terça-feira, 12 de agosto de 2014

A história de (in)sucesso dos PhDs



Fazer doutorado fora é o sonho de diversos alunos de pós-graduação em Economia (e mesmo alguns de graduação). Especialmente em um escola top como MIT, Harvard, Princeton ou Chicago. O paper recente de John Conley e Ali Sina Onder (JEP 2014) traz alguns fatos estilizados sobre a produtividade da atividade de pesquisa de graduados em escolas americanas e canadenses. Os resultados podem ser informativos para quem está pensando em entrar nesse barco. Vale a pena dar uma olhada no paper (dá tranquilamente para ler deitado).

Antes de tudo: faz todo sentido olhar apenas para pesquisa. Afinal, o treino fornecido nas melhores escolas internacionais é voltado para a formação de pesquisadores de ponta. No paper, avalia-se a produção ao longo dos seis anos após o término do doutorado, o que corresponde à "tenure track". Ao final desses seis anos, o professor pode ou não receber uma oferta de emprego definitiva (i.e., com estabilidade ou "tenure") da escola. Nos melhores centros, receber uma oferta depende fortemente da produtividade ao longo do período.

Principais achados

1. A vida é dura: proporcionalmente são poucos os graduados que conseguem fazer sucesso na academia. Na amostra dos autores, cerca de 50% dos graduados entre 1985 e 2006 não têm nenhuma publicação relevante. Na verdade, a produção acadêmica é fortemente concentrada em poucos pesquisadores. 

E mesmo nas top schools a coisa é complicada. Por exemplo, o graduado mediano de Harvard produz o equivalente a 0,04 AERs ao longo dos seis anos após o término do doutorado. Essa produção não garante tenure para ninguém em uma escola minimante séria. Em outras palavras, ir para uma top school não é garantia de sucesso (apesar de aumentar as chances).

2. Não é o fim do mundo ir para uma escola pior ranqueada. Entre os graduados mais produtivos, a escola não parece fazer tanta diferença assim. Por exemplo, o percentil 85 de egressos de Carnegie Mellon é mais produtivo que o percentil 85 de Chicago, Berkeley, UPenn e Stanford.

Entretanto, essas escolas com ranking mais baixo (e com produtividade alta no topo) aparentemente formam poucos alunos. Por exemplo, Carnegie Mellon forma em média 2 alunos por ano, e Rochester 7,8 alunos por ano. Isso parece ser uma combinação de: (i) número baixo de alunos admitidos, e (ii) elevada evasão. Em outras palavras, não é tão fácil entrar nesses departamentos e/ou terminar o curso. De qualquer forma, é possível que esses lugares menores se esforcem mais no processo de seleção de doutorandos (dado que têm menos recurso para desperdiçar); ou o menor número de alunos permite uma atenção maior dos professores, o que contribui para um melhor desempenho no futuro.

O que estaria por trás dessa baixa produtividade?




Primeiro, boa parte dos graduados acaba em empregos não acadêmicos, como bancos, consultorias ou governos. Outros vão para departamentos de menor tradição, em que precisam dar muita aula e envolver-se em atividades administrativas, ou em que os incentivos à atividade de pesquisa não são muito fortes (porque há menos grana para pesquisa, a exigência para conseguir tenure é mais baixa etc.).

Uma possível implicação é que a formação do pesquisador não termina com o doutorado. Os anos da tenure track servem para aproveitar a interação com pesquisadores seniors, o que contribui para consolidar a agenda de pesquisa do indivíduo (além de ampliar sua rede de contatos acadêmicos). Esse efeito é particularmente forte nas melhores escolas, onde se concentram os pesquisadores de ponta. Talvez por conta disso apenas alguns gatos pingados conseguem fazer pesquisa de fronteira.

Outro efeito que acho potencialmente relevante: o número de top journals e top field journals (que realmente contam para tenure nos bons departamentos) não mudou muito ao longo do tempo. A academia, entretanto, cresceu consideravelmente, o que torna cada vez mais difícil publicar nesses periódicos de ponta. A reação do mercado vem acontecendo, mas de maneira tardia -- por exemplo, recentemente apareceram os American Economic Journals (da American Economic Association), e os novos periódicos da Econometric Society (Theoretical Economics e Quantitative Economics). Essa reação tardia possivelmente ocorre porque leva tempo para ganhar reputação nesse mercado. Haja vista que os novos journals que citei acima são editados por instituições consolidadas, como a American Economic Association e a Econometric Society.

(Agradeço ao Ricardo Sabbadini pela dica, e ao Rafael Costa Lima pela discussão).

5 comentários:

  1. Eu acho que isso acontece porque a Economia está muito mais próxima da Política do que da Física, ao contrário do que muitos pensam e desejam. Apesar de usar métodos rigorosos, está longe de gerar resultados precisos como os das Ciências Exatas. Então, o "erro" acaba sendo decidido pela política, gerando espaço para uma preponderância descabida de pesquisadores e departamentos de maior fama. Os rankings de pesquisadores e universidades acabam sendo os juízes dos resultados imprecisos gerados pela pequisa econômica, aos quais editores inseguros recorrem para aprovar ou não um paper. Nesse jogo, o editor também precisar cuidar de sua reputação, e nada melhor do que a opinião de um cara de Harvard ou MIT na qual possa se apoiar. No final, o sistema de publicação em top journals fica extremamente viciado, no qual os bem sucedidos dependem de contatos e credenciais que poucos podem adquirir.

    A propósito, é só comparar a concentração de Nobeis de Economia em poucas universidades com outras ciências para ver o quanto bizarra é a situação. Por que será que as universidades européias ganham tanto prêmios Nobel em Física, Química e Medicina e quase nada em Economia? Não acho que seja uma questão de competência.

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  2. Por falar nisso, hoje o brasileiro Artur Ávila, do IMPA, ganhou uma medalha Fields. Fantástico!

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  3. Muito interessante, post de alta qualidade.

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  4. Sobre o medalhista:

    a) Avila continua estudando no Impa em grande parte graças a uma doação do Arminio Fraga, que criou uma cátedra no instituto.

    b) A seleção de professores do IMPA é aberta ao mundo todo - não saber português não é "deal breaker".

    c) A lista de doadores da PUC, mantenedora do IMPA, está aqui: http://www.econ.puc-rio.br/index.php/categoria/fund

    Odeio escrever essa baixeza, ainda mais relacionada à minha "alma mater", mas não vou estar podendo "si conter": chupa, USP pterodactila.

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  5. Se o Artur Ávila tivesse feito PhD em Economia, a esta altura da vida, com 35 anos, estaria talvez publicando seu primeiro paper de micro teórica, depois de cinco esperando resposta do editor. Ou talvez estivesse de congresso em congresso, seminário em seminário, tentando convencer pseudocientistas enfezados sobre a pertinência da estratégica de identificação de seu paper empírico. Ele também poderia estar em Macro! Imaginem o desperdício de talento.

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