quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O fim dos empresários no futebol?



Na semana passada, a FIFA anunciou que proibirá uma prática muito comum no futebol brasileiro: a participação de empresários e grupos de investimento em direitos econômicos de jogadores (veja aqui). Haverá um período de mais ou menos quatro anos de adaptação. Depois disso, só clubes poderão ser donos dos direitos econômicos.

Vi muita gente comemorar a decisão. Mas acho que ela trará custos, principalmente para equipes menores.

Toda vez que um jogador é vendido, há um rateio do dinheiro entre as partes detentoras dos direitos econômicos. Daí vem aquela história de sempre: se o clube fosse dono de 100% do jogador, poderia ganhar muito mais. Isso é verdade, mas o argumento é falacioso. Há diversos outros casos de fracassos, em que clube e parceiros investem em jogadores que não dão certo, e cujo valor de revenda é bem menor do que o inicialmente investido. Nessa situação, clube e parceiros dividem o prejuízo.

O certo é que esse mecanismo permite que os riscos sejam compartilhados, trazendo benefícios para ambos. Com a nova determinação da FIFA, clubes terão que assumir todo o risco do negócio.

Há ainda outro problema: clubes podem ter restrições de liquidez, impedindo-os de contratar um jogador quando este encontra-se disponível. Parceiros podem mitigar tal problema, tornando-se donos de parte do jogador. A determinação da FIFA mata esse mecanismo, trazendo perdas aos clubes.

Note que esses dois problemas (risco e liquidez) são mais agudos em equipes menores, que têm menos acesso a outros tipos de financiamento e não podem se dar o luxo de investir em negócios muito arriscados. Ou seja, a medida da FIFA tende a beneficiar os times mais ricos, que terão menos concorrência para contratar.

Como há redução na demanda por jogadores (na medida em que alguns clubes ficam impossibilitados de contratar), dá para esperar também diminuições em salários dos atletas.

A medida pode ainda incentivar empresários e grupos de investimento a comprarem clubes, se ainda quiserem se manter no negócio do futebol. Há um esquema (usado na América do Sul) em que empresários adquirem clubes de pequena expressão só para registrar jogadores, os quais são emprestados a equipes maiores. A FIFA promete combater essa prática.

Potenciais benefícios

Há um potencial benefício para os clubes no curto prazo. Como os "shares" de empresários têm data para expirar, eles precisam vender antes disso. Consequentemente, aumentaria o poder de barganha de clubes que detêm o outro pedaço do jogador, que poderiam comprar esses "shares" a um preço mais baixo. Esse ganho vai depender do tempo médio dos contratos, em comparação ao tempo de transição para a nova regra da FIFA.

Pelo que consegui ler no site da FIFA, a medida reflete preocupações com conflitos de interesse entre clube e investidores. Por exemplo, um jogador é vital para o clube, mas os empresários preferem vendê-lo imediatamente para fazer caixa. Ou empresários forçam a escalação de um jogador no time titular, sob a ameaça de levá-lo embora. Essas preocupações são válidas. Minha pergunta é: sem os empresários, alguns clubes seriam incapazes de contratar. Não seria melhor ter o jogador em condições adversas, do que não tê-lo at all?

Outra motivação ressaltada para a medida é o ciclo vicioso de endividamento dos clubes, que seria alimentado por empresários. Mas aí acho paternalista demais a atitude da FIFA. Aqui não se trata de um setor como o financeiro, em que a falência de uma empresa gera risco sistêmico, sendo necessário colocar limites de dívida. O clube não consegue honrar seus compromissos: que decrete falência e feche as portas.

Um ganho potencial é a redução de custos de transação: na ausência de empresários, quando um clube quer contratar um jogador, precisa negociar com apenas uma pessoa, e não com uma quantidade enorme de shareholders. Mas se isso fosse verdade em geral, seria ótimo proibir que empresas tenham ações em bolsa também. Por que o futebol é diferente nessa dimensão?

Com esse gancho, pergunto: qual a diferença entre um clube fatiar contratos com empresários, e uma empresa que vende parte de seu capital em bolsa? Claro, transações em bolsa são muito mais transparentes do que negócios entre clubes de futebol e empresários. Daí vem aquele argumento: empresários são "sujos". Mas isso não seria mais uma consequência do meio obscuro do futebol, do que de fato o problema?

