terça-feira, 7 de outubro de 2014

Transformação estrutural, serviços e política industrial


Entre o imediato pós-guerra e meados dos anos setenta e início de 1980, a distância entre o produto por trabalhador (e renda per capita) das economias latino-americanas e o dos Estados Unidos caiu substancialmente. Foi um período de acelerada convergência. Após este período, e até anos recentes, a distância aumentou. Entre 1950 e 1980 (ano de "pico" da convergência), o produto por trabalhador brasileiro (em ppp) foi de 16% do americano para 33%, enquanto que no México entre 1950 e 1976 (também o "pico" da convergência), o produto relativo foi de 40% para 60%. Em 2005 a produtividade brasileira era apenas 23% da americana e a mexicana 38%.

Seria interessante tentar entender quanto deste fenômeno pode ser explicado por transformação estrutural - mudança relativa do tamanho dos setores - ou por crescimento tecnológico dentro de cada setor. A tabela abaixo apresenta uma decomposição da produtividade agregada de algumas economias da América Latina com base na metodologia de McMillan e Rodrik (NBER, 2011). Este método divide o crescimento agregado em uma parte de transformação estrutural (onde se congela a produtividade de cada setor mas se permite a mudança observada nos tamanhos relativos dos setores) e outra de crescimento "tecnológico" (onde se congela o tamanho relativo do setor mas se permite que cada um cresça às taxas observadas). No exercício abaixo a coluna "Agreg" mostra o crescimento da produtividade agregada, a coluna "Tec" a porção deste crescimento explicada por fatores estruturais dentro de cada setor (por exemplo, mudança de tecnologia,) e a coluna "Str. Tr." apresenta a porção do crescimento explicado pela redistribuição do trabalho entre setores (isto é, a transformação estrutural). A divisão do tempo vai de 1950 até o pico de convergência de cada país e depois do pico até 2005. Os setores são agricultura, serviços e indústria.


Na maioria dos países da região, de 1950 a meados da década de setenta (até o "pico"), a realocação de mão de obra entre setores teve um impacto considerável na produtividade agregada. Ele explica 44% do crescimento brasileiro de 1950 a 1980, e para períodos comparáveis, metade do crescimento agregado no México, um terço no Peru, etc. Somente depois da maior parte da migração rural-urbana ter sido completa, e a participação da agricultura na economia ser pequena, é que a contribuição da transformação estrutural para o crescimento da produtividade é baixa ou negativa em alguns casos.

Este resultado é um pouco sensível ao período escolhido. Para 1990-2005 o processo de transformação estrutural teve uma contribuição negativa em quase todos os países para o crescimento agregado, dado que se observa uma migração de trabalhadores de setores mais produtivos (e.g. manufatura) para menos produtivos (e.g., serviços, especialmente serviços pouco sofisticados como comércio). Isto é uma análise de equilíbrio parcial. Se levarmos em conta que a produtividade nos serviços na América Latina é relativamente baixa e que a da indústria é relativamente alta, qualquer movimento de mão de obra da primeira para a segunda vai realmente diminuir a produtividade agregada, todo o resto constante.

O problema é o que o resto não está constante. Não há como afirmar que a contribuição do setor industrial para o crescimento agregado possa ser muito mais elevada, mesmo se sua produtividade fosse maior e o padrão de especialização de nossa economia o "certo". A menos que façamos alguma hipóteses muito pouco razoáveis sobre elasticidade-renda da demanda por bens industrial vis-à-vis serviços (via de regra esta última é maior) e sobre o tamanho "ideal" da indústria, o setor industrial tende a ficar relativamente menor com o avanço do processo de desenvolvimento, e os serviços maiores. Por isso, políticas voltadas para indústria terão um impacto agregado limitado: o que podemos alcançar, forçando o peso do setor ser 2 ou 3% pontos percentuais a mais? A recente onda de políticas industriais que beneficiaram alguns subsetores industriais específicos no Brasil (e de algumas outras economias da região) teve muito pouco efeito nos setores visados, e muito provavelmente nenhum na produtividade agregada. Se algo aconteceu foi o aumento das distorções e "misallocation".

Neste sentido, no agregado duas coisas podem acontecer com a implementação de políticas setoriais com o objetivo de aumentar a produção em "setores industriais de alta produtividade". Se a produtividade cresce ainda mais do que o observado, o país necessitará de relativamente menos trabalhadores na manufatura, uma vez que a demanda por bens industriais não vai crescer muito, de modo que o efeito final sobre o PIB não será grande. Ou esses setores vão continuar a adicionar trabalhadores sem maiores inovações (por causa de algum tipo de subsídio) de forma que a produtividade do setor cairia. Mais uma vez, o impacto final no PIB será limitado.

