A presidente Dilma anda batendo na madeira e fazendo figa para que tudo dê certo durante a Copa do Mundo. Fez isso quando, ao lado de Cafu, recebeu a taça da Fifa das mãos de Joseph Blatter (aqui). Repetiu o gesto em entrevista à TV Bandeirantes (aqui). Com tantos fios desencapados rondando o evento, faz bem a presidente em bater na madeira e fazer figa, porque é importante para a sua reeleição que a Copa corra bem, fora do campo, mas, estou ficando convencido, também dentro do campo.
É um sinal de anormalidade. Não deveria ser assim. Normal seria se Copa e eleição fossem eventos desconexos. Pensar que as desventuras dos jogadores brasileiros durante as próximas quatro semanas (toc, toc, toc) possam influenciar a decisão de voto dos brasileiros é o supra sumo da anomalia. Mas o brasileiro anda tão mal humorado, tão ensimesmado com a Copa e o clima social está tão agitado que não é absurdo pensar que o desempenho do Brasil em campo poderá ajudar ou atrapalhar o destino da presidente Dilma.
Estamos vivendo tempos estranhos e é provável que esse clima se estenderá até a eleição, talvez com um interregno durante a Copa (toc, toc, toc). Uma situação diversa da desenhada por Cezar Zucco em artigo publicado no Valor (aqui). Para quem não conhece, Zucco é um dos principais nomes da nova geração de cientistas políticos brasileiros. Andou por universidades importantes nos EUA, como aluno e professor. Hoje está na FGV-Rio. Produz bastante, papers que combinam assuntos interessantes, boas discussões teóricas e testes empíricos tecnicamente sofisticados.
No artigo do Valor, Zucco usa justamente um modelo empírico para concluir que Dilma é franca favorita. O modelo, bastante parcimonioso, combina preços de commodities à taxa de juros americano para criar um índice de que ele batizou de “bons ventos econômicos”. Esta é a variável independente que explica a aprovação ao governo, a qual, por sua vez, determina as chances de sucesso da candidatura incumbente. Segundo Zucco, a aprovação de Dilma está abaixo do previsto pelo modelo. Com base no modelo, ele aposta que, apesar da conjuntura desfavorável, fatores estruturais se imporão de modo que, daqui até a eleição, a aprovação do governo, hoje um pouco aquém de 35%, chegará a 45%, nível suficiente para garantir a reeleição de Dilma. Esse é principal ponto do artigo: a subordinação dos aspectos conjunturais aos estruturais.
Em condições normais, Zucco estaria certo. Mas será que a eleição presidencial deste ano ocorrerá em condições normais? Será que a avaliação do governo está seguindo seu padrão histórico detectado pelo modelo? Talvez não. E nem é preciso usar estatística sofisticada para levantar essa hipótese. Basta olhar o gráfico da avaliação positiva do governo para perceber que as manifestações de junho passado provocaram uma quebra abrupta da série (despencou de 65% para 30% em um mês) impossível de explicar por intermédio de modelos estatísticos de tipo série de tempo. Qualquer modelo, pois todos têm a normalidade do passado como guia. E se o passado perdeu capacidade de explicar o presente e, mais ainda, de prever o futuro, a conjuntura se sobressai, não sendo desprezível a possibilidade de se sobrepor à estrutura.
Além disso, esse clima de estranheza, de mal estar, de incerteza quanto ao futuro, está contribuindo para enfraquecer – mas certamente não para extinguir – a influência do cenário econômico externo sobre o doméstico. A queda da confiança do empresariado e do consumidor, por exemplo, a qual foi contaminada, por assim dizer, por esse clima estranho, parece ter, no mínimo, contribuído para o recente esfriamento da economia, ilustrado por números divulgados nas últimas semanas.
Se é assim, se estamos em um momento no qual, usando uma expressão bem a gosto dos políticos do passado, vaca está estranhando bezerro, é mesmo hora de Dilma bater na madeira e torcer como nunca pela seleção. Toc, toc, toc, que a bola vai rolar daqui a pouco.
Boa análise. É por artigos assim que esse é hoje o melhor blog sério do Brasil!
ResponderExcluirA taça poderia influenciar nosso feel-good factor
ResponderExcluirNão conheço os trabalhos de Cezar Zucco.
ResponderExcluirNo artigo do Valor está evidente a dificuldade dessas análises baseadas em modelos: os sujeitos políticos (eleitores) aos quais elas se referem tendem a se comportar como átomos rebeldes às boas totalizações estruturais.
