quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Economia comportamental no mercado de carros usados


Não é incomum observarmos preços terminando em 99 centavos -- por exemplo, R$15,99 ao invés de R$16,00. Bruno Giovannetti escreveu um post há algum tempo, levantando esse ponto para o preço do combustível (que em geral tem mais um dígito, como R$2,899). Uma explicação comportamental para isso é que as pessoas prestam mais atenção nos primeiros dígitos do número, e não ligam muito para o resto. Dessa forma, tem-se a impressão que R$15,99 é muito mais barato que R$16,00. E os estabelecimentos comerciais, entendendo tal viés, escolhem esses preços esquisitos.

Nicola Lacetera, Devin Pope e Justin Sydnor (AER 2012) têm uma aplicação muito legal disso para o mercado de carros usados nos Estados Unidos. Eles não olham para preços, mas sim para quilometragem (no caso milhagem, pois estamos falando do mercado americano). Notam uma relação inversa entre preço e milhagem, como esperado, mas há quedas bruscas em números redondos, notadamente múltiplos de 10.000 milhas. Os dados são de cerca de 22 milhões de carros, vendidos via leilão, entre 2002 e 2008.

O gráfico abaixo, retirado do paper, ilustra esse fato:


A seguinte passagem do paper dá uma noção da magnitude das diferenças, na vizinhança dos números redondos:
For example, cars with odometer values between 79,900 and 79,999 miles are sold on average for approximately $210 more than cars with odometer values between 80,000 and 80,100 miles, but for only $10 less than cars with odometer readings between 79,800 and 79,899.
Isso é consistente com a ideia de que as pessoas prestam mais atenção nos dígitos da esquerda, quando avaliam o carro pela milhagem. Link para o paper aqui.

(Agradeço ao Gabriel Madeira pela dica).

7 comentários:

  1. Bem legal o texto! Interessante observarmos como temos um cérebro primitivo para lidar com números.

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  2. Por pouco razoável que pareça, tem um custo de esforço mental envolvido. Truncar (cortar o que vem depois da virgula) requer muito menos esforço do que arredondar. Basta escrever um programa de computador para fazer isso que fica evidente.

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  3. Com o advento da internet estes centavos passaram a ter relevância em razão dos buscadores.
    Se eu seto minha busca entre 20.000 e 25.000, talvez (dependendo se é inclusivo ou não) eu não pegue os carros de 25.000. E com certeza não os de 25.100, mas pego os de 24.999.

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  4. Os melhores trabalhos são os que conseguimos ver a conclusão em apenas 1 gráfico. E eis o caso!
    (assim como no post de racionamento, do paper do F Costa)

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  5. Agora pergunto para você um nosso que me deixou desafiado: por que o Habibs vende suas esfihas por 0,98 e nao 0,99 centavos.

    Abs
    Economista X

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  6. Corrigindo: um "negocio" e nao um "nosso".

    Abs

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