Economistas da área de desenvolvimento sempre foram fascinados pelo que chamam de "armadilha da pobreza" -- um círculo vicioso que condena economias a persistirem no subdesenvolvimento.
Há todo uma família de modelos econômicos tentando reproduzir esse tipo de dinâmica perversa. Os mecanismos são os mais variados: falta de crédito, escassez de oportunidades de diversificação de risco, tributos pesados e regressivos, infraestrutura capenga, benefícios sociais que incentivam a permanência na pobreza, disparidade de crescimento populacional e renda, condições iniciais ruins. E, claro, dificuldades à acumulação de capital humano, como por exemplo, uma sistema educacional deficiente.
A escola pública brasileira: O anti-toque de Midas
Poucos sistemas públicos de educação (público no sentido de financiamento, não de acesso) fornecem melhor ilustração de como uma educação ruim pode funcionar como uma poderosa máquina de pobreza do que o brasileiro. Há abundante evidência de que a escola pública brasileira tem falhado miseravelmente na missão de ensinar ao menos competências básicas aos seus alunos e alunas (no que é mais vital: língua portuguesa, ciências e matemática); não é exagero dizer que as pessoas de origem desafortunada que por essa escola passaram, dificilmente se encontrarão em situação diferente ao longo de sua vida adulta -- uma situação que frequentemente se perpetua na geração seguinte. Não que a conclusão do ensino médio apenas, por melhor que fosse, garantisse o acesso a postos de trabalho com remuneração relativamente elevada. Mas o problema não é apenas que a escola pública oferece instrução aquém do que seria desejável; ela está funcionando como uma verdadeira máquina de destruição de capital humano.
Analfabetos funcionais
Uma evidência desse efeito atrofiante da escola pública pode ser visto no que foi noticiado hoje. Segundo o último levantamento do Todos pela Educação, há falhas terríveis no processo de alfabetização das crianças: apenas 30% dos alunos no terceiro ano do ensino fundamental sabem ler e escrever (a matéria pode ser vista aqui). Há uma matéria ilustrativa do Bom Dia Brasil mostrando alguns dos erros que esses alunos, alguns com mais de dez anos de idade, ainda cometem (vídeo aqui).
Nem Einstein escaparia
É como eu costumo dizer aos meus alunos: não há nenhum mecanismo mais poderoso em criar/perpetuar a pobreza do que a escolarização oferecida rede pública de ensino brasileiro. Só casos hiperanômalos (em termos de inteligência, drive e willpower) escapam dessa que é, a rigor, uma tremenda armadilha da pobreza.
De fato, é razoável admitir que indivíduos dotados de elevados níveis de habilidade cognitiva, esforço e motivação intrínseca, conseguissem por conta própria superar essa força destrutiva da escola pública brasileira. O que, mesmo que verdade, não significaria que deixaram de ter todo ou boa parte do seu potencial aprendizado e desenvolvimento cognitivo comprometido.
A título de ilustração disso, sempre penso que tivesse o jovem Albert Einstein sido educado na escola pública brasileira como hoje está, é certo -- eu imagino -- que ele obteria um cargo bem remunerado e gozaria de mais conforto material do que tinha quando criança (ele era um aluno pobre, falava com pouca fluência e seus professores achavam que sofresse de retardo mental), mas talvez nunca soubéssemos -- pelo menos por ele -- da equivalência entre massa e energia, da constância da velocidade da luz e da relatividade do tempo...
Sistema de vouchers
Já não é mais nenhuma novidade que o sistema público de ensino precisa de uma radical reforma. Eliminar as barreiras que hoje fazem da escola pública essa máquina de atrofiamento intelectual e destruição de "capital humano" terá ao menos dois potenciais benefícios. Um é o de impedir que indivíduos pobres se vejam condenados a pobreza por não terem adquiridos treinamento que os capacitem a serem produtivos e a ocuparem postos bem remunerados de trabalho. O outro -- um mero corolário do primeiro -- é o de ajudar a economia brasileira a aumentar sua produção; aumentando a renda média, é provável que mitiguemos alguns dos nossos problemas sociais também.
