quarta-feira, 20 de agosto de 2014

O Pastor e as Ovelhas da "Nova" Direita Liberal


O Jornal Nacional tem feito uma série de entrevistas com candidatos à presidência. Ontem, os apresentadores do programa entrevistaram o Pastor Everaldo. O vídeo com a entrevista pode ser visto aqui.

Ceticismo
Embora seja um candidato de pequena expressão sem chances de vitória, a candidatura do Sr. Everaldo chama atenção por duas razões relacionadas. Primeiro porque seu programa de governo adotou abertamente uma série de teses liberais em favor da redução do Estado. Pelo menos no papel, é algo novo que nunca foi professado abertamente por presidenciável algum (pelo contrário). Segundo porque a nova legião de "liberais" (clássicos, libertários, cristãos, conservadores e o escambau) que certos movimentos/instituições têm ajudado a criar parecia empolgada com a candidatura do Sr. Everaldo. 

Mas a entrevista ao JN revelou um enorme teto de vidro. Ele fala em privatizações mas sem grande convicção. Sua adesão às teses liberais não tem sequer um ano. Muitos ficaram céticos. E é compreensível o ceticismo com o Sr. Everaldo. Seu histórico de apoio partidário não empresta muita genuinidade à sua agenda de aparente inspiração liberal. Aparente porque seu posicionamento contra a liberação das drogas, ainda que irrelevante dado que o assunto está longe de ser prioridade na agenda do congresso, levanta dúvidas sobre a solidez de suas crenças nos princípios liberais -- só pra constar, Milton Friedman sempre advogou pela liberalização, muito antes de Thomas Sowell, Jeffrey Miron e tantos outros mais recentemente. Há inúmeros argumentos econômicos a favor. Ver, por exemplo, detalhada discussão de prós e contras nesse artigo de Jeffrey A. Miron e Jeffrey Zwiebel publicado em 1995 no Journal of Economic Perspectives

Antes cedo do que tarde
É natural, portanto, que as pessoas questionem se esse suporte à agenda liberal é fruto de mero "estrategismo" político-econômico circunstancial (i.e., se posicionar no nicho do "mercado ideológico" com menor concorrência), ou realmente produto de convicções genuínas nas teses que ele agora defende. É verdade que para fins práticos, pouco importaria, por exemplo, que virando presidente ele promovesse uma reforma patrimonial do Estado por convicção ou por conveniência política. Mas é absolutamente natural e compreensível que se suspeite do quão crível é a promessa de implementação dessa e outras ideias liberais cujos fundamentos nunca tiveram intersecção com a matriz ideológica daqueles com quem ele esteve associado por praticamente toda sua vida política. 

A nova velha direita

Entende-se o desespero de alguns por ver candidatos que possam introduzir elementos do lado direito do espectro político no debate. Mas, como diz o ditado, "a primeira impressão é a que fica", e receio que ter candidatos caricatos e rasos carregando supostamente uma bandeira da direita (nem falo "liberal clássica", porque há abundância de conservadores com visões obscurantistas se apropriando do rótulo) pode prejudicar mais do que ajudar a causa e, em última instância, prolongar esse atrofismo ideológico (a inexistência de um partido de centro-direita) que marca a política brasileira desde o fim da ditadura. E apresentar-se como Pastor -- algo em choque com ideias liberais em so many levels -- certamente contribui para isso. 

Primeiro Teorema do Mal-Estar: Mistura entre Economia e Vida Privada
Uma dica para aqueles que parecem empenhados em divulgar as ideias liberais em seus blogs e perfis nas redes sociais: "stick to (laissez-faire) economics" (de preferência, com base em evidência empírica) e deixe assuntos de natureza privada à volição de cada pessoa. Afinal, não há nada mais deseducador (e desagregador) do que propagar, por exemplo, que as "bandeiras" por liberdades individuais (sobretudo aquelas no campo da religião, da sexualidade e da reprodução/parenthood) historicamente carregadas pelos movimentos de esquerda, só porque são de esquerda, não são necessariamente bandeiras do liberalismo clássico. Isto é absolutamente falso. O liberalismo é uma doutrina pela defesa da liberdade em vários dimensões, e não uma combinação de liberdade econômica com conservadorismo retrógrado, que deseja no seu âmago usar o poder do estado para legislar sobre private affairs. Não entender isso e nutrir esse mix de meias-liberdades pode transformar esse movimento liberal em um nicho sectário, um PCO da vida com o sinal trocado.

