quarta-feira, 19 de março de 2014

Câmbio e crescimento

Resolvi dar também meus pitacos na controvérsia Oreiro-Ferreira/Fragelli. Oreiro diz que há farta evidência conectando câmbio depreciado com crescimento. Ferreira e Fragelli afirmam que a evidência é frágil. Não vou comentar nada sobre resultados empíricos aqui. Minha questão é meramente teórica. Em regimes de câmbio administrado, a taxa de câmbio é mantida via políticas que afetam o mercado de moeda externa (política monetária ou fiscal, por exemplo). O efeito captado pelos estudos empíricos não deveria então ser atribuído as essas políticas?

O jeito que eu entendo o argumento pró-câmbio depreciado é o seguinte: há algo especial na indústria (tipo retornos crescentes, efeitos de aprendizado). Uma depreciação no câmbio protege a indústria doméstica da competição externa, ao tornar o produto externo mais caro para os locais. E estimula exportações, pois o produto doméstico fica mais barato para os estrangeiros. Tudo isso faz com que o setor industrial se expanda, gerando ganhos de produtividade.

Bom, como manter o câmbio depreciado?

O mecanismo clássico (de livro-texto) se dá via política monetária. Basicamente, se o Banco Central quiser depreciar a moeda doméstica (R$), precisa expandir a oferta dessa última e trocá-la por dólares. Isso gera uma depreciação nominal do R$ e, no curto prazo, potencialmente também uma depreciação real (caso supusermos que os preços são rígidos).

Mas no longo prazo os preços domésticos sobem em função da expansão monetária e, com isso, a taxa de câmbio real volta a seu nível inicial. Note que o câmbio real é a variável relevante para a competitividade da indústria doméstica, pois ele é o preço do importado (relativamente aos bens domésticos). Como essa variável fica parada no longo prazo, a proteção à indústria não se sustenta. Como então esse mecanismo pode gerar crescimento de longo prazo?

Em suma, parece que o mecanismo via política monetária não faz sentido. Até porque, se isso fosse verdade, o Haiti poderia ultrapassar a Suíça só imprimindo moeda.

Quando Dani Rodrik (talvez o principal cara defendendo essa conexão entre câmbio e crescimento) esteve na USP há alguns anos, perguntei isso a ele. Ele sugeriu que o câmbio real poderia ser mantido em níveis depreciados utilizando política fiscal.

Aqui vejo dois mecanismos, que passam por cortes de gastos públicos. O primeiro é novamente de livro-texto: um corte de gastos aumenta a poupança do governo e, portanto, a poupança total da economia. No mercado de fundos emprestáveis, isso corresponde a uma expansão da oferta, derrubando o preço, que é a taxa de juros real. A redução dos juros reais faz com que seja menos atrativo investir no país, os gringos tiram a grana, diminuindo a demanda pela moeda doméstica e aumentando a demanda por dólar. No mercado de moeda externa, isso pressiona o preço do dólar para cima, depreciando a moeda local.

O segundo mecanismo é o seguinte: o governo tende a gastar mais em bens non-tradeable (construção, funcionalismo etc.). O corte de gastos diminui a demanda por bens domésticos, reduzindo assim seus preços. Esse movimento leva a um aumento no preço relativo dos bens externos (relativamente aos domésticos), o que corresponde a uma depreciação real da moeda doméstica.

Isso parece fazer mais sentido. Nesse caso, variáveis reais (gastos públicos) afetam variáveis reais (câmbio real). A recomendação de política para aumentar crescimento então seria: fazer ajuste fiscal?

15 comentários:

  1. Mauro, mas pelo que entendi no post do Dudu o ajuste fiscal aumentaria a poupança, o que por sua vez teria impacto positivo no crescimento.

    Uma vez que ajuste fiscal está positivamente correlacionado ao cambio real depreciado, a correlação entre o câmbio real depreciado e o crescimento seria espúria.

    De qualquer forma, o ajuste fiscal seria benéfico para o crescimento.

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  2. Celoto,
    Acho que foi o Economista X que escreveu esse post, não o Dudu. De qualquer forma, o negócio tava meio confuso. Não entendi direito.

    Procurei esse paper do Aghion e não achei (o X não se preocupou em indicar a referência, como sempre). Mas eu dei uma olhada no artigo do Rodrik no Brookings Papers (2008). Ele controla por poupança e o efeito do câmbio persiste.

    http://www.sss.ias.edu/files/pdfs/Rodrik/Research/Real-exchange-rate-and-growth.pdf

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    1. Mauro me explica como deprecia o cambio real, pq ainda n entendi como se faria para atingir isso.

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    2. Mauro o Câmbio Real não é uma proxy do grau de protecionismo?

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    3. Que legal, então desvalorização tem efeito positivo sobre crescimento mesmo controlando a poupança?

      Para mim faz sentido intuitivamente, uma vez que a produtividade da indústria tem crescido muito mais na indústria que em serviços.

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  3. Mauro,
    Obrigado pelo post.
    Tem um livro do Bhalla que trata desse assunto precisamente:
    http://www.piie.com/bhalla.cfm

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  4. No capítulo 9 deste livro do José De Gregorio pode-se ver como um corte de gastos públicos desvaloriza a taxa de câmbio real:

    http://www.degregorio.cl/pdf/Macroeconomia.pdf

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    1. nem precisa ir tão longe. tem no livro de introdução do mankiw (cap. de economia aberta).

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  5. Bom, estava falando dum modelo microfundamentado.

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    1. leia o livro do carlos vegh:

      http://www.amazon.com/Open-Economy-Macroeconomics-Developing-Countries/dp/026201890X

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    2. Conheço. Muito bom. O capítulo 4 usa um modelo com tradables-nontradables.

      Esse livro é um dos meus favoritos. Pena que seja quase tudo em tempo continuo, né?

      Também tem quase 1000 páginas. Livros desse tamanho se tornam ineficientes pois ninguém tem tempo material para ler tudo.

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    3. Mauro,
      Você foi aluno do Végh, né?
      Já ouvi que ele é muito bom professor, mesmo com esse problema na fala dele...

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  6. essa parece ser a sugestao do Delfin tambem pelo que entendo...superavit fiscal. Porem como ja li por ai, nao podemos esquecer que dependemos de importacao de bens de capital (principalmente intensivos em tecnologia) que dependendo do cambio complica os investimentos. Achar esse equilibrio todo nao é facil

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  7. Se não me engano o Samuel Pessoa teve uma conversa com o Dani Rodrik semelhante a sua e o Rodrik reconheceu que a existência de poupança pública elevada seria sim uma pré-condição para a estratégia crescimento via câmbio funcionar. Creio que o próprio Oreiro também já se manifestou neste sentido. Mas tenho um dúvida mais rasteira. Suponha que a grande desvalorização do real que já ocorreu governo Dilma leve a um crescimento da indústria, o que vamos ter: crescimento ou racionamento de energia? Caso a resposta envolva críticas a forma como foi feita a desvalorização eu reformulo a pergunta supondo agora que Dilma tivesse feito um brutal ajuste fiscal que permitisse a desvalorização do câmbio: crescimento ou racionamento? Da mesma se a reposta for que a desvalorização não foi grande o suficiente eu pergunto se o governo não tivesse recuado ano passado e o câmbio tivesse seguido se desvalorizando até os tais R$ 3,50: crescimento ou racionamento?

    Minha avaliação é que o desempenho de longo prazo da economia brasileira não pode ser explicado nem alterado por políticas macroeconômicas.

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