Modelos podem conferir a essas narrativas uma espécie de conforto ("antídoto") à contingência, ao que é imponderável. Modelos podem ser uma das várias tentativas de contar uma história, dando-lhe começo, meio, fim. O problema surge quando os “rigorosos” esquecem que o discurso deles (o modelo) é carregados de metáforas e constroem o sistema explicativo em imaginárias bases unívocas (os determinantes estruturais) .
" Em condições normais, Zucco estaria certo." Esse é o nó do modelo, pois o que foge à normalidade proposta pelo modelo é classificado como anormalidade. O normal, de acordo com Zucco, seria que os sujeitos sociais estivessem conectados aos "determinantes estruturais históricos". A desconexão dos sujeitos sociais com os determinantes da dimensão estrutural, (a que "puxa os cordões" que movem os sujeitos), é caracterizada como o estado de anomia das massas, o qual, por sua vez, é prova do estado da anormalidade.
Dado que os átomos sociais não são "domesticáveis" pelas estruturas e, portanto, tendem a comportar-se de modo "irracional", o agente da narrativa abre um parêntesis antecipatório para "explicar" a possibilidade de mau comportamento das massas, e enuncia em estilo Zora Yonara (*) que
"Apesar da minha ênfase em determinantes estruturais, é evidente que a conjuntura pode não colaborar. Porém, exceto por um cataclisma político da dimensão de um apagão elétrico, uma maioria esmagadora das pequenas e médias incógnitas conhecidas ou desconhecidas a serem realizadas entre agora e outubro teriam que desfavorecer o governo. Isso pode até acontecer, mas a probabilidade de tal conjunção é baixa." (Zucco)
A "conjunção dos planetas" ("determinantes estruturais históricos") sugere que a probabilidade da reeleição não se efetivar é baixa. No entanto, " cataclisma político" e " pequenas e médias incógnitas conhecidas ou desconhecidas" podem " desfavorecer o governo".
Com todo respeito, isso é metafísica ruim.
(*)http://pt.wikipedia.org/wiki/Zora_Yonara
Epa!!!. Também não vamos jogar fora a água, o bebê e o patinho de borracha. Modelos formais e estatísticos são muito úteis. Ajudam a entender a realidade e a testar hipóteses empiricamente. Mas, claro, são falíveis. Especialmente quando se deparam com realidades que estão em transição, como pode ser o caso da situação social e política brasileira neste ano eleitoral.
ExcluirCaro
ExcluirModelos são ferramentas de análise muito importantes. Não sou economista e sei que os modelos nesse campo do conhecimento são fundamentais.
O que é crítico no artigo é a suposição de que análises de conjuntura seriam menos científicas e nada mais do que "um esporte nacional". A assertiva de que "há evidências, no entanto, de que talvez a conjuntura não seja tão relevante quanto tendemos a crer", mesmo que retoricamente suavizada pelo "talvez", não é demonstrada. O que segue no artigo é a especulação (a metafísica) a respeito do primado científico do discurso sobre o social que se afasta do conjuntural.
É curiosa a condição estabelecida pelo autor do artigo para a cientificidade da análise: "apesar da minha ênfase em determinantes estruturais, é evidente que a conjuntura pode não colaborar."
Há uma flagrante contradição lógica no artigo. Parte-se do pressuposto do primado da cientificidade (em oposição ao "achismo" das análises de conjuntura) dos "determinantes estruturais" e conclui-se que esse foco analítico mais científico é verdadeiro, mas sob a condição de que conjuntura não interfira.
Ocorre que o que conhecemos por conjuntura é constitutivo da realidade política unida às eleições. O que não sabemos e não temos como prever é o comportamento dos átomos rebeldes que criam, produzem, a conjuntura. Uma metáfora interessante para isso é a tecelagem. O social é trama instável de relações. Essa tessitura se esgarça e é refeita. Pode-se sim encontrar correlações no exame desse processo de esgarçamento e refazimento. O que me parece meio improvável é que se possa derivar dessas correlações as causalidades. Enfim, "limpar" a análise descartando a variável "conjuntura" é temerário.
Não há modelo matemático crível que dê conta de explicar a contingência, o imponderável, que é, por excelência, o terreno da história. Para o conhecimento desses fenômenos o que temos é somente a possibilidade de construção de narrativas, que podem ser imaginárias , verdadeiras, verossímeis.
Modelos são úteis para, por exemplo, mostrar correlação e relação de causalidade entre investimento em educação e crescimento ou desenvolvimento econômico. Mas não para dizer quem tem menos ou mais probabilidade de ganhar eleição porque favorecido por uma suposta prevalência de" determinantes estruturais históricos".