22 comentários:

  1. Serio, antes um Liberal por conveniência do que um Socialista por convicção.

    Ninguém acha que o Pastor Everaldo é um conhecedor de liberalismo, apoio ele e vou dizer por que apoio:

    Acho importantíssimo chamar atenção dos políticos para a força das idéias tea party no Brasil. Eu quero Deputados Estaduais e Federais, Senadores e Governadores que busquem agradar esse nicho de mercado e brigar pelas políticas que queremos.

    Digo mais

    Paulo Batista 44 777 para Deputado Estadual

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    1. Boa. Ao menos alguém fala, em rede nacional, as palavras proibidas: privatização, menos imposto, contra o aborto.

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  2. O pastor estava ontem na Globo News. O PSC estava com a Dilma. Quando ela negou um ministério, o partido saiu do governo. Agora o pastor está falando de enxugar os ministérios.

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    1. Concordo com o Anônimo acima: melhor um liberal de ocasião que um socialista convicto. Pelo menos os temas estão na mesa.

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  3. Eu acho que o Brasil precisa mais consenso em matéria de políticas públicas. Radicalismos, de ambos os lados, tumultuam o debate e dão uma sensação de que temos sempre que construir tudo de novo "from the sketch". Por isso, apesar de ser eleitor do centro-esquerda, e não do Aécio, que considero centro-direita, eu gosto do discurso do Samuel Pessoa e do Mansueto. Eles admitem que, por exemplo, a carga tributária é uma escolha da sociedade, derivada do que ela quer (e precisa, dado a cultura do local) reservar ao público. Aí o economista lida com os aspectos mais técnicos de condução da economia sob a égide dessas escolhas sociais. Não acho que refundar o país a cada 10 ou mesmo 20 anos seja uma boa ideia. Quanto à evidência empírica, o que ela nos mostra - entre outras coisas - é que na história nenhuma experiência radical dessas deu certo.

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    1. Desculpe se parecer arrogante, mas é "from the scratch" a expressão.

      Pergunto:

      a) por que privatizar é radicalismo?

      b) por que diminuir a carga tributária é radicalismo? E os milhões que a economia extralegal movimenta, que não pode ser transformado em capital (vide Hernando de Soto, The Mystery of Capital), o quanto disso não estaria na economia formal fossem os impostos mais racionais e a burocracia, menor?

      b.1) O Brasil é um país onde você incentiva o empresário a ser pequeno pra sempre. Eu assessorei diversas empresas que fazem um "planejamento tributário coxa", simplesmente recebendo por fora o que fica acima do limite de SIMPLES. Isso quando não se abrem N CNPJs para ter N vezes o benefício do dito-cujo.

      Não é uma questão econômica (ou é, vide o Freaknomics), mas por que ser contra o aborto é ser radical?

      E ser contra o casamento gay (aqui eu discordo do cara), mas por que isso é radical?

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    2. E o que te faz assumir que o consenso é uma posição de centro? O consenso não pode ter posições à direita?

      Os temas liberais não devem ser discutidos?

      É lícito dizer "estatizemos os bancos", mas não "privatizemos a Petrobras"?

      O que o leva a crer que o consenso está nas posições de centro, ou centro esquerda, ou centro direita?

      Já pensou no porquê de não discutirmos temas "de direita". do fantasma que o regime militar deixou na sala, no mal que fez ao País nesse sentido? Por que a "inteligentsia" brasileira adota uma postura de "fim da História" quando o assunto é política econômica? Só existe social-democracia. ou, pior, socialismo?

      Que tal tirarmos Mises, Hayek, Friedman, do limbo?

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    3. Militante Everaldino detect! Suspeito que seja...
      Ser liberal há pouco mais de 6 meses não inspira confiança a ninguém...
      Sem falar que o cabra é divorciado e pancou a ex...

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    4. Acho melhor dizer "from scratch", sem o "the"...

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  4. Precisamos de ALGUEM que defenda ideias economicas ortodoxas. Faz bem pra saude do pais.
    Mas acho um desservico juntar a isso temas pessoais como casamento gay ou aborto. Burrice imitar a direita 'conservadora' americana. Ideias economicas solidas nao precisam ser legitimadas por conservadorismo pessoal, isso so afasta as pessoas.
    E a expressao correta e' "from scratch", sem o "the".

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    1. Uma eleição deve discutir apenas temas econômicos? Aborto é questão a ser discutida sim, não é tema pessoal - é da vida de outro ser (com DNA 50% diferente) que estamos falando.

      Casamento gay ok, não deve ser discutido mesmo, não há argumento racional, que eu consiga enxergar, contra o casamento gay (união civil).

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    2. Aliás, por que pode-se defender a legalização do aborto, é uma bandeira "ok", mas não ser contra?

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    3. Não concordo com a sua afirmação de que se imitam as idéias da direita conservadora americana.

