segunda-feira, 31 de março de 2014

Case study event quase perfeito

Num dia as pessoas achavam que a avaliação positiva da Dilma era X
Ai sai o IBOPE com uma novidade, uma surpresa: eh menor que X!!
As ações na bolsa-- na janela de um dia para o outro -- sobem bem, incluindo a Petro, e a moeda se fortalece. Nessa janela de tempo, quase todo resto está basicamente constante, é de fato uma identificação estatística quase perfeita: um choque de noticia exógeno mapeando certinho na oscilação de preço de ativos. Dá um belo paper.

domingo, 30 de março de 2014

sexta-feira, 28 de março de 2014

Fashion Economics: Mulher de roupa curta tem que ser atacada!


65% dos brasileiros declararam que mulheres que usam roupas revelando o corpo merecem ser atacadas. Esse é o resultado de uma enquete feita pelo IPEA*. O link para uma matéria cobrindo o resultado está aqui. O artigo original do IPEA pode ser encontrado aqui**. A distribuição de respostas pode ser visto na figura abaixo:




Você lê um trem desses e, supondo que o resultado é confiável***, fica pessando duas coisas:

(1) minha/sua filha (que não vestirá burkas ou indumentária do tipo) crescerá nesse tipo de ambiente; how nice to her eh?

(2) qual o mínimo de escolaridade (if any) o sujeito precisa ter para dissolver uma crença estaparfúdia , idiota e absolutamente retardada dessas?

Um amigo me disse que para os que se sentirem desesperançosos com esse tipo dado (sim, porque essas coisas se reproduzem facilmente e mesmo sob pressão de "forças externas" -- educação --, não decrescerão pra níveis desejáveis no horizonte das nossas vidas), uma possível solução pode ser encontrada clicando aqui ou mesmo aqui.
_________
* Os jornalistas insistem em geral em chamar essas enquetes de estudo/pesquisa...atenção galera das redações: pesquisa (research) != enquete (survey).
** Thanks for the link Miss Pousada!
*** (update) Há gente falando que "atacar" foi interpretado pelos entrevistados como "cantada". Sei lá. Não compartilho desse léxico. Ainda que seja esse o caso (de quantos, 30%?), a mensagem "qualitativa" da enquete permanece, a saber: que atitudes machistas ainda são prevalecente entre muitos -- o que nem devia ser surpreendente de qualquer forma. Infelizmente, parece haver "negadores" de plantão empenhados em desqualificar o survey (como se não se soubesse que as respostas a qualquer tipo de questão são mesmo frágeis e sujeitas a "framing effects". ) para negar que exista machismo. Vai entender...

O Lula vai voltar?

A Dilma caiu forte nas pesquisas.
Tá faltando água aqui em casa -- deve ser culpa dela...
A inflação que o Banco Central projeta pra esse ano está acima de 6%; em setembro ela vai perto de 6,5% acumulada em 12 meses.
Os alimentos estão encarecendo.
Fomos rebaixados pela S&P.
Pode faltar luz e aí a produção desaba -- e quem não comprou ingresso pode ter que ouvir no radinho.
O Messi tá jogando muito!
A coisa na Petrobrás está fedendo a "podrenga", como diz meu sobrinho.

Eu vinha pensando em tudo isso quando li nos jornais hoje que o Lula vai voltar.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Dots and Taylor

In the picture, the Fed dots before and after the meeting, the market rates (feds funds futures) and the Taylor rule (Yellen’s specification, using terminal unemployment and interest rates as NAIRU and risk neutral rate, respectively). Note:
i)                 Markets continue to be more dovish than the Fed
ii)                Taylor rule illustrates the time inconsistency
iii)               Taylor rule from last December (not shown) was very similar to this one, suggesting that Fed got more hawkish (it wasn’t a change in the scenario, but a change in the composition (or behavior) of the committee)

10 Maneiras de transformar a USP em Harvard


Em que pese o tamanho relativo de sua economia no mundo, o Brasil é um país isolado com influência internacional praticamente nula. Nada genuinamente brasileiro foi sequer coadjuvante dos desenvolvimentos técnico-científicos que estão por trás do progresso material e sócio-institucional que boa parte do mundo livre vem experimentado ao longo do último século*

Nada disso deve soar surpreendente. Da mesma mentalidade donde emanam os valores culturais que explicam parte das barreiras econômicas que isolam o Brasil das correntes comerciais e dificultam a atividade empreendedora, também emanam os grilhões ideológicos que mantêm as universidades brasileiras dependentes do dinheiro do contribuinte e fazem delas quinhões de irrelevância acadêmica no cenário internacional.

CABEÇA DE SARDINHA
É verdade que os indicadores de ciência brasileiros têm melhorado. No período de vacas gordas, quando a economia crescia à taxas anualizadas de 5%, o gasto em ciência e tecnologia aumentou e a produção científica brasileira esteve entre as que mais cresceram no mundo (ver gráfico abaixo). Se falou até que o Brasil seria uma “força científica emergente” e há quem se regozije com o fato de o Brasil ser  o powerhouse científica da região, responsável que é por mais da metade da produção científica dessa intrigante região que é a América Latina.


Mas a influência