segunda-feira, 9 de junho de 2014

Rodízio vs pedágio urbano


Na semana passada, Samuel Pessôa publicou um excelente artigo na Folha, discutindo possíveis efeitos de diferentes políticas públicas (notadamente rodízio e pedágio urbano) no trânsito de São Paulo. Vale a pena dar uma olhada não só pela discussão profunda, mas também porque tem muita Economia lá.

Em um ponto concordo com o Samuel: rodízio não é uma forma eficiente de reduzir o trânsito, basicamente porque as pessoas compram outro carro (com final de placa diferente) para escapar da restrição. E tem evidência disso. Na Cidade do México, há um programa semelhante ao de São Paulo, porém bem mais agressivo - Hoy no circula. Dependendo do final da placa, o carro não pode circular entre 5 da manhã e 10 da noite. Em São Paulo, isso só vale nos horários de pico: 7:00 às 10:00 e 17:00 às 20:00.

O paper de Lucas Davis (JPE 2008) avalia a introdução do Hoy no circula em 1989. O autor não encontra nenhum efeito sobre a emissão de poluentes. Mas o número de carros registrados na Cidade do México aumentou consideravelmente com a implementação do programa. E isso ocorreu majoritariamente por conta do aumento nos registros de veículos usados (vindos de outras regiões do México e dos Estados Unidos), o que sugere que as pessoas estão comprando carros usados para escapar da restrição. Por serem mais antigos, esses veículos também tendem a poluir mais.

O rodízio tem mais um problema: é difícil fazer ajustes na margem. Por exemplo, em São Paulo, já tem gente falando em estender a restrição para dois dias da semana (ou seja, cada carro não poderia circular por dois dias, dependendo do final da placa). Isso está longe de ser uma mudança na margem. E imagino que o incentivo a adquirir um carro adicional seria enorme nesse caso.

Já o pedágio urbano atua no sentido de desestimular o uso do carro, e permite que se façam esses ajustes na margem. Por exemplo, se a tarifa for R$10 e o trânsito continuar carregado, é só aumentar o preço. E não tem como a pessoa evitar o pagamento comprando outro veículo. Mais uma vantagem: ao contrário do rodízio, o Estado acaba arrecadando recursos nesse caso.

De fato, tem o inconveniente de que os pobres seriam prejudicados pois não poderiam pagar pelo pedágio. Mas a função da política de trânsito não é redistribuir renda (isso pode ser feito com impostos sobre renda/riqueza e programas de transferência de renda, como o Bolsa Família). Além disso, o rodízio também penaliza os mais pobres, uma vez que escapam da restrição apenas aqueles que têm dinheiro suficiente para comprar um veículo adicional.

Meu principal questionamento a essa estratégia é operacional. Muito provavelmente os motoristas adotariam rotas alternativas para escapar dos pedágios. Em uma cidade cheia das "quebradas" como São Paulo (ainda mais com a ajuda do Waze), isso pode ser bem problemático: transfere-se o trânsito de vias rápidas e com bastante espaço para ruas residenciais.  

19 comentários:

  1. Vc diz que "rodízio não funciona". Vc acha então que se o rodízio acabasse, o trânsito não pioraria?

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    1. Bom ponto. Expressei-me mal. A evidência diz que rodízio não funciona para poluição, mas não para trânsito. Na verdade, para que não houvesse efeito sobre trânsito, todos os motoristas teriam que comprar um segundo carro, o que não ocorre.

      Alterei a redação. Obrigado.

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  2. "Por exemplo, em São Paulo, já tem gente falando em estender a restrição para dois dias da semana (ou seja, cada carro não poderia circular por dois dias, dependendo do final da placa)".

    Duas vezes por semana para o mesmo final de placa? Oba! Vem aí o rodízio móvel!! -

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    1. http://vejasp.abril.com.br/materia/ampliar-rodizio-sao-paulo

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  3. Otima discussao Mauro. Obrigado por levantar essa bola.

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  4. A princípio, acho um pouco estranho resolver a escasses de vias através de preços, como Samuel e Mauro defendem, dada a baixa qualidade do transporte público em SP. Não parece um pouco como resolver a superlotação do SUS passando a cobrar dos pacientes?

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    1. Também acho estranhas essas elucubrações, enquanto foi aprovada semana passada pelos vereadores lei pelo fim do rodizio. Isso mostra quanto a academia tem os pés fora da realidade.
      Mais ainda quando sugere mecanismos estapafúrdios como pedágio urbano e manutenção/aumento de assistencialismo. O próprio governo sabe que a sendo a tributação elevadíssima no país, não há solução sem passar pela melhora da qualidade do gasto público.

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    2. A lei foi vetada pelo honorável prefeito.

      Por que vc nao sugere algo melhor do que o pedágio ao invés de ficar cheio de recalque? O que seria do mundo sem a academia hein, gênio? Vc estaria escrevendo esse comentário de um ábaco, e provavelmente nem vivo estaria...

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    3. Eu ia dizer algo nesse sentido tbm. Cobrar tarifa se não há um substituto deixa todos em pior situação. Normalmente, voce aumenta o preço de algo pro cara ir pra outro. Neste caso, a substituibilidade é extremamente baixa.

      A implantação de um programa assim talvez tivesse sentido se viesse com o argumento de que a receita do imposto servirá base para investimentos no transporte ou coisas nesse sentido. Ainda sim, é algo meio controverso.

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    4. Caros,

      Boa discussão!

      Saúde tem uma baita de uma externalidade positiva. Faz sentido subsidiar. Já no trânsito a externalidade é negativa (poluição). Faz sentido taxar.

      O rodízio já é um imposto, que as pessoas pagam com tempo. E, como a evidência mostra, tem jeito de escapar comprando outro carro. Com o pedágio, pelo menos o estado arrecada alguma coisa. E não tem como as pessoas arbitrarem adquirindo um veículo adicional.

      E acho que isso não tem a ver com substitutibilidade, pois as pessoas já estão arcando com o custo do trânsito. Com o pedágio, vc transforma isso em dinheiro, que pode ser investido em outras coisas.

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    5. Este debate pedágio urbano versus rodízio está muito mal encaminhado. Afinal o que se quer promover com este debate? É a redução da poluição ou é a melhoria da mobilidade (ou ambas). Não importa, pois nenhuma destas duas medidas trará benefícios significativos para a redução da poluição atmosférica na cidade de São Paulo nem, tampouco, para a melhoria da mobilidade.
      O rodízio não reduz a poluição pelas razões que o autor do post já citou. Quem se interessa pelo tema tem que entender que é a tecnologia e não a economia que reduzirá a poluição atmosférica nos grandes centros urbanos. Vou mencionar apenas alguns dados mas os outros seguem mais ou menos o mesmo padrão: antes de 1980 a taxa de emissão de monóxido de carbono (CO) era, na média da frota, de 54g/km. Em 2000 os produtores dos novos veículos já haviam baixado esta taxa para 0,74g/km. A taxa de emissão dos hidrocarbonetos (HC) que era de 4,70g/km baixou para 0,14g/km e a dos óxidos de nitrogênio (NOx) de 1,20g/km para 023g/km. Segundo técnicos da CETESB encarregados do monitoramento das emissões veiculares, pode-se derivar a conclusão de que na margem os níveis de emissão dos veículos leves não se constituem mais um problema. O problema é que a frota brasileira é muito velha e, por isso mesmo, na média, muito poluente, isto é, se fosse possível substitui-la instantaneamente por veículos novos as emissões veiculares no Brasil deixariam de ser um problema. Assim, se quisermos introduzir uma componente econômica na solução do problema da poluição veicular, o melhor seria criar mecanismos de financiamento para renovação rápida da frota. Esqueçam o rodízio, principalmente o de dois dias para cada placa. O número 10 (número de finais de placas) dividido por 4 não resulta em número inteiro!!!Simples assim.
      O pedágio urbano não melhora a mobilidade porque, como também citou o autor do post, os condutores dos veículos buscarão rotas alternativas. Eu não sei qual é a dificuldade de alguns em reconhecer que o transporte público não É SUSCEDÂNEO PERFEITO para o transporte individual, daí buscarem rotas alternativas e, o que é o pior, provocarão maiores congestionamentos e, portanto, na média poluição maior. Ainda que não busquem, o fato é que a elasticidade preço da mobilidade é seguramente inferior à unidade. Mesmo com a introdução do pedágio urbano poucos deixariam de usar seus veículos mesmo tendo que pagar o preço. Seria só mais um imposto sem nenhuma garantia que os recursos fossem destinados à melhorias na mobilidade. Já vimos este filme antes não vimos??Alguém aí se lembra da exposição de motivos que justificaram a aprovação do IPVA?
      Engraçado que neste debate muitos dizem que a solução da mobilidade é o metro e muito poucos falam que a solução passa necessariamente pela expansão da oferta de malha viária. Londres, geralmente tomada como exemplo de acerto na introdução do pedágio urbano (“congestion charge”) tem, grosso modo, 5 milhões de habitantes e 500km de metro, mas não tem o que São Paulo tem: a possibilidade de expandir a malha viária urbana. Isto por uma simples e boa razão: LONDRES É UMA CIDADE TOMBADA, não é permitido expandir, daí a busca de outras soluções. São Paulo tem 10 milhões de habitantes e 60km de metro. Levou 40 anos para construir. Neste diapasão levaremos 600 anos para nos igualarmos à Londres. Algum dia chegaremos lá, mas enquanto isso vamos parar de sugerir medidas paliativas, ou então, que se proíba o aumento da frota circulante na cidade de São Paulo....

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    6. Anônimo10 de junho de 2014 15:34
      - Qlqer um que acesse esse blog sabe que o prefeito vetou.
      -A academia é o grande progresso do mundo mesmo... NASA, FMI, USFDA, Google Cisco, Rand, .... tudo isso é academia? universidade?
      Nem sei porque estou perdendo tempo responder argumento tão fraco...

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    7. Concordo com o Degauss. Mais do que Londres ser tombada, ela se expandiu há muito mais tempo que São Paulo. 150 anos atrás, quando começou o metrô, Londres já era bastante populosa e extensa. O fato mais relevante é que naquela época não havia carros. Já São Paulo passou a se expandir concomitantemente a introdução do automóvel. Resultado: Londres tem ruas estreitas de mão duplas, São Paulo avenidas largas de mão única. O pedágio deu certo em Londres, como foi notado, porque era a única alternativa viável e porque era necessário apenas um ajuste na margem. Como a maioria das pessoas já utilizava o transporte coletivo (ônibus, metrô) e poucos utilizavam carros, foi politicamente possível aprovar o pedágio e o efeito sobre o transporte coletivo marginal.

      Em relação ao rodízio, acho que os efeitos negativos são claros. Mas gostaria apenas de notar que em Bogotá o "pico y placa" é dividido em par ou ímpar. Metade da frota roda num dia, metade no outro. E há um dia no ano em que a circulação de carros é proibida em toda a cidade.

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  5. Sim, parece. Mas e daí? Qual a estranheza que tem em resolver desequilíbrio entre oferta e demanda via preço?

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    1. Demanda pelo SUS > Oferta do SUS => filas enormes.

      Solução do economista undergrad de cartilha: começa a cobrar pelo atendimento!

      Genial.

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  6. E um prefeito para sancionar o pedágio urbano? Supondo o valor sugerido de R$ 10,00, seriam 252 d.u. - 22 d.u. (férias) = R$ 2.300,00 somados ao custo anual de manutenção do carro. Claramente causa o efeito de coibir o uso do automóvel, principalmente para a classe média/média-baixa, mas a um custo político altíssimo.

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  7. Não teremos metrô como a cidade do México no curto prazo, por isso, temos que pensar em uma solução de curto de prazo. Mauro, que tal implantar o pedágio sem abrir mão do rodízio?

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  8. Solução difícil.Sou favorável ao pedágio urbano e vincular esse recurso,por lei à expansão do metrô pesado,convencional, que é o mais caro de fazer. Investir esses recursos em corredores de ônibus não seria adequado,pois ele é mais barato e a prefeitura tem condições de fazer.Na medida em que fosse aumentada a oferta de transporte público(metrô,trens e corredores),poderia fazer um rodízio mais radical,o inverso do atual.Ou seja, na segunda ,só circulariam os carros com finais 1 e 2, na terça ,3 e 4 etc...Ou até poderia ser mais radical,impondo que os carros só circulassem a cada 10 dias úteis( 2 semanas). Na primeira segunda do mês só circulariam os carros com final 1, na terça 2, quarta 3, etc...Nessas duas soluções, o custo ficaria muito alto para comprar e manter muitos carros.

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