      Mas vamos admitir que você está correto.

      Por que não se devem imitar as propostas à direita, mas é "ok" imitar as propostas à esquerda - ou há alguma, da "sustentabilidade" à legalização da maconha - que não se trouxe de lá?

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    4. Eu que postei o comentariio acima. Obrigado pelos contrapontos, mas acho que ha uma confusao. Esclarecendo, nao quis dizer que essas ideias conservadoras nao devem ser dabatidas, nem devem ser pontos eleitorais. Acho que devem sim,
      O que eu quis dizer foi que nao ha a menor necessidade de se JUNTAR esses outros pontos ao debate economico. Quando o cara se coloca como ortodoxo economico, precisa junto levar o pacote "contra aborto/conta gays/a favor de armas"? Esse e' o padrao de muitos (maioria) conservadores americanos. O eleitor tem que escolher entre o "pacote conservador" e o "pacote liberal". Eu acho essa dicotomia uma roubada e nao vamos importar esse modelo pro Brasil. Discutir aspectos da sociedade ok, mas sao discussoes que devem permanecer SEPARADAS das discussoes economicas. Sim, sao pontos relevantes merecedores de debate por si sos. O ideal seria um candidato a presidencia nao se manifestar sobre essas materias e deixar que o congresso, refletindo a sociedade, legisle sobre elas.
      Eu sou a favor de mais privatizacoes no Brasil, mas nao quero que minha unica opcao de manifestar meu apoio a essa ideia seja um pastor que venha carregado de outras ideias das quais nao gosto. Esse era o ponto, noutras palavras, quis apenas concordar com o ultimo paragrafo do post original.

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    5. Obrigado pelo esclarecimento.

      Sim, houve confusão e entendi seu ponto. E, tendo entendido, devo dizer que concordo com você. As idéias devem ser debatidas, e é realmente uma "estratégia" melhor fazê-lo em separado.

      E, na verdade, creio que esse é um dos grandes trunfos da "direita": há vários matizes. Eu sou a favor do casamento gay, da adoção por pais gays (tenho dois filhos, defenderia a adoção por lobos se fosse alternativa), contra o aborto, a favor de privatizações, totalmente contra ditadura militar...obrigado novamente pelo esclarecimento.

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  5. Fascinante como o nível dos posts aqui na caixa de comentários se descolaram completamente do nível dos posts dos autores do blog.
    Por favor, caros colaboradores, não desanimem com as insanidades ecoadas por olavetes protoconstantínicas. Continuem com o trabalho informativo e divertido que vocês disponibilizam aqui no blog.
    ;)

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    1. C.Q.D

      Não se pode discutir os temas acima. Quem o faz, é "olavete protoconstantínica".

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  6. Alias parabenizo o autor pelo post, muito bom, e o ultimo paragrafo em particular simplesmente perfeito.

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  7. Sergio, o que é inversão das "bandeiras" por liberdades individuais?

    Esse trecho ficou um pouco confuso.

    "Afinal, não há nada mais deseducador (e desagregador) do que propagar, por exemplo, que a inversão das "bandeiras" por liberdades individuais (sobretudo aquelas no campo da religião, da sexualidade e da reprodução/parenthood) historicamente carregadas pelos movimentos de esquerda, são necessariamente bandeiras do liberalismo clássico.

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    1. Dei uma mudada. Espero que tenha ficado menos confuso.

      O que quis dizer foi: tem nego se dizendo "liberal clássico", falando em liberdade econômica ao mesmo tempo que levanta bandeiras contra liberdades de minorias já granted para a maioria de nós (e.g. contra casamento gay -- e aí me pergunto: why should we fucking care o que duas outras pessoas voluntariamente decidem fazer com seus corpos?! -- e contra adoção de crianças por casais sem diversidade genital -- só no Brasil tem 5 mil crianças esperando uma família. Se não há evidência de que same-sex couples dão pais na média piores do que heteros, why not for fuck sake?).

      Meu ponto, como alguém já excelentemente observado por algum comentarista acima, é que sólidas ideias econômicas de viés liberal podem e devem ser defendidas e difundidas sem esses apetrechos conservadores. Isso só aliena as pessoas e dificulta mais ainda -- o que já é difícil pacas -- o trabalho de divulgação das ideias econômicas (mainstream pelo menos).

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    2. Talvez seja por isso que Smith escreveu "Teoria dos Sentimentos Morais" também, não?

      Ou que Hayek escreveu "Road to Serfdom".

      Porque economia e moral/comportamento não se misturam.

      Mas concordo com você nos dois exemplos que citou.

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    3. Ficou claro. Obrigado.

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