esquerdo. Por outro lado, em estratégias mistas, o indivíduo joga probabilisticamente. No caso, Messi escolheria o canto esquerdo com, por exemplo, 70% de chance, e o canto direito com 30% de chance. Isto equivale a dizer que ele bate 70% dos pênaltis do lado esquerdo, e 30% do lado direito. Da mesma forma, Casillas joga estratégias mistas se não cai sempre para o mesmo canto.

O interessante do caso de cobranças de pênaltis é que nunca é vantajoso jogar estratégias puras. Por exemplo, se Messi sempre escolhe o lado esquerdo, Casillas acertaria o canto e a chance de conversão seria pequena. Por outro lado, se Casillas sempre caísse para o lado direito, Messi faria o gol pois chutaria no lado oposto. Sócrates, na Copa do Mundo de 1986, fornece um exemplo interessante da ineficiência das estratégias puras neste caso. No jogo contra a Polônia, durante a fase de grupos, Sócrates converteu um pênalti em que não tomou distância, colocando a bola no lado direito do goleiro.



Entretanto, nas quartas de final contra a França, em que o Brasil foi eliminado nas cobranças de pênaltis, Sócrates basicamente repetiu o movimento, sinalizando ao goleiro que faria a mesma coisa que antes. O resultado: o pênalti foi defendido.



Na verdade, o artigo de Chiappori, Levitt e Groseclose mostra que o comportamento de Sócrates não se encaixa no padrão: nas cobranças observadas nos campeonatos espanhol e italiano, tanto cobradores como goleiros tendem a utilizar estratégias mistas, ou seja, estão constantemente alterando os lados.

A vantagem da estratégia mista é que se coloca dúvida na cabeça do oponente. Ao alterar sistematicamente os lados que chuta, o cobrador não dá ao goleiro a certeza de que canto pular. Da mesma forma, o chutador também não saberá exatamente qual canto escolher, se não tem certeza do que o goleiro fará.

As proporções observadas, no entanto, revelam uma preferência dos batedores pelo canto oposto (isto é, destros tendem a chutar mais no lado esquerdo, e canhotos mais no lado direito). Isso porque conseguem chutar com mais força quando batem cruzado. Obviamente, os goleiros se adaptam a isso, e tendem a escolher mais esse mesmo canto.

Em seu novo livro (Think like a freak), Levitt volta a esse ponto e nota algo peculiar em cobranças de pênaltis: goleiros quase nunca escolhem permanecer no meio do gol. Isso daria uma vantagem para batedores que optassem por mandar a bola para o centro da meta (de acordo com o autor, a chance de conversão é 7 pontos percentuais mais elevada do que quando o pênalti é batido nos cantos). Contudo, os cobradores não exploram isso, dado que o número de penalidades batidas no meio do gol é baixa.

Na interpretação de Levitt, isso acontece porque batedores temem a humilhação de cobrar o pênalti no centro e ver o goleiro encaixar a bola sem nenhum esforço. E os goleiros, sabendo disso, quase nunca optam por ficar no meio do gol.

Picture yourself standing over the ball. You have just mentally committed to aiming for the center. But wait a minute— what if the goalkeeper doesn’t dive? What if for some reason he stays at home and you kick the ball straight into his gut, and he saves his country without even having to budge? How pathetic you will seem! Now the keeper is the hero and you must move your family abroad to avoid assassination.
So you reconsider.
You think about going the traditional route, toward a corner. If the keeper does guess correctly and stops the ball— well, you will have made a valiant effort even if it was bested by a more valiant one. No, you won’t become a hero, but nor will you have to flee the country.
If you follow this selfish incentive— protecting your own reputation by not doing something potentially foolish— you are more likely to kick toward a corner.

Alexandre Pato que o diga!



O trecho de Think like freak acima citado está disponível online. Veja aqui.

(Partes deste texto foram retirados de um post antigo meu, publicado no extinto blog Sob a Lupa do Economista).

6 comentários:

  1. No minicurso de economia experimental que teve no II workshop de teoria dos jogos aí na USP, teve pelo menos uma aula inteira sobre pênaltis. E uma das coisas interessantes que o professor tentou mostrar é que, além da melhor estratégia ser a mista, os craques conseguem aleatorizar seus chutes mais do que as pessoas "normais". Uma pessoa normal, mesmo quando adota uma estratégia mista, tende a adotar uma sequência que não é de todo aleatória (mesmo sem perceber). Por exemplo, chuta sempre dois chutes para um canto, depois cinco para outro e depois três para o primeiro canto, de modo que, se você estuda o comportamento passado, consegue apreender qual seu comportamento. Um craque tem a capacidade de aleatorizar de fato, no sentido de que, mesmo você estudando o comportamento passado dele, pode conhecer até a proporção de chutes para cada lado, mas não conseguirá prever para qual lado ele vai chutar agora dado os chutes anteriores. Outra coisa interessante que foi discutida é aquela paradinha que eles davam (não sei se ainda é permitida) antes de chutar e como ela muda o jogo. Não entendo nada de futebol, mas nunca esqueci a aula (apesar de poder ter entendido tudo errado).

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    1. Interessante. Vc pode me passar as referências?

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    2. Vi aqui a recomendação do site FiveThirtyEight. Muito legal. Ontem li um artigo a respeito do tempo de prorrogação que, como explica o articulista, é algo meio difícil para o torcedor americano entender. Ele explica ao leitor que a subjetividade é um elemento preponderante e inextirpável no futebol.

      E de quebra forneceu um dado para mim surpreendente, referido ao tempo de bola efetivamente corrida e efetivamente parada.