Mas como reformar? Esse é um assunto que merece uma discussão muito mais longa do que farei aqui -- envolve discussões sobre a formação dos professores, o desenho dos cursos de pedagogia, a remuneração da carreira, etc. Mas como várias das deficiências da escola pública derivam-se da natureza estatal do provedor, me parece natural aceitar que tais reformas envolveriam também a transferência da administração das escolas para a iniciativa privada, com a autoridade educacional operando um sistema de certificação, monitoramento e avaliação/ranking das escolas. O poder público, no cumprimento de suas obrigações constitucionais, proveria vouchers (uma espécie de cheque com o fim específico de pagar a anualidade escolar) para as famílias, deixando-as livres para decidirem onde colocar seus filhos. Infelizmente, isso não faz parte, até onde sei, do programa de governo de nenhum candidato ao, ou incumbente de, cargo do poder executivo.
Já não é mais nenhuma novidade que o sistema público de ensino precisa de uma radical reforma. Eliminar as barreiras que hoje fazem da escola pública essa máquina de atrofiamento intelectual e destruição de "capital humano" terá ao menos dois potenciais benefícios. Um é o de impedir que indivíduos pobres se vejam condenados a pobreza por não terem adquiridos treinamento que os capacitem a serem produtivos e a ocuparem postos bem remunerados de trabalho. O outro -- um mero corolário do primeiro -- é o de ajudar a economia brasileira a aumentar sua produção; aumentando a renda média, é provável que mitiguemos alguns dos nossos problemas sociais também.
Mas como reformar? Esse é um assunto que merece uma discussão muito mais longa do que farei aqui -- envolve discussões sobre a formação dos professores, o desenho dos cursos de pedagogia, a remuneração da carreira, etc. Mas como várias das deficiências da escola pública derivam-se da natureza estatal do provedor, me parece natural aceitar que tais reformas envolveriam também a transferência da administração das escolas para a iniciativa privada, com a autoridade educacional operando um sistema de certificação, monitoramento e avaliação/ranking das escolas. O poder público, no cumprimento de suas obrigações constitucionais, proveria vouchers (uma espécie de cheque com o fim específico de pagar a anualidade escolar) para as famílias, deixando-as livres para decidirem onde colocar seus filhos. Infelizmente, isso não faz parte, até onde sei, do programa de governo de nenhum candidato ao, ou incumbente de, cargo do poder executivo.
Sérgio, sou um ex feano (graduação e mestrado) que estudou a vida toda em escola pública. Por mais que vocês escrevam sobre, e analisem dados, e vejam reportagens, quem não passou por isso não faz ideia do que é uma escola pública. É um destruidor de capital humano muito maior do que você imagina.
ResponderExcluirSaí do meu colégio sem saber nada, e eu digo nada mesmo. Ia, jogava bola, conversava, ficava com as menininhas, e ia pra casa dormir (sendo justo, foi uma grande diversão). Você sai sem saber exatamente nada, é incrível. Aprendi o conteúdo da 5a séria ao 3o ano do colégio em meu 1 1/2 ano de cursinho (onde vi, pela 1a vez, equação, função, etc), e consegui entrar na FEA.
Fui um dos privilegiados que você mencionou. Já pensei muito pq. Acho que, dada uma formação original boa (o ensino primário público foi bom, com duas professoras interessadas ao longo de 4 anos, e incentivo dos meus pais a ler, aprender jogar xadrez, desde muito novo), e uma grande ajuda da genética (qi bem acima da média), consegui avançar ao longo do tempo. O resto do pessoal do bairro que gostaria de ter seguido este caminho também, inclusive aqueles que eram extremamente esforçados, infelizmente, não conseguiu. Nenhum deles.
Vi isso de mais perto no período em que trabalhei como monitor num cursinho, no início da faculdade. Muitos dos alunos que eu atendia eram oriundos de escolas públicas. Era incrível como o pessoal se frustrava ao não entender as coisas mais simples, por mais que estudassem, ficavam puto mesmo. Todo o willpower do mundo não conseguia reverter a formação ruim, e de um certo ponto era quase impossível passar. Quando o início da formação é fraco, that's it.
