quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Voto estratégico


Bruno Giovannetti e Economista X sempre têm discussões boas e acaloradas. Nessa semana foi sobre voto (veja aqui e aqui). Vou aproveitar o ensejo para comentar o interessante paper de Thomas Fujiwara nesse tópico. Ele quer entender se as pessoas votam estrategicamente, ou seja, se podem não votar em seus candidatos favoritos para evitar um mal maior.

Especificamente, suponha que há três candidatos em uma eleição: A, B e C. Um determinado eleitor prefere o candidato C, é indiferente em relação a B, e odeia A. Mas C tem chance nula de se eleger. Em uma eleição com turno único, o eleitor de C pode votar em B, simplesmente para reduzir as chances de A vencer. Nesse caso, estaria votando de forma estratégica.

Por outro lado, em uma eleição com dois turnos, não deveríamos esperar esse tipo de comportamento. Isso porque a vitória de A no primeiro turno depende apenas de sua votação comparada à soma dos votos dos demais candidatos. Assim, votar em B ou C não altera em nada as chances de A vencer no primeiro turno. O eleitor em questão deveria então votar em C pois, além de preferir esse candidato, amplia as chances de ele participar do segundo turno.

Para essa história de voto estratégico fazer sentido, deveríamos observar uma concentração de votos maior nos dois principais candidatos em eleições de turno único, em comparação a eleições com (potencialmente) dois turnos. Por outro lado, se o voto for sincero (ou seja, as pessoas votam em seus candidatos preferidos), então a regra eleitoral não deveria afetar a distribuição de votos entre candidatos.

Para testar essa teoria, Fujiwara compara eleições para prefeito no Brasil em municípios em que há um único turno (com menos 200 mil eleitores), e eleições com potencialmente dois turnos (municípios com pelo menos 200 mil eleitores).  Na verdade, ele explora a descontinuidade em 200 mil eleitores para obter o efeito causal da regra eleitoral sobre a fração de votos recebida pelos dois primeiros colocados conjuntamente. Ou seja, a identificação do efeito vem da comparação de municípios com eleitorados um pouco menores que 200 mil, com municípios com eleitorados um pouco maiores que 200 mil.

E encontra evidência consistente com a história de voto estratégico: em municípios com turno único, o vote share combinado dos dois primeiros colocados é significativamente maior do que em municípios com potencialmente dois turnos. Outra coisa interessante (e consistente com a ideia de voto estratégico): esse efeito é mais forte em eleições apertadas.

O mais maluco dessa história é que: a probabilidade de um eleitor individualmente alterar o resultado da eleição é nulo, como notado pelo Economista X. Na verdade, se supusermos que votar no candidato preferido traz alguma utilidade para o eleitor, o voto deveria ser sincero. Mas, de acordo com a evidência de Fujiwara, parte significativa do eleitorado se comporta como se pudesse alterar as chances de um ou outro candidato. Talvez o eleitor extraia alguma satisfação disso -- por exemplo, ele pode julgar que está fazendo sua parte para evitar a vitória de um candidato que ele considere muito ruim.

9 comentários:

  1. Talvez as pessoas gostem de se enganar fingindo que decidem alguma coisa sobre as próprias vidas numa democracia de massas.

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  2. Nada como um post bem escrito, interessante e equilibrado.
    O Economista X é um aloprado e o Bruno um distraído. Ainda bem que temos Mauro.

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  3. Bom post Mauro.

    Votaria no Aécio no 1º turno, mas, por hora, acredito que se mudar meu voto para a Marina, em 1º turno, ela irá mais forte para o 2º e isso provocará efeito positivo para ela frente aos eleitores (assumindo eleitores "maria vai com as outras").

    A premissa é que, ceteris paribus, o candidato tem mais chances no 2º turno se a votação for mais esmagadora no 1º. Marina indo pro 2º turno com 30% dos votos seria melhor do que indo pro 2º com 20%.

    Faz sentido?

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    1. E o seu voto representa 10% do eleitorado?

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  4. Mauro é o único adulto neste recinto.

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  5. O ganho de utilidade descrito pelo Mauro no final do post pode ser entendida como a "identity utility" que o Akerlof fala no livro dele. Ou seja, o eleitor ganha utilidade em se comportar como ele acredita que deve se comportar.

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  6. Uma dúvida.

    Se existem 4 candidatos,
    Candidato A na frente, B e C empatados e D em último.
    o eleitor tem a ordem de preferência D>C>B>A.

    O eleitor, mesmo preferindo D, votaria estrategicamente em C, para que ele passe para o segundo turno e tenha chances de ganhar de A. Não é mesmo?

    Outro ponto é, não li a comparação de Fujiwara, mas devem haver variáveis mais forte em cidades maiores, né? Isto é, maior diversidade ideológica, etc, que gera menos concentração de votos nos principais candidatos.

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    1. Sim! Eu usei o caso de 3 candidatos para ser didático. Mas ele discute um exemplo parecido com o seu no paper.

      Quanto às cidades maiores, esse efeito deveria aparecer no número total de candidatos. E ele controla por essa variável nas regressões.

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