      Em 36 partidas de jogos da copa, chega-se a uma média de 96 minutos de jogo. Nesse tempo, a bola ficou parada 42,2 e correu 53.3 minutos.


      No primeiro tempo a média é 19.7 minutos de bola efetivamente parada contra apenas 1.9 de prorrogação. No segundo tempo, a média de 22,5 contra 4.1. É muito interessante acompanhar as análises que o articulista faz a partir desses números e outros números.

      Por exemplo, o articulista sugere que o Klisnmann fez uma cagadinha (a expressão é minha) que mudou a sorte da seleção americana no jogo contra Portugal. Ele teria feito uma substituição segundos antes do 4º árbitro anunciar o tempo de prorrogação. O articulista especula ( ele reconhece que a hipótese é difícil de ser verificada porque a FIFA não disponibiliza a informação do momento exato em que o 4º anuncia) se essa substituição poderia ter alterado o tempo de prorrogação de 4 para 5 minutos. Enfim, não fosse a cagada, o belo passe do Ronaldo para o Varela não existiria, não haveria gol e os EUA teriam garantido a classificação. Coisas do futebol.

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  2. Eu, que tenho um entendimento de leitor comum da economia, adoro essas paradas dos economistas no futebol.

    Caro anônimo, a FIFA proibiu a paradinha em 2010. Não consta que tenha revertido. Quem inventou foi Pelé. Essa questão de como bater pênaltis é, claro, tão antiga quanto o futebol. A grande sacada intuitiva do Pelé foi a de ganhar uma vantagem sobre o goleiro com a paradinha. Se a questão era acertar os cantos ou o centro do gol, a paradinha mostrou-se empiricamente muito eficaz.

    Eu gostaria muito de saber mais detalhes do que vocês discutiram sobre a paradinha no minicurso. Se tiver mais o que dizer, por favor, não se acanhe.

    Post muito legal, Mauro.

    Eu gostaria de ler algo nessa linha do post examinando, por exemplo, a seleção do Chile, que tem um time e um futebol espetaculares.

    Tostão é de longe o melhor cronista de futebol. Na crônica de hoje (A voz do mestre) ele fez uma previsão:

    "Se o Brasil for campeão, vai contrariar a máxima de que o jogo se ganha no meio-campo. A passagem da bola é feita pelo alto e em lançamentos longos. Como o Chile avança a marcação e deixa espaços atrás, aquilo de que Neymar mais precisa, os chutões podem dar certo.

    Mano Menezes, em uma entrevista, tempos atrás, disse que o técnico Bielsa, do Chile, foi irresponsável, na Copa de 2010, ao atacar demais o Brasil.

    Mano, extremamente racional, não entendeu a outra lógica. Bielsa pensou que seria melhor tentar ganhar o jogo do jeito que gosta, o que seria grandioso, mesmo correndo o risco de levar uma goleada, do que fazer uma retranca e perder de 1 a 0. Sampaoli vai seguir a voz de seu mestre."

    Para quem não assinante da FSP, ler aqui

    http://www.otempo.com.br/opini%C3%A3o/tost%C3%A3o/voz-do-mestre-1.872591

    O Chile e o mundo que gosta de futebol sabem que há uma deficiência insuperável na seleção do Sampaoli: os caras são baixinhos.

    Em 1962 o Brasil fez 4X2 contra o Chile. Três foram de cabeça, um de Garrincha. Quem viu Garrincha "pernas tortas" jogar imagina que esse talvez tenha sido o gol mais inusitado no mundo do futebol.

    Em novembro em Montreal o gol de cabeça jogou novamente o papel de carrasco da seleção do Chile. Brasil venceu por 2X1.

    Ambos os técnicos e os seus jogadores sabem disso muito bem. Então é previsível que Sampaoli não mude seu modo de jogar, e vai partir para cima explorando as deficiências do adversário, como sugeriu Tostão. E é previsível que a seleção do Brasil vai explorar as bolas altas.

    Desculpe se não fui muito claro ao formular minha questão. É possível quantificar essa previsibilidade e traçar cenários com base na teoria dos jogos? Ou essa ferramenta de análise é de uso mais restrito a aspectos isolados do futebol, como o caso dos pênaltis?

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  3. Mauro,

    não guardei minhas anotações ou referências do curso, tenho apenas os artigos que salvei para ler (provavelmente, uma pequena parte do material indicado). O único que trata de futebol me parece estar na mesma linha dos já citados por você, é "What happens in the field stay in the field: professionals do not play minimax in laboratory experiments" de Steven Levitt, John List e David Reiley. Tem um sobre tênis, que é "Minimax play at Wibledon", de Mark Walker e John Wooders (o professor do curso).
    Sobre a paradinha, o ponto do professor era de que, basicamente, a paradinha mudava o jogo. O que era um jogo com informação imperfeita (já que o goleiro não pode esperar para ver para qual lado o jogador irá chutar para depois cair porque aí certamente cairá atrasado) passa a ser um jogo com informação perfeita para o artilheiro, que sabe para qual lado o goleiro caiu. A paradinha mudaria a estrutura do jogo e, por isso, na opinião do professor, não deveria ser permitida.

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  4. Muito legal,

    Mas Mauro, me tira uma dúvida. Quando você escolhe estratégias mistas significa que você vai aleatorizar as suas escolhas, certo? Se isso é verdade, por que o Sócrates não poderia repetir a cobrança no lado direito do goleiro? Ele não tem que bater alternadamente, ele tem que ser consistente com a estratégia ao longo de várias penalidades.

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