quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Haddad e o IPTU

O prefeito de São Paulo vem sofrendo por causa das mudanças no IPTU para 2014. Primeiro a alteração foi aprovada em uma sessão estranha da Câmara; depois a Justiça mandou cancelar tudo; por fim, foi obtida liminar para garantir os novos valores.

Em um evento no Dia da Consciência Negra, Haddad chegou a receber vaias, as quais foram atribuídas ao aumento no IPTU. O prefeito se defendeu, argumentando que a mudança prejudica apenas os mais ricos (os pobres teriam inclusive queda no imposto a ser pago). De fato, apesar de na média a medida acarretar elevação no imposto, há uma variância grande entre regiões do município. A alteração vai de um aumento de 19,8% na Vila Mariana, a uma redução de 12,1% no Parque do Carmo.

Alguns críticos acusam a prefeitura de estar punindo os bairros cuja votação de Haddad em 2012 foi baixa. Por exemplo, na Vila Mariana (um dos bairros com maior aumento no IPTU), Haddad recebeu apenas 17,17% dos votos no primeiro turno, e 28,75% no segundo turno. 

Temos então duas possíveis histórias: (i) a mudança no imposto reflete motivações distributivas por parte dos governantes, ao aumentar a carga dos mais ricos e diminuir a dos mais pobres, e (ii) o governante está "retribuindo" a votação expressiva que recebeu em alguns bairros, premiando-os com impostos mais baixos (e consequentemente elevando a taxação nos locais de menor votação).

Peguei então dados da eleição de 2012, renda per capita e variação no IPTU, para analisar essa questão. Uma dificuldade é que a divisão do município de São Paulo em distritos não bate exatamente com as zonas eleitorais. Assim, fiz o matching por nome do local. Isso produziu um total de 51 regiões, para as quais tenho observações das variáveis em questão.

Rodei então a seguinte regressão:

IPTU = a + b.RPC + c.VOT + u

Em que IPTU é a variação no imposto para 2014 (em %; fonte), RPC é a renda per capita da região em milhares de R$ (dados de 2010; fonte); VOT é a fração de votos para Fernando Haddad na eleição municipal de 2012 (em %; fonte). Os dados estão no nível da região. 

Os resultados estão na tabela abaixo. Na coluna (1), os dados de votação referem-se ao primeiro turno, enquanto que na coluna (2) dizem respeito ao segundo turno.



A regressão sugere que ambas as histórias fazem sentido nesse caso. Em particular, o coeficiente da renda per capita é positivo, indicando que locais mais pobres terão variações menores no IPTU, em média. Por outro lado, o coeficiente negativo da variável eleitoral revela que locais com menor votação para Haddad em 2012 observarão em média incrementos mais elevados no imposto.

Note que esses efeitos são condicionais.  Em outras palavras, se compararmos dois locais com votação semelhante para Haddad, mas com renda per capita diferente, podemos concluir que a região mais rica terá maior aumento de imposto. De maneira análoga, para dois locais em que a renda é semelhante, mas onde há diferenças na votação, aquele com mais votos para Haddad terá menor elevação no IPTU.

Os efeitos são estatisticamente significantes, sobretudo para renda per capita. O efeito da renda per capita possui também magnitude mais elevada: tomando como referência a coluna (2), uma elevação em 0,1 desvios-padrão nessa variável está associada a um aumento de 0,05 desvios-padrão no IPTU. Para a votação, uma redução de 0,1 desvios-padrão está associada a 0,03 desvios-padrão a mais de imposto.

Ressalto, por fim, que o exercício acima é bastante preliminar. Afinal, este texto é um post de blog, e não um paper acadêmico. Dá para melhorar muito, principalmente fazendo um matching mais adequado dos locais de votação com os dados do IPTU. De qualquer forma, acho que tem alguma coisa interessante aí. Fica a dica para quem estiver procurando tópico de monografia ou tese.

