terça-feira, 10 de setembro de 2013

O preço do sucesso pode ser a mediocridade

Dizem que o segredo do sucesso é a constância do propósito; o amor genuíno pelo que se faz. Sei lá. Sucesso é um negócio meio elusivo. Uma espécie de perfume cuja fragrância não se recria mesmo que bem conhecendo seus ingredientes. Indecifrável como seja, o fato é que a vasta maioria das pessoas aspira ao sucesso. Afinal, êxito e triunfo profissional conferem prestígio e status social.

E quem não quer mais status social? Uma olhadela mais atenta ao que se passa em nossa volta logo deixa óbvio o porquê: elevado status confere uma série de recompensas sociais. Somos tratados diferentes: com deferência, com cooperação; nos transferem autoridade e até recursos. Com tantos “prêmios” – muitos simbólicos é verdade, mas escassos, logo, valiosos – é natural que a busca por status seja uma poderosa driving force do nosso comportamento.


Escolhas conflituosas

Existem no entanto dois tipos de status social: o local e o global. O status local é dado pela posição relativa do indivíduo dentro do grupo ao qual ele pertence. Dentro da seleção brasileira de futebol, por exemplo, Neymar tem mais status do que os demais. O status global, por sua vez, é dado pela posição relativa do grupo ao qual o indivíduo pertence dentro do universo de grupos. A seleção brasileira de futebol – continuando com o exemplo — teria mais status do que a seleção do Vietnã.

Nos importamos, todavia, com ambos os tipos de status. E é aqui que as coisas se complicam: a escolha entre esses tipos de status, para a vasta maioria das pessoas, encerrará um conflito: ter mais de um implicará na aceitação de menos do outro. Por exemplo: o pior jogador do melhor time de futebol da Série A provavelmente seria um dos melhores jogadores de um time da Série C. Similarmente, o melhor jogador do melhor time da Série C provavelmente não seria sequer titular do melhor time da Série A. Ou seja: mais (menos) status local implica menos (mais) status global. E não se deixe enganar pelos exemplos futebolísticos: esse conflito está presente em outros contextos – nas escolhas ocupacionais (Assistente do JP Morgan ou Chefe do Banco Cacique?), educacionais (“limão” em Harvard ou “top dog” na FGV?) e até de moradia (40m2 em Ipanema (RJ)/Jardins (SP) ou 120m2 na Tijuca (RJ)/Butantã (SP)?). Como dizem na língua da rainha, you cannot have it both ways.


Big fish in small pond or small fish in big pond?

Ok, há um conflito. Mas a escolha deveria ser óbvia, certo? Afinal, não há dúvida de que fazer parte de um grupo formado pelo “créme de la créme” em alguma dimensão deve trazer uma série de benefícios para nós (aprendizado, conhecimento, networking etc). Pode ser. Mas aparentemente, estar entre os melhores is no free lunch. Em contextos educacionais, por exemplo, os psicólogos já documentaram ampla evidência de que estar entre os melhores pode dentar a auto-estima desses indivíduos – o que eles chamam de “big-fish-little-pond effect”(BFLPE) (ver, por exemplo, esse estudo aqui em 26 países; o tal do BFLPE foi encontrado em todos! O Brasil está incluso na amostra).

O mecanismo por trás desse efeito é simples: comparamos nossa performance com a performance dos pares e usamos essa avaliação como base para formar a avaliação que fazemos de nós mesmos. Em um grupo de altíssima performance, onde a performance média é obviamente muito alta, mesmo alguém muito bom pode se ver medíocre quando compara-se com outros. A auto-estima vai ao chão. E o “self-concept” – o que achamos de nós mesmos em vários domínios – importa; e muito: já se documentou, por exemplo, que sentir e pensar positivamente sobre si mesmo é um importante previsor da performance no trabalho, no esporte e na escola.


Teoria: O caso da “Aversão à Mediocridade”

Nem todo mundo necessariamente está disposto a fazer essas trocas entre tipos de status. É o que eu chamo de “aversão à mediocridade”. No gráfico abaixo eu ilustro esse caso.


No eixo horizontal temos o status local do sujeito, que cresce quando nos movemos para a direita. No eixo vertical temos o seu status global, que cresce quando nos movemos para cima. A reta vermelha é uma restrição de status que define as combinações máximas de status global e local que o sujeito pode ter. É uma espécie de “fronteira de possibilidades”. Sua inclinação negativa captura o conflito que existe entre o status local e global. Veja que para aumentar seu status local, o sujeito precisar aceitar fazer parte de grupos com status cada vez menor.

As curvas de indiferença representam as combinações de status local e global que deixam o sujeito igualmente satisfeito. Como mais dos dois tipos de status é preferível a menos, as curvas de indiferença "mais altas" entregam ao sujeito níveis maiores de satisfação/utilidade. Notem que a inclinação de cada uma dessas curvas não é constante ao longo dela, o que procura capturar a ideia de que as "taxas" de troca entre um tipo de status pelo outro dependem da posição em que você se encontra. Notem também que as posições de status nos segmentos da curva de indiferença na área amarela retratam uma preferência por mais status global em detrimento do status local. O inverso acontece nos segmentos das curvas na área verde (estou "abusando" do gráfico aqui, pra fins de simplicação, já que esses "tipos" precisam, a rigor, ter curvas de indiferença distintas).

