quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

O idioma que falamos afeta nosso comportamento?

A pesquisa de Keith Chen sugere que sim.

O autor considera dois tipos de idioma: aqueles em que é necessário identificar gramaticalmente o futuro, e aqueles em que essa distinção não é obrigatória. Por exemplo, em português, é estranho falar "Chove amanhã". É preciso ajustar o tempo verbal, e não apenas indicar "amanhã" para fazer referência ao futuro. Já em alemão ou mandarim, é perfeitamente aceitável falar o equivalente a "Chove amanhã".

Chen chama o primeiro tipo de linguagem de strong-FTR e o segundo de weak-FTR, em que FTR quer dizer future-time reference.

O autor encontra que pessoas que falam línguas com weak-FTR apresentam uma tendência maior a poupar. Esse resultado é forte e sobrevive a uma bateria de testes de robustez. Vale não apenas no nível individual, mas também no agregado: a taxa de poupança é em média mais elevada nos países com uma parcela maior de pessoas falando idiomas com weak-FTR.

A interpretação é que o idioma afeta nossa percepção de quão "próximo" é o futuro. Em particular, nas línguas com strong-FTR, como há necessidade de realizar a distinção gramatical, tem-se a impressão que o futuro está relativamente distante. Como poupança envolve um sacrifício de consumo hoje para aumentar o consumo mais tarde, quanto maior o tempo percebido para usufruir do benefício, menor o incentivo a poupar.

Em suma, a língua parece afetar a taxa de desconto subjetiva.

O incrível é que o idioma tem a ver com outros tipos de comportamento associados ao tradeoff entre presente e futuro. Por exemplo, atividades como fumar, comer junk food e transar sem camisinha envolvem um benefício imediato em troca de perdas possíveis no futuro. Chen também encontra que pessoas que falam línguas com weak-FTR tendem a apresentar melhores indicadores de saúde, praticar sexo seguro, além de terem menores chances de serem fumantes ou obesas.

O paper saiu no AER do ano passado (link). Vale a pena também dar uma olhada no TED Talk de Chen (abaixo).


(para a versão com legendas em português do vídeo, veja aqui).

28 comentários:

  1. Isso também passa por teste de identificação de Endogeneidade?

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    1. Mano, tu só fala merda e faz pergunta idiota. 100% das vezes.

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    2. Let the boy alone man.

      He is still young and silly. But he deserves some kudos for putting himself on the line and, oftentimes, amusing us in doing so.

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    3. O anônimo deveria mostrar a cara

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    4. Não li o artigo ainda, e perguntei ao Mauro se testam isso.

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    5. Marcelo,
      Até onde entendo de econometria (que não é muito), não se testa isso. A não ser que vc tenha mais instrumentos que variáveis explicativas (vc pode fazer aquele teste de Haussman, que compara OLS com IV). Mas isso raramente ocorre. Já é difícil achar um instrumento.
      O que o autor em geral faz é corrigir por IV, ou tentar convencer o leitor que esse não é um problema muito sério, ou ainda argumentar que o viés vai no sentido contrário (de modo que a estimativa de OLS seria uma subestimação do real efeito). No paper, ele argumenta que não é um problema (de maneira bem convincente na minha opinião).
      Primeiro, não parece fazer sentido a história de causalidade reversa (a propensão a poupar causa o idioma). Mas pode haver variável omitida (por exemplo, países com weak-FTR têm melhores instituições). Eles atacam isso explorando a variação dentro do mesmo país. Por exemplo, na Bélgica há pessoas falando língua dos dois tipos. O resultado se mantém.

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    6. Agradeço a explicação Mauro, eu pensei justamente na casualidade reversa pelo seguinte:

      A taxa de desconto intertemporal atual é correlacionada com a taxa de desconto intertemporal de 700 anos atrás. E 700 anos atrás, tanto essa taxa de desconto quanto a língua eram parte do mesmo caldeirão cultural do país de modo que ambas poderiam ser um sub-produto de um terceiro fator ou a própria língua ser reflexo dessa taxa de desconto.

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    7. "One important issue in interpreting these results is the possibility that language is notcausingbut ratherreflectingdeeper differences that drive savings behavior. These available data providepreliminary evidence that much of the measured effects Ifind are causal, for several reasons thatI have outlined in the paper. Mainly, self-reported measures of savings as a cultural value appearto drive savings behavior, yet are completely uncorrelated with the effect of language on savings.That is to say, while both language and cultural values appear to drive savings behavior, thesemeasured effects do not appear to interact with each other in a way you would expect if they wereboth markers of some common causal factor "

      Enquanto o autor discute a possibilidade, o anônimo das 14:10 é melhor que todo mundo aqui, pena que não mostra quem é.

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    8. Sua explicacao faz sentido, mas esta' mais para variavel omitida do que causalidade reversa.

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    9. O fato de regiões próximas terem comportamentos distintos não deixaria clara a relação causal? Você poderia "escolher" poupar mas não qual língua falar!

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    10. Eu tinha respondido mas não publicou, estranho.

      Então, na Europa Central e nos Balcãs muitas vezes você tem povos de diferentes culturas e origens étnicas convivendo muito próximos. O exemplo clássico seria a Bélgica e a Espanha (formada por Andalucios, Catalães, Vascos, Galicios e Castelhanos).

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    11. Ok Espanha não é da Europa Central, caso algum anônimo implique.

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  2. Eu quero ver esse novo esquema de incentivo à publicação da FEA afetar comportamento!
    Parabéns a todos os envolvidos na aprovação!

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  3. Aumentar a poupança no Brasil é muito mais fácil que eu imaginava!

    É só trocar o português pelo Alemão ou Mandarim.

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    1. Mais fácil ainda: abolir os tempos verbais.

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    2. É verdade! Nossas aulas de tempos verbais nos tornaram consumidores compulsivos!

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    3. Os Tailandeses já aboliram. Suspeito que os outros asiáticos tb. Alguém confirma?

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  4. Se estiver chovendo amanhã talvez seja possível estar começando a poupar...

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  5. A culpa é dos romanos então e do lindo latim

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  6. Cara, o lulismo está tentando abandonar as concordâncias! É o caminho.

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  7. Para comprar essa história, eu teria que ser convencido que a taxa de poupança na China ou Alemanha era mais alta no começo do século XX, em 1750, em 1500... Lembre-se que a Alemanha teve uma hiperinflação nos anos 1920 e que os italianos eram famosos por serem os tipos mais pão-duros do mundo na São Paulo da Belle Epoque (eram até acusados pelos paulistas da época de não ajudarem a economia local – não consumiam quase nada).

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  8. A história é simplesmente excelente. Por isso foi tão bem publicada. Mas comprar de fato essa causalidade é muito difícil.

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  9. Pode ser o inverso, a linguagem é de um jeito pois o povo vê o futuro mais distante

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  10. Eu creio que ele teria tido mais sucesso se tivesse focado na gramática não isoladamente, mas aplicada em contextos específicos.

    Assim, ele observaria como os traços de strong-FTR e weak-FTR se manifestam na televisão, nos jornais de ampla circulação, nas conversas cotidianas, etc. e então faria uma correlação destes dados.

    Creio que isso teria mais chances de mostrar dados correlacionados e com uma margem de divergência maior ( no estudo, entre strong-FTR e weak-FTR só há uma diferença de 4,75%, em média ).

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