38 comentários:

  1. Queremos coeficiente de interação.
    Abs

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  2. Muito legal, parabéns pelo post.
    Pra quem tá procurando monografia, pode relacionar os repasses federais com a renda per capita dos estados e a votação. Pode até mesmo pegar sub-regiões dos estados .... deixando ainda mais desagregado.

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  3. Só uma curiosidade: ele mora na Vila Mariana.

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    1. Irrelevante para a análise, mas legal saber!

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    2. Ele mora no Paraíso (bem próximo à Vila Mariana):

      http://vejasp.abril.com.br/materia/predio-fernando-haddad-paraiso

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  4. Professor, estou com uma dúvida. Porque os efeitos são condicionais? Não pode existir uma correlação entre os bairros que votaram pouco no haddad com a renda per capita? Poderiam ser praticamente uma proxy, pois acho que os bairros mais ricos votaram menos no haddad, etc

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    1. Sim, há correlação forte (negativa) entre renda per capita e votação do Haddad. Por isso é necessário usar regressão múltipla nesse caso, com as duas variáveis incluídas na regressão. Dessa forma, o coeficiente de uma variável capta o efeito dela, condicional na outra variável.

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  5. Mauro, só de curiosidade, deve haver alguma endogeneidade aí, não?

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    1. Provavelmente. Ainda não achei uma história para causalidade reversa, mas deve haver variável omitida (renda não capta todas as dimensões de pobreza).

      Meu objetivo é apenas calcular correlações condicionais nesse post. Um estudo mais rigoroso precisará se preocupar com esses problemas de endogeneidade.

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    2. Ei Mauro, não vou ficar falando "poderia fazer isso e aquilo" pois o modelo é apenas para ajudar a pensar e ele cumpre esse papel muito bem.

      Se usasse uma composição linear de renda presentes e passadas para a Riqueza me pareceria legal também, pois a riqueza é muito menos volátil que a renda.

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    3. nesse nível de desagregação, vc só encontra renda a cada 10 anos (censo).

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    4. não vejo problema grave de endogeneidade aí. Alguém votaria (deixaria de votar) no Haddad porque esperaria que ele fosse diminuir (aumentar) o IPTU da sua região? Acho pouco plausível!

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    5. Não há mesmo. Nesse contexto estático, haveria endogeneidade ou por causa de variável omitida ou por causa de erro de medida.

      Erro de medida não há, logo esse fonte de endogeneidde pode ser descartada.

      Quanto a variável omitida, não sei o que poderia estar no termo de erro dessa equação mas duvido que seja algo que (a) esteja correlacionado com a votação e a renda per-capita e (b) tenha um efieto não-nulo sobre a variação do IPTU.

      Claro, causalidade reversa poderia ser uma fonte de endogeneidade. Mas como o anonimo 23:28 argumentou, é difícil argumentar que exista link causal na direção do imposto para a votação ou para a renda per capita.

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    6. Eu não descartaria erro de medida. Como eu mencionei no post, o matching de zona eleitoral e distrito (os dados de renda e iptu estão nesse nível) não é perfeito.

      Se alguém quiser levar esse exercício adiante, vai ter que consertar isso. Dá um certo trabalho, mas é factível.

      Qto a erro de medida, vejam o comentário do Gabriel Correa.

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  6. Mauro, simplesmente muito bom o exercício. O Nakane me desculpe mas esse è agora o melhor post desse blog!

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  7. Interesting... mas estou com dificuldade de comparar esses coeficientes. Não dá para colocar em log a renda e a porcentagem também (vai ter que multiplicar por 100 provavelmente). As duas histórias são estatisticamente significantes, mas como a gente compara a magnitude? Outra coisa bem simples. Será que dá para fazer as duas regressões separado e olhar para o R2.

