Um parecer da CAPES está causando certo frisson na área de humanidades. Um projeto solicitando quase meio milhão de reais ao conselho foi rejeitado sob o argumento de que o trabalho proposto está fundamentado no "método dialético-materialista histórico" que não teria qualquer mérito científico. Veja um resumo do acontecimento em matéria do Conselho de Serviço Social do RJ:
O parecer negativo da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) ao projeto “Crise do capital e fundo público: implicações para o trabalho, os direitos e as políticas sociais” faz vir à tona uma questão crucial para as ciências humanas no Brasil. Não pela recusa em si, mas principalmente pela justificativa utilizada pelo parecerista responsável. Nele está escrito que o projeto não tem mérito técnico-científico porque é fundamentado no método dialético-materialista histórico, e este, segundo tal parecerista, não é científico. E, partindo dessa premissa, todos os demais quesitos foram desqualificados.
Qual o método científico?
Já tive a oportunidade de conhecer um pouco, em curso de pós, sobre metodologia da ciência. É um tópico com uma literatura volumosa, que pode até sugerir que existe muita controvérsia sobre o que seria o método científico. Mas não há. O método científico se resume mais ou menos ao seguinte:
(3) Use dados -- experimentais ou não -- para checar se o que se observa no mundo "obedece" o que sua hipótese, se correta, prevê acontecer.
Se bem lembro, Popper criticou duramente o método materialista-dialético, chamando-o inclusive de pseudociência, não por sua incapacidade em criar teorias sobre o mundo e estabelecer suas implicações. Mas por seu desinteresse em testar, com dados, suas teorias.
Pouco importa portanto quem criou e endossou o tal método dialético-materialista. Se não segue diligentemente (1), (2) e (3), há que se reconhecer que a CAPES tem boas razões para decidir pela rejeição do projeto. Há de se reconhecer também que foi, por parte da CAPES, uma decisão de grande "sabedoria econômica" focar os recursos no financiamento de projetos de pesquisa nas áreas de ciência e engenharia.
Cut the money for pseudoscience, marxist or not
Está mesmo mais do que na hora das agências de financiamento serem mais rigorosas na concessão de recursos para os projetos das áreas de humanidades. Olhando os artigos publicados nas revistas nacionais de primeira linha (A1) da área (e.g. "Educação e Sociedade", "Revista Brasileira de Ciências Sociais", "Lua Nova"), chega a ser chocante o parco número de trabalhos que contemplem os itens 1, 2 e 3 acima. Na maioria dos casos, são discussões "sob uma perspectiva histórica" e enfadonhas revisões bibliográficas quase que invariavelmente em torno de um enfoque marxista. Há um completo desprezo em testar as visões de mundo que se propagam nesses trabalhos.
Não é surpreendente pois que a economia -- que graças aos avanços em tecnologia e a maior disponibilidade de dados, é hoje uma área enormemente disciplinada pelos dados -- venha paulatinamente "colonizando" essas áreas, tamanha é a carência de análises mais "científicas" (i.e. que seguem 1-3) que ensinem uma ou duas coisas sobre os objetos de estudo dessas áreas. Respostas a questões relevantes na área de educação, como, por exemplo, qual o efeito do tamanho de uma sala de aula e de esquemas de bonificação de professores na performance dos estudantes, têm sido dadas (não exclusivamente claro) nas páginas das revistas de economia, e não nas melhores revistas nacionais de educação como alguém esperaria.
Árvores versus floresta
Cut the money for pseudoscience, marxist or not
Está mesmo mais do que na hora das agências de financiamento serem mais rigorosas na concessão de recursos para os projetos das áreas de humanidades. Olhando os artigos publicados nas revistas nacionais de primeira linha (A1) da área (e.g. "Educação e Sociedade", "Revista Brasileira de Ciências Sociais", "Lua Nova"), chega a ser chocante o parco número de trabalhos que contemplem os itens 1, 2 e 3 acima. Na maioria dos casos, são discussões "sob uma perspectiva histórica" e enfadonhas revisões bibliográficas quase que invariavelmente em torno de um enfoque marxista. Há um completo desprezo em testar as visões de mundo que se propagam nesses trabalhos.
Não é surpreendente pois que a economia -- que graças aos avanços em tecnologia e a maior disponibilidade de dados, é hoje uma área enormemente disciplinada pelos dados -- venha paulatinamente "colonizando" essas áreas, tamanha é a carência de análises mais "científicas" (i.e. que seguem 1-3) que ensinem uma ou duas coisas sobre os objetos de estudo dessas áreas. Respostas a questões relevantes na área de educação, como, por exemplo, qual o efeito do tamanho de uma sala de aula e de esquemas de bonificação de professores na performance dos estudantes, têm sido dadas (não exclusivamente claro) nas páginas das revistas de economia, e não nas melhores revistas nacionais de educação como alguém esperaria.
