O Brasil melhorou ou piorou nesses últimos dez anos de governo petista?
Embora seja um pergunta de óbvia relevância, as respostas a ela oferecidas na imprensa são quase que invariavelmente ruins. São ruins essencialmente por duas razões. Primeiro porque são feitas sob lupas ideológico-partidárias. E invariavelmente essas lupas focam apenas nas dimensões que favorecem um veredito apriorístico. Segundo porque mesmo quando politicamente neutras e lastreadas em dados, essas análises têm dificuldade em dar conta da multidimensionalidade desse tipo de avaliação e de estabelecer um contrafactual -- uma situação de referência de como estaria o Brasil na ausência da "intervenção" cujo efeito se quer analisar e contra a qual o Brasil sob o governo petista será julgado.
Um texto para discussão da PUC-RJ produzido pelos pesquisadores Vinicius Carrasco (PUC), João Manoel Pinho de Mello (Insper) e Isabela Duarte (PUC) procura construir esse contrafactual e, contra ele, avaliar o desempenho de uma série de variáveis sócio-econômicas do Brasil ao longo dos últimos dez anos de governo. O artigo pode ser lido aqui.
Método de controle sintético
Simulando uma investigação experimental, o artigo trata a chegado do PT ao governo em 2002 como um "tratamento" e procura, usando o método do controle sintético*, construir um Brasil hipotético sem o PT que sirva de "condição de controle". Esse grupo de controle será formado por uma série de países emergentes e esse Brasil hipotético sem o PT (que seria o "Brasil sintético"), como proposto pelo método, será construído a partir de uma combinação convexa das variáveis relevantes dos países com maior similaridade ao Brasil (numa dada dimensão) antes da chegada do PT ao poder. A ideia aqui é que uma combinação de países oferece um contrafactual melhor do que um ou outro.
Conquanto esse tipo de inferência esteja, como qualquer outro método de inferência, sujeita a críticas (é possível argumentar, por exemplo, que as comparações produzidas podem ser sensíveis à extensão do período de pré-intervenção utilizado para eleger os candidatos do grupo de controle a partir do qual será construído o contrafactual sintético), essa é sem dúvida uma das avaliações mais rigorosas do governo petista que foram feitas.
Ao longo do artigo, os autores fazem uma avaliação comparativa de dezenas de variáveis macro e microeconômicas -- de crescimento econômico, passando por geração de energia elétrica, até segurança pública. Em várias dimensões, os resultados mostram que melhoramos, mas menos do que o melhor grupo de comparação. O trecho abaixo me parece resumir bem a mensagem do artigo:
Por que então o nítido aumento na sensação de bem‐estar, refletido em, entre outras coisas, na reeleição do presidente Lula em 2006 e na eleição da presidente Dilma em 2010? Porque os indicadores mostram que o país melhorou. O eleitor típico, mesmo que racional, talvez tenha dificuldade de avaliar o contrafactual. A década foi perdida no contrafactual e não no factual. Portanto, nossos resultados são perfeitamente compatíveis com o sucesso eleitoral do PT na década de 2000. Em suma, crescemos menos e assentamos bases mais frágeis para o futuro do que países similares. Nesse sentido, perdemos a década.
Talvez os autores desejem uma audiência mais acadêmica e qualificada para o texto que produziram. Mas tomo a liberdade de sugerir que o mesmo seja leitura obrigatória (também) das pessoas que, sob os mais diferentes rótulos (liberais, libertários, anarco-capitalistas, conservadores), mas unificados pelo sentimento anti-petista, andam panfletando ativamente contra o Partido dos Trabalhadores na internet.
Não que seja imerecido o "stick" que o PT recebe; nem também que não seja bem-vinda e desejável a promoção das ideias liberais de respeito às liberdades civis, de livre-mercado e de menor intervenção estatal na sociedade. Mas confesso que é um pouco deprimente ver essa bandeira -- forjada dentro de um movimento que defendia o uso da razão (iluminismo) -- ser carregada como uma arma anti-petista cuja munição não emana da análise da evidência empírica, mas simplesmente da repetição cega de mantras liberais -- quase que como uma espécie de culto que replica práticas comuns do movimento simétrico oposto que criticam. Se vai ser anti-esquerda por uma via liberal, que seja com lastro empírico. E os resultados do exercício acima oferecem munição empírica para quem deseja apontar as deficiências dos últimos dez anos de governo.
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