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  8. Caro

    Muito legal. Um velho amigo contou que Tomás de Aquino ensinava que há coisas que são evidentes em si e que há coisas que são evidentes para nós. Mas, não é evidente que as coisas evidentes em si sejam evidentes para nós, e vice-versa.

    Eis aí um preceito epistemológico fundamental: ter uma coisa que é certíssima para mim não autoriza afirmar que a coisa é certíssima em si, que ela é verdadeira. É preciso que eu prove. É necessário, portanto, buscar os fatos.

    Seu exercício é uma aplicação deste preceito epistemológico do século XI.

    Pergunta: Seria possível fazer a mesma análise para os governos anteriores? Se sim, então não teríamos um quadro comparativo mais interessante?

    A motivação distributivista do PT tem valor de um axioma, assim como é axiomático que partidos ditos neoliberais estão se lixando para os pobres. Daí, portanto, o corolário da "justiça distributivista" como propriedade do PT. Bem, esta é muito mais uma narrativa influente e nada autoriza afirmar que ela seja verdadeira.

    Enfim, é possível utilizar os mesmos parâmetros para medir, relativamente ao IPTU, a variável distributivista nos governos anteriores? Se sim, não poderíamos verificar, por comparação e com base em elementos comuns, distintos coeficientes de "justiça distributivista", estabelecendo, desse modo, relações verdadeiras entre os diferentes governos?

    Abs.

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    1. Ops! Século XIII.

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    2. O Mauro é o melhor economista desse blog

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    3. In my humble opinion, the best economist here is A de B.
      I am second.
      Mauro Rodriguez, who speaks spanish fluently, comes third.
      This is also Bob Lucas ranking too, though Lee Ohanian and Parente and Prescott place Mauro first and me third.

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    4. also and too...i should be 3...

      now, this is serious: Parente once told Mauro he loved his job market paper. Loved.

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    5. Esse "preceito epistemológico" è o que governa, ou ao menos deveria, as investigações sèrias de qualquer um que teve treino científico. È engraçado que isso tenha sido defendido por Tomas de Aquino, sujeito que defendia a "revelação" de forças supernaturais como fonte vàlida de conhecimento.

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    6. Dá para fazer replicar esse exercício para outras gestões. É só correr atrás do dado. Esse estava fácil (tá em todo lugar na mídia).

      Quanto a Tomás de Aquino e epistemologia, sorry, não posso contribuir em nada.

      X e Cesg: quero um aumento!

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    7. Com certeza o melhor professor.

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    8. Mauro, ter certeza que quer abrir mão dessa idéia ? to querendo usar ela

      Se vc n se importar é claro .... como poderia te dar o crédito dela ? pq isso foi publicado em blog né .....

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    9. Tenho interesse em tocar isso também. Me manda um email - mrodrigues@usp.br

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    10. O JMP do Mauro é uma beleza...

      Conheço pessoalmente o Parente. Muitíssimo gente fina. Ele adora futebol (soccer). Agora está em Stockholm on sabbatical.

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  9. Muito legal!
    Sugestão: incluir como controle a valorização média dos imóveis de cada região desde o último reajuste do iptu.
    Bem ou mal, essa é a justificativa que a prefeitura dá para os reajustes.

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    1. Bom ponto, Gabriel! Essa pode bem ser uma variável omitida, provavelmente correlacionada com renda.

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  10. X, tu és Rubens Penha Cysne, né?

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  11. Mauro, X, A de B e Dudu,
    O que acham deste novo livro da Cristina Terra?
    http://www.elsevier.com.br/site/produtos/Detalhe-Produto.aspx?tid=94282&seg=3&cat=276&tit=FINAN%u00c7AS+INTERNACIONAIS
    Parece bom, né?

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    1. eu tinha lido uma parte faz uns seis meses. me pareceu muito bom mesmo.

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    2. Obrigado, Carlos. Mandei um e-mail pra você mas voltou pra minha caixa de entrada. Deve ter um firewall potente.

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