Veja que em relação à posição inicial, a posição final é uma improvement nas duas dimensões de status. As curvas de indiferença desse sujeito eram tais que em seu caminho rumo ao par ótimo de status local e global (o ponto da posição final), o sujeito não fez qualquer concessão dos níveis de status local e global iniciais. What a bold guy!

Mas e daí meu bem?

Uma vez aceito que há uma relação concorrente entre status local e global, há duas perguntas naturais e importantes a serem feitas. Primeiro: como é a distribuição das preferências das pessoas sobre esses tipos de status? Elas preferem ser “big fish in small pond”, “small fish in big pond” ou simplesmente são “avessas à mediocridade”? Segundo: quais as implicações dessa distribuição na alocação, em particular, de talento/inteligência entre os grupos e, consequentemente, na distribuição das variáveis influenciadas por talento/inteligência que nos interessam (por exemplo, produtividade)? Eu e David Turchick estamos a caminho de dar respostas teóricas e empíricas à essas questões – ou assim esperamos (may the force be with us!).

Meu palpite, baseado em dados de produtividade acadêmica e salário dos professores de economia das universidades de Califórnia-Berkeley e de Califórnia-Irvine (valeu Aya!), é que há mais pessoas dispostas a trocar menos status global por mais status local do que minha intuição sugeriria. Isso pode explicar, ao menos parcialmente, o que vi: professores de Irvine (63ª posição no mundo) muito mais produtivos do que seus congêneres em Berkeley (6ª posição) e no entanto com salários menores; isto é, sem que haja uma compensação monetária que justifique estarem numa instituição em uma posição relativa consideravelmente menor.

Seja lá qual for o segredo do sucesso, uma coisa é certa: ele é construído sobre a habilidade de fazer mais do que apenas “good enough”.

18 comentários:

  1. Muito legal Sérgio.
    Acho curioso o que acontece com os estudantes da USP: no ensino médio com certeza se achavam muito inteligentes mesmo, já na USP percebem que existem muita gente igual ou melhor e na pós-graduação então ainda mais. Acho legal termos consciencia disso (perceber que temos bastante status global) porque se não a auto-estima vai lá embaixo.
    Sunshine

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  2. Esse post definitivamente é um big fish nesse blog small pond!!!

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  3. Ser o Horace Grant na Goldman Sachs ou o Jordan do Citibank?!


    The Anchor

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    1. Fiquei mal, acho que sou o "Helinho" Rubens no Franca!

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    2. Filho do 'Dono'? Not bad..


      TA

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  4. Parabens pelo post, muito bom

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  5. O Lula estaria em que ponto do gráfico?

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  6. Uma premissa da análise é que o status global se contrapõe ao local: maior o global e menor o local e vice-versa. Mas pensei em um caso em isso não ocorre: políticos no Brasil. São em geral muito ruins, ou seja, um caso em só iriam se sobressair localmente, em ajuntamentos de pessoas com características similares (os partidos). Porém, podem ter status global muito elevado, pois um deputado ou ministro tem elevado status na sociedade. Podem mesmo chegar ao máximo de status local e geral, por exemplo, ministro ou mesmo presidente da república.

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    1. O "global" é o status do grupo (dentro do universo de grupos) e não do indivíduo.

      O político de um partido pequeno (PV digamos) que ocupa um cargo de ministro de estado, certamente terá elevado status dentro do seu partido. Mas ele faz parte de um grupo (partido) que não tem elevado status no universo de partidos. Espero que tenha ficado claro agora.

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  7. Talvez seja pelo fato de o Grupo da Sardinha estar tão apertado e tenso que aceita ser liderado por alguém que possivelmente seria rejeitado por uma Baleia tão "maior", pois diante de uma ameaça pertinente de ridicularização, melhor mesmo ser "Idolatrado" por um grupo não tão bom. Relativo meu caro!

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  8. Muito interessante! Curioso para ler o próximo post sobre o tema.

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  9. Este é um argumento mais ou menos assim: "por que alguns alunos preferem a picaretagem" . Gostei. :)

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  10. Na sua analise Irvine x Berkeley eh fundamental assumir que os professores de irvine podem mudar pra berkeley nas mesmas condicoes (com tenure e sem ter que "provar" que sao bons, mesmo que vao de professors pra associate por exemplo). Alem disso, voce esta assumindo que nao existem ganhos de escala pelo tempo em que os professores passaram na mesma faculdade? Por exemplo, dar as mesmas aulas, conhecer o sistema de entrada de notas, conhecer a administracao, ter bom transito com as outras pessoas tambem antigas do departamento? Esta considerando tambem outros custos de mudanca? Casa, escola dos filhos, etc? Abraco e boa sorte.
    Economista Y

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