E esses exemplos (tanto do meu bairro como do cursinho) são de um pessoal que vinha de famílias de classe média (para nossos padrões), que estudaram nas escolas públicas menos ruins, tinham acesso a computador, etc. O pessoal da periferia, que não aprendeu nem a ler aos 10 anos, estes não terão nenhuma chance, e provavelmente nunca irão nem entender que não tiveram essa chance. E eles são a maioria.
PIB potencial de 4% ao ano onde mesmo?
Muito obrigado pelo relato que tão bem ilustra o ponto do post.
ExcluirExcelente artigo.
ResponderExcluirEstudei em escola pública na periferia de São Paulo e realmente sei como é difícil superar a pobreza através da educação.
Onde estudei em Campinas a maior preocupação do dia era não ser vítima de bala perdida, nem na entrada, nem na saída.
ResponderExcluirFelipe Phelps
Muito bom Sergio. Parabéns pelo texto. Sou um entusiasta dos vouchers no caso da educação.
ResponderExcluirDiscutir vouchers é discutir até onde vai o Estado e, consequentemente, seu tamanho. O Estado deveria prover unidades básicas de saúde, rodovias, portos? Acredito que essa é uma das principais discussões que nosso país está passando e continuará a passar nos próximos anos, visto que o Estado está passando por um estrangulamento de suas Finanças Públicas.
Por que não ensino 100% público na educação primária e ensino médio? A solução é simples assim? privatizar todo o ensino e dar voucher? é assim que fazem todos os melhores sistemas de ensino no mundo?
ResponderExcluirÉ uma questão de escolhas. Para ter ensino "100% público na educação primária e ensino médio", você prefere que o Estado saía do ensino superior ou que saía de outra área, ou prefere que aumentemos a carga tributária, ou por fim, acredita que uma melhor gestão garantirá que a carga tributária não aumente e o Estado continue em todas essas áreas? Não sei qual sua preferência ou se prefere propor uma 5ª alternativa.
ExcluirObviamente não é simples assim, nem a transição poderia ser feita de maneira abrupta.
Com certeza não é isso o que "todos os melhores sistemas de ensino no mundo" fazem. Mas o texto e o primeiro comentário mostram como um dos piores sistemas de ensino no mundo faz. É preciso mudar. É preciso discutir. É preciso saber as qualidades e os defeitos de cada uma das alternativas.
Sérgio, concordo com o sistema de voucher, desde que seja no valor do gasto médio por estudante do ensino básico no Brasil que é de R$ 200,00/mês.
ResponderExcluirO SUS é um bom exemplo de "voucher" por procedimento. O SUS recebe muitas críticas, mas é um sistema de saúde que funciona com um orçamento de R$ 100,00/mês per capita.
Acho que, antes de pensar em soluções, vale notar que existe um problema na raiz da sociedade brasileira. Não é um povo que estuda, e valoriza a educação. Isso é um fato, na minha opinião. Não querendo soar como o grumpy old man, nem como o burguês que é contra a cultura popular, mas a glorificação de rolezinhos, concursos de dancinha e afins não facilita em nada nossos problemas educacionais / sociais. Mesmo se tivéssemos hoje um sistema educacional que oferecesse uma boa formação formal, haveria interesse, faria tanta diferença? Eu digo não.
ResponderExcluirÉ um fato, na sua opinião? É um fato, ou é a sua opinião?
Excluir/\ Troll.
ExcluirMas é verdade, a massa popular brasileira não vale o ar que respira. Já Celso Furtado comentava isso.
O que é causa e o que é consequência?
ExcluirMt legal o post! Por experiência própria e pelos diversos relatos fica evidente o valor da educação na formação de uma pessoa.
ResponderExcluirEm relação ao sistema de voucher e gestão privadoa vs pública só acho importante enfatizar um ponto (que acredito que esteja implícito no post, mas q nem sempre está na cabeça das pessoas):
Gestão privada é mais eficiente do que a pública desde que haja competição de verdade e/ou regulação que imponha os incentivos corretos...
Não consigo encontrar qq razão para que o simples fato de haver um ente privado adminsitrando ou gerindo qq atividade implique uma eficência maior que um agente público...
Gostaria de conhecer melhor como funciona (ou funcionaria) esse tipo de sistema... Se não houver competição de fato... vai acabar acontecendo o que já vimos em outros tipos de concessão de serviçs públicos...
Abçs
Daniel