“A ideologia está profundamente enraizada dentro do alto escalão”, disse Flavia Cattan-Naslausky do Royal Bank of Scotland (Estadão 07/01/2013) como corolário de uma análise pessimista a respeito do governo Dilma. É uma crítica frequente ao atual governo, especialmente comum entre profissionais ligados ao mercado financeiro.
O contraponto positivo a Dilma é o pragmatismo de Lula. Mas ninguém do mercado reclamava que havia excesso de ideologia no governo FHC quando ele levou adiante sua agenda de reformas pró-mercado – ou, para seus detratores, neoliberais. O problema real, portanto, não é que o governo Dilma está impregnado de ideologia. É que sua cartilha ideológica não é a do mercado financeiro. Se é para ter uma ideologia “errada”, melhor ser pragmático como Lula.
Ainda sobre pragmatismo e ideologia, é sempre um desafio para políticos e governantes encontrar a combinação adequada entre essas duas balizas para a ação e tomada de decisões. Os melhores políticos carregam alguma ideologia, alguma visão de mundo que orienta seu comportamento. Porém, sabem ser pragmáticos quando necessário.
Uma amostra do dilema aparece no filme chileno “No”. Ele trata do envolvimento de um jovem publicitário – René Saavedra, interpretado por Gael Garcia Bernal – na campanha do plebiscito de 1988 que definiu se Pinochet continuaria ou não no poder. O publicitário, cujo pai fora ligado ao partido comunista, foi convidado a assessorar a oposição chilena. Na primeira reunião exibiram para ele o primeiro esboço do filme publicitário elaborado pela velha guarda dos partidos socialista e comunista. O filme era soturno e dramático. Mostrava cenas em preto e branco da repressão conduzida pelos militares e fazia a denúncia das violências perpetradas pela ditadura de Pinochet.
René detestou. Ele dispunha de pesquisas segundo as quais a maioria dos chilenos favoráveis à saída de Pinochet temia votar contra o regime. Mostrar a violência da ditadura somente exacerbaria esse receio, percebeu o publicitário. Apresentou então filmes leves e alegres nos quais a opção a favor do “não” aparecia como algo moderno e jovem. Parecia propaganda de Coca-Cola. Alguns políticos não gostaram. Reclamaram que carecia de ideologia e mensagem política. Vocês querem ganhar o plebiscito ou firmar uma posição ideológica? Questionou o publicitário. A maioria, pragmaticamente, optou pela primeira opção. E o “no” venceu o plebiscito.
Mas quem disse que as reformas do FHC não foram pragmáticas ?
ResponderExcluirAchei mal posto também, mas entendi que a ideia foi apenas mostrar que o mercado não é imune a ideologias.
ExcluirSem dúvida, houve muito de pragmatismo, amparado contudo por uma visão de mundo (ou, melhor, do Brasil) segundo a qual era preciso reformar o Estado brasileiro para adequá-lo às exigências do capitalismo globalizado. Deu certo. Tirou o país do atoleiro e pavimentou o caminho para alguns anos de crescimento mais acelerado. É uma visão que, a meu ver, FHC foi construindo aos poucos desde os tempos de academia, especialmente após seu trabalho de livre docência ("Empresário industrial e desenvolvimento econômico no. Brasil") germe da Teoria da Dependência, posteriormente desenvolvida por ele e Enzo Faletto. Lula, pragmaticamente, surfou no impulso criado pelas reformas ditas neoliberais.
ExcluirÓtimo post!
ResponderExcluirQual é a ideologia de tentar algo que certamente vai dar errado? Qual é a ideologia que fez o FHC vender a Telebrás? Qual é a ideologia da inflação alta? Se o governo fosse dono de uma sapataria, vendê-la seria neo-liberalismo?
ResponderExcluirPró-mercado é tomar medidas horizontais, a política odeia fazer coisas sem beneficiário.
Me parece que temos que ouvir os que acham que a lei da gravidade é arbitrária e contra os movimentos sociais. Mas é óbvio que falo tudo isso com uma boa porção de ideologia.
Dantas
"O problema real (...) é que sua cartilha ideológica não é a do mercado financeiro"
ResponderExcluirpfff!
já foi melhor esse blog....