A figura abaixo ilustra este ponto. É uma simulação em artigo meu com Leonardo Silva ("Structural Transformation and Productivity in Latin America”) onde utilizamos um modelo - bastante simples - de equilíbrio geral com vários setores. Após 1980 mudamos a taxa de crescimento (filtrada) da produtividade de um determinado setor pela sua taxa do período anterior, mantendo a produtividade dos dois setores restantes como observado. Assim, na linha "Industry" vemos qual seria a trajetória do PIB agregado do Brasil depois de 1980 se a indústria tivesse crescido às taxas do período de convergência (i.e., 1950-80) e os serviços e a agricultura crescido às suas taxas observadas. Como se pode ver, e apesar da taxa de crescimento da indústria ter sido duas vezes maior que a dos serviços no período anterior a 1980, o impacto é limitado. Este resultado deve-se à realocação de mão-de-obra da indústria para os serviços, que cresceu a uma taxa negativa de -1,7% no período 1981-2005: os ganhos com maior crescimento da produtividade industrial são compensados em certa medida pelo menor nível e crescimento da produtividade no setor dos serviços. Em contraste, o impacto de aumentar a produtividade do setor de serviços é muito maior: nossa produtividade seria 44% da americana e não 24%.



Assim, talvez a questão fundamental de pesquisa é entender por que a produtividade no setor de serviços é tão baixa no Brasil e na América Latina em geral, quais os subsetores que são responsáveis por esta ineficiência e o que pode ser feito para melhorar o desempenho do setor. Um dos candidatos é a educação: todas as economias serão "economias de serviços" no futuro, mas aquelas abundantes em trabalho qualificado irão se especializar em serviços mais sofisticados e produtivos - muitos deles complementares (e.g., design, marketing, pesquisa, etc.) a atividades manufatureiras - enquanto as economias com baixa educação se especializarão em serviços pouco produtivos.

3 comentários:

  1. Pedro, boa noite.

    Tenho algumas humildes perguntas:

    1) Algumas das interpretações da falta de dinamismo da indústria nacional aponta para a questão de que no período de convergência havia uma certa estabilidade no paradigma tecnológico e que assim havia espaço para que os países da América Latina realizassem as políticas de substituição de importação como forma de fazer um catching up tecnológico.

    A incapacidade de instalar um polo gerador e difusor de tecnologia interno (não lembro o termo ao certo) em conjunto com que a aceleração do desenvolvimento tecnológico dos ano 80 e a abertura dos mercados teriam permitido que as grandes empresas transnacionais não precisassem mais transferir tecnologia e grande parte dos ganhos de produtividade para as empresas instaladas nos países subdesenvolvidos.

    O que vc acha disso? Poderia ai ser um ponto de explicação do motivo da redução no ritmo de ganhos de produtividade da indústria nos países da AM Latina após o pico?

    2) Esse segundo é mais uma pergunta metodológica simples, mas fiquei curioso

    A desverticalização da indústria após os anos 80 tornou meio difusa a separação entre serviço e indústria. Por ex: serviços de design de produtos antes eram realizados intra-firma.
    Nesse sentido, como é verificada essa separação indústria/serviços no pré e pós 80?
    Os dados indústriais pré-80 incorporam os serviços realizados dentro da estrutura vertical?
    Como a metodologia trata essa questão?

    ps: vou ler a metodologia apontada para aprender um pouco.... rs

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  2. caro,

    obrigado pelos comentários. Em relação ao ponto 2 acho que não há como medir isto perfeitamente mas acho que a terceirização deve sim ter afetado a medição de trabalhadores em cada setor. Esta nota comenta um artigo (que não li...) que tenta medir isto para os USA e os números não são triviais:
    http://www.voxeu.org/article/outsourcing-and-shift-manufacturing-services

    Sobre o primeiro ponto: o período de maior crescimento produtivo da indústria brasileira, provavelmente, se deu após a abertura comercial de final de 80. Difícil de compatibilizar com esta interpretação.
    abs

    Pedro

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  3. Sugestões para o aumento da produtividade do setor de serviços:

    1- Extinção da atividade de cobradores de ônibus, devidamente realocados como motoristas em corredores exclusivos
    2- Demissão em massa de porteiros 24 horas por dia de prédios residenciais. Só no meu condomínio a folha de pagamento consome 20 mil reais, ou 400 reais por condômino (2/3 do valor pago)
    3- Mulheres: aprendam a fazer as próprias unhas!
    4- Extinção da atividade de segurador de placa de PARE na ciclovia de domingo.
    5- Simplificação tributária para acabar com metade dos advogados e contadores.
    6- Fim das reservas de mercado de médicos e taxistas.

    etc.

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