quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O mundo antes da Revolução Industrial


De acordo com diversas teorias modernas de crescimento econômico, o progresso tecnológico é fundamental para entender os ganhos sustentados de renda per capita no mundo pós Revolução Industrial. Basicamente, a expansão contínua da fronteira tecnológica permite que se produza mais com as mesmas quantidades de insumos, gerando assim uma trajetória de crescimento no produto (e, portanto, renda) por trabalhador. 

Mas como explicar o período anterior à Revolução Industrial, para o qual não temos evidência de crescimento sustentado na renda per capita (os casos de ganhos de padrão de vida são em geral isolados e temporários)? É difícil acreditar que não houve mudança tecnológica significativa nesse período, ainda que a uma taxa bem menor do que a dos dias atuais.

O modelo malthusiano (inspirado nas ideias de Thomas Malthus) oferece uma explicação para a estagnação verificada no período, mesmo na presença de avanços tecnológicos. Há três hipóteses fundamentais:

1. Trata-se de uma economia agrária, ou seja, terra é um insumo de produção importante. 

2. O estoque de terra é limitado. Por conta disso, quanto maior o número de trabalhadores, menor a produtividade do trabalho (há menos terra por indivíduo) e, portanto, menor a renda per capita. 

3. Uma melhora nas condições de vida (aumento na renda per capita) faz com que as pessoas desejem ter mais filhos.

Considere então uma melhora tecnológica. Para dadas quantidades de trabalho e terra, a economia é capaz de gerar mais produto, levando a um aumento temporário de renda per capita. As pessoas então decidem ter mais filhos, o que no futuro se traduz em um aumento na força de trabalho. Ao longo do tempo (por conta da limitação no estoque de terra), isso derruba a renda per capita, até que ela retorne ao seu patamar original. 

Ou seja, no longo prazo, o progresso técnico não leva a ganhos de padrão de vida, mas apenas a uma população maior.

O paper de Quamrul Ashraf e Oded Galor (AER 2011) avalia empiricamente as implicações do modelo malthusiano. Entretanto, ao invés de olhar para um mesmo país no tempo (como na discussão acima), eles utilizam uma cross-section de países. Nesse caso, o modelo prevê que locais com tecnologia mais avançada (ou com terra mais produtiva) deveriam ter maior densidade populacional, mas não renda per capita mais elevada.

Os resultados estão em linha com o mecanismo malthusiano. Com base em dados de população e renda per capita nos anos 1, 1000 e 1500, os autores acham uma correlação positiva entre produtividade da terra e densidade populacional. Mas a correlação entre renda per capita e produtividade da terra é nula (estatisticamente não significativa).

15 comentários:

  1. Muito legal Mauro. Duas dúvidas, no entanto:

    (i) por que a melhora nas condições de vida leva a um maior desejo por ter filhos? Essa é uma hipótese malthusiana que não faz sentido algum (na verdade, o inverso é que tem respaldo epírico).

    (ii) a produtividade marginal do trabalho, dado o estoque de terra, se torna decrescente a partir de um certo ponto apenas, não? Para um período inicial (quanto exatamente?), ela é crescente, não?

    Valeu
    Jain

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    1. Jain,

      Bons pontos.

      (i) eu acho que a redução da fertilidade com a renda está mais ligada ao aumento do salário da mulher, elevando o custo de oportunidade de ter filhos. Provavelmente isso só acontece quando o salário é suficientemente alto, incentivando a mulher a participar do mercado de trabalho. No período em questão, o salário é provavelmente muito baixo para que esse efeito opere.

      Note que, na época da revolução industrial, os salários e a população aumentaram juntos. A transição demográfica só vai acontecer mais tarde, no século XX.

      (ii) Nesse período inicial (se existir, não tenho certeza) em que a PMgL é crescente, o salário aumentaria junto com a população. No modelo isso incentivaria as pessoas a ter mais filhos. Dessa forma, ao longo do tempo, esse estágio inicial seria superado.

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    2. Belo post !

      As pessoas passam a ter menos filhos quando o tradeoff "quality x quantity" fica mais relevante. Ou seja, la atras, como human capital nao importava muito, ter muito filho quando a renda aumentava era a escolha mais natural, pois voce nao precisava/nao era rentavel, gastar recursos educando-os. No seculo XX isso deixa de ser verdade. Claro que mulheres no mercado de trabalho importa, mas isso eh tao tardio que nao deve ser a principal explicacao...

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  2. Aonde raios eles conseguiram dados para o ano 1, 1000 e 1500?

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    1. Angus Maddison:

      http://www.ggdc.net/maddison/maddison-project/home.htm

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  3. Bom post.
    Nunca me aprofundei no modelo malthusiano, e também não li o paper de Ashraf e Galor, mas sempre achei esse modelo um pouco antiquado. O post aparentemente vem a corroborar essa idéia, visto que a evidência favorável ao modelo é anterior a era industrial atual (talvez já passada..). Em outras palavras, minha questão é: podemos esperar algum poder preditivo, ou mesmo explicativo, do modelo malthusiano para tempos modernos?

    Jaqueson

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    1. Não diria que é uma teoria antiquada, pois há pesquisa acadêmica bastante recente sobre o assunto. Caras importantes como Oded Galor, Ed Prescott e Larry Johnson trabalham com o modelo malthusiano. Acredito que aborda uma questão antiga (tem um flavor de história econômica). Mas acho bem importante, pois busca explicar um período bem longo da história econômica da humanidade.

      Quanto às aplicações recentes, algumas pessoas argumentam que vários países da África Subsaariana ainda estão presos na armadilha malthusiana, dado que nunca experimentaram crescimento sustentado. O livro do Gregory Clark (Farewell to Alms) dá também alguns exemplos de comunidades indígenas, supostamente vivendo hoje como na época malthusiana.

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  4. Se nao me engano, foi também no blog que li sobre um paper que relacionava higiene com renda per capita.

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    1. Sim. Não me lembro se foi aqui, ou no antigo Sob a Lupa do Economista. Foi um post do Cesg, discutindo uma passagem do livro do Gregory Clark (Farewell to Alms).

      De qq forma, o argumento também passava pelo modelo malthusiano.

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  5. Eles mostram correlação entre avanço tecnológico e densidade populacional? E interpretam isso como causalidade? Pq? Não há histórias na outra direção?

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    1. Não, eles tratam disso. Caso contrário não estaria no AER. Dá uma olhada no paper.

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  6. Muito legal o post. Uma sugestão para um outro post é uma AER (2013) desses mesmos autores que causou uma grande polêmica aqui, o Out of Africa Hypothesis.

    Lucas

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  7. Ahn... alguém aí em cima pensou que a redução da fertilidade da mulher pode estar relacionada à invenção da pílula?

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  8. interesting: http://marginalrevolution.com/marginalrevolution/2014/01/how-much-does-social-mobility-ever-change.html

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