terça-feira, 17 de setembro de 2013

Mistérios do capitalismo brasileiro

Faz uns dois meses que estive no campus de uma das maiores universidades do Brasil. Chegou o fim do dia. Quis almoçar. O lugar que me mostraram como opção, próximo a reitoria, não era nada convidativo. Não que eu estivesse cético quanto ao sabor do que me esperava ali. Parecia comida de mãe.
E comida de mãe, mesmo das mães que cozinham bulhufas (não a minha, claro), nunca falha em entregar algo confortável ao estômago. Mas o lugar não parecia muito higiênico. Havia moscas. Várias. E todas davam rasantes sobre a comida, talvez até despejando algo no trajeto que meus olhos eram incapazes de ver. Vai saber. Desisti.

Andei o que parecia uma légua em busca de outro lugar. O novo lugar era quase tão tosco quanto o anterior. "Fâ-ki-t", eu disse. A fome era severa. Comi. Ao fim, pedi proteção de Oxum e Netuno e fui embora.

Refletindo depois sobre o ocorrido e experiências parecidas em outras universidades, pensei: por que a exploração comercial dos campi universitários no Brasil é tão tímida? Há poucos serviços e o pouco que existe é invariavelmente explorado de forma amadora.

A situação é, a meu ver, um tanto intrigante. Os campi de muitas universidades são verdadeiras cidades. Nas 20 maiores universidades brasileiras, devem circular semanalmente pelo campus de qualquer uma delas mais de 15 mil pessoas entre alunos, técnicos e professores. Isso é mais gente do que tem cerca de metade dos municípios brasileiros. E estamos falando aí de uma população com um razoável poder de compra.

Os benefícios para a universidade de uma exploração comercial menos envergonhada, diretamente ou não, são óbvios: alguns milhares de reais de receita de capital para investir em instalações, equipamentos, financiamento de pesquisa e até mesmo em programas de incentivos à publicação. Esse tipo de receita é particularmente importante no contexto atual onde frações crescentes dos orçamentos das universidades estão comprometidas com algum tipo de gasto corrente. Talvez, fosse algo de pouca monta, relativamente pequeno no orçamento. Mas every little helps!

Por que então os "homens de negócio" e administradores dos campi Brasil afora parecem tão desinteressados ou alheios às oportunidades de negócio que o espaço parece oferecer?

Tenho três hipóteses:

1. Captura regulatória: 


As instâncias administrativas da universidade, com incumbência legal de regular o uso comercial do espaço, simplesmente atuam em favor dos grupos que deveriam regular (incumbentes) e de si mesmos. Tudo isso em detrimento de uma quantidade de agentes que é numerosa mas que oferece suporte difuso para medidas que realinhem a ação de quem regula esses espaços com os interesses da comunidade - que é, obviamente, por maior variedade de serviços. 


2. Cultura “Anti-Business”:


Não é nenhuma novidade: as universidades e o setor público em geral estão cheios de esquerdinhas de todo naipe. Gente que acredita que o lucro é a raiz de todo o mal. Gente que acha que almoçar em um lugar que pareça boteco de beira de estrada é cool. Gente que acredita naquelas baboseiras marxistas de que o lucro de alguém só pode ser fruto da exploração de outrem (o Marx, aliás, nunca entendeu que a mais-valia era tão somente o prêmio de risco do sujeito que organizava a produção, afinal de contas, things could go wrong).

Impedir que algo remotamente parecido com uma empresa lucrativa e de porte se estabeleça no campus é praticamente um corolário lógico dessa mentalidade. Pior que que essa visão não é exclusividade de estudantes, gente cuja idade serve de circunstância atenuante - afinal, quem não foi comunista por pelo menos um semestre na vida? Há "comunistas de boutique" entre todas as faixas de idade e classes funcionais dentro da universidade. Não são muitos; e em geral estão concentrados nas humanidades, é verdade. Mas esse pessoal tende a estar sobre-representado nas instâncias de decisão das universidades, onde essa mentalidade pode ser responsável pela variedade modesta e/ou provisão amadora de serviços existentes no campus de virtualmente qualquer uma delas.


3. Barreiras (burocráticas) à entrada: 


Pode ser que o real motivo da precariedade dos serviços dentro das universidades seja outro: a burocracia edificada em torno das concessões do espaço para fins comerciais. A despeito (a) da má vontade do regulador e (b) da hostilidade de parte da comunidade acadêmica aos "capitalistas", pode ser que os requisitos burocráticos para participar desses pregões e certames licitatórios sejam tão custosos que somente serviços de baixa qualidade sejam economicamente viáveis. Duvido. Há sabidamente custos de transação e incertezas de toda sorte em lidar com o setor público. Mas estamos falando praticamente de direitos de monopólio - o sonho de qualquer empresa - sendo concessionados sem que nínguem muito profissional demonstre interesse. Mas vai saber. Como dizem, "bureaucracy kills!".  




3 comentários:

  1. Estás esquecendo a ociosidade do business: três meses por ano. Mais as greves !

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    1. Isso é uma peculiaridade que merece ser mencionada. Mas duvido que explique muito.

      Afinal, os preços praticados deveriam levar isso em conta, sobretudo porque são empreendedores amadores os que hoje "rodam" esses negócios. Esse pessoal quase certamente não possui fonte alternativa de renda para os meses de recesso. Se erram a mão no preço, não conseguem gerar um padrão médio de receita ao longo do ano suficiente para remunerar todos os fatoes envolvidos.

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