13 comentários:

  1. Na minha opinião, é bem contraproducente a participação na proporção de hoje de empresários no futebol Brasileiro. Não é atoa que a Lei Pelé é adjacente à falência técnica do futebol brasileiro.

    Incentivos errados : ha um maior incentivo ao empresario mandar o jogador se rebelar contra o técnico que não o põe de titular, ao jogador ser individualista, não tocar a bola e partir pra cima toda hora pra fazer um DVD, etc etc.. A lógica de mercado simplesmente não cabe no esporte coletivo, o jogador tem de pertencer ao clube.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Concordo. Mas e a minha pergunta do post: sem os empresários, alguns clubes seriam incapazes de contratar. Não seria melhor ter o jogador em condições adversas, do que não tê-lo at all?

      Excluir
    2. Eu concordaria se os empresários não tivessem fatiado os jogadores da base. Se eles só pudessem ter participação em jogadores já formados, sei la, com uns 25 anos, tudo bem.

      Eu prefiro um clube que forme seus próprios atletas sem capacidade de contratar, do que uma base infectada por esse "vírus"

      Excluir
  2. Interessante. É um conflito parecido com o de managers (empresários aqui) e shareholders (clubes aqui). Mas nem por isso acaba-se com os managers...

    ResponderExcluir
  3. Não existe a possibilidade de o empresário continuar no futebol através de uma participação acionária no(s) clube(s)? Acho que tanto o clube quanto o empresário poderiam sair ganhando.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Interessante. Aqui no Brasil não, pois os clubes não têm dono. Mas, por exemplo, na Inglaterra sim. Talvez por isso eles proibiram há muito tempo que empresários sejam donos de direitos federativos (o custo da proibição é baixo). Além disso, o mercado de crédito funciona melhor lá do que aqui, ou seja, os clubes têm acesso a outras fontes de financiamento.

      Excluir
    2. Poderiam, então, entrar como sócios dos clubes, com direito inclusive à escolha dos presidentes dos mesmos, pra conseguir garantir os seus interesses. Não sei como isso funciona (virar sócio de um time), mas consigo imaginar os clubes reformando seus estatutos pra facilitar essa entrada, desde que isso signifique um aumento de caixa.

      Excluir
    3. Não sei se funciona. Minha impressão é que cada investidor direito a um voto apenas.

      Excluir
  4. é interessante notar que a medida foi tomada depois de intenso lobby dos clubes ingleses, onde a atividade dos empresários da bola é proibida

    ResponderExcluir
  5. Meus caros,
    Só um pequeno pitaco sobre isto. Não sei como acontecerá efetivamente, mas esta medida tende a ser inóqua. Os direitos federativos dos atletas nunca pertenceram, aqui no Brasil, a empresários. Os direitos federativos são exclusivamente de associações federadas (pertencentes a sua respectiva federação). Pessoas físicas ou jurídicas não federadas não podem possuir direitos federativos. Agora, existem cláusulas contratuais que determinam o pagamento de indenizações caso o contrato seja quebrado. Estas cláusulas são chamadas de direitos econômicos. Os empresários e os clubes negociam os direitos sobre estas indenizações. Assim, se o contrato termina, os detentores destes direitos econômicos ficam com o prejuízo. Se o contrato é quebrado antes de seu término, o clube recebe esta indenização e a reparte de acordo com o contrato privado anteriormente celebrado. O empresário não tem poder algum na determinação da venda ou não do jogador. O poder é todo do clube (que tem os direitos federativos). É este que determina se vai permitir a quebra de contrato e como esta será feita (todo contrato tem cláusulas default, o jogador pode pagar a indenização definida no contrato e sair independente da aceitação do clube). Assim, o poder decisório todo é do clube. Lógico, como é um jogo repetido, os empresários acabam tendo muito poder (atitude oportunista do clube que não vende determinado jogador implicando em prejuízo ao investidor leva estes a não mais negociar com este clube especificamente). Assim, como a FIFA pode interferir neste relacionamento?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Na verdade, foi erro meu. No texto, deveria ser "direitos econômicos", e não "direitos federativos" (que de fato pertencem 100% ao clube). Vou mudar o texto. Obrigado.

      Excluir
  6. Supondo mercados completos, é só clubes e (ex-)empresários transacionarem ativos contingentes a estado que não muda nada
    Não?

    ResponderExcluir