Árvores versus floresta
Para ser justo com os postulantes do projeto rejeitado, vale reconhecer que é possível que um campo de estudo siga o método científico sem que cada projeto individual de pesquisa necessariamente se ocupe dos três elementos mencionados acima. Essa seria, me parece, a melhor linha de defesa. Mas infelizmente o pessoal da área escolheu gritar chavões e tentar reverter a decisão no grito, falando em autoritarismo e em tentativas de estabelecer o "pensamento único".
Tem como saber quais os professores envolvidos no projeto?
ResponderExcluirAcho que a Capes errou, deveriam ser aceitos também projetos de astrologia e teologia
ResponderExcluirFeynman tem algo a dizer sobre isso: https://www.youtube.com/watch?v=OL6-x0modwY
ResponderExcluirAteção especial pro seguinte: "[...]If it disagrees with experiment, it's wrong. And that simple statement, is the key to science. It doesn't make a difference how beautiful your guess is, it doesn't make a difference how smart you are who made the guess, or what his name is, if it disagrees with experiment...wrong! That's all there is to it."
O problema é que em Economia ninguém falseia hipóteses com a maior seriedade do mundo. O que existe é um festival de dados cozidos para se ajustarem à teoria pré-estabelecida. Que eu saiba rejeitar uma hipótese também é ciência, mas ninguém tem a honestidade intelectual de fazê-lo, principalmente quando a hipótese foi inventada pelo próprio pesquisador.
ResponderExcluirEntão, consequentemente, não deveria se destinar recursos às áreas de pesquisa em Filosofia, Literatura, muitas áreas da Psicologia, etc. E isso só nas Humanidades, pois até a Matemática não se enquadra no seu "método científico". Todas essas áreas são "não-científicas" e, portanto não merecem recursos para pesquisa, é isso?
ResponderExcluirSinceramente, parece que você não pensou muito bem nas consequências da sua afirmação.
Falei de maior escrutínio dos projetos da área de humanidades. Matemática é uma área cinzenta. Seu principal objeto de pesquisa são verdades necessárias para a correção de certas cadeias de raciocínios. Os caras precisam de provas, e não de evidência empírica. As linhas de financiamento à pesquisa das agências brasileiras (CAPES, CNPq, FAPESP etc) não remuneram pesquisadores, logo não sei que tipo de projeto nesse tipo de matemática seria elegível a financiamento. Dito isto, tem a área de matemática aplicada, cujos projetos demandam recursos físicos e frequentemente seguem os pontos 1-3 que mencionei acima. Sobre literatura e filosofia, vale, a meu ver, o que eu disse sobre matemática teórica. De qualquer forma, a ideia é priorizar projetos de áreas que usam 1-3, e não financiar unicamente esses. ("Cut the money" != traga a 0).
ExcluirAo anônimo de 3:49
ResponderExcluirDado que Filosofia engloba tudo, o método científico seria um subconjunto da Filosofia. Matemática é lógica pura, e sua utilidade é justamente poder ser usada como ferramenta.
Dito isso, o método científico pode ser aplicado tanto à literatura quanto à psicologia. Uma teoria psicológica só é válida se explicar o comportamento humano.
De resto, o autor foi na mosca sobre a importância do método científico, e sobre as pseudociências. Um exemplo claro é, no extremo oposto do espectro ideológico, a Escola Austríaca. Os primeiros economistas desta escola foram brilhantes no passo 1. Criaram excelentes teorias, como a dos ciclos econômicos. De fato, é algo interessante pensar um afrouxamento monetário como causador de maus investimentos (como no caso da bolha recente). Só que o desprezo pelos passos 2 e 3 fizeram com que eles estagnassem. Hoje, os sites de "economia austríaca" são espaços onde se desenvolvem devaneios anarquistas e há muito pouca ciência. O texto desse link exemplifica bem o caso... http://www.institutoliberal.org.br/blog/sobre-escola-austriaca-e-metodologia-economica/
Verdade essa parte da Escola Austríaca. Tanto que o IMB está lançando uma revista científica para divulgar os poucos estudos que existem na área e para estimular a produção de mais.
ExcluirO maior problema dos economistas dessa linhagem é praticamente desprezar a matemática, igual marxistas fazem diversas vezes.
Um dos únicos que fugiram dessa regra foi o prof. Roger W. Garrison, mas seu estudo ficou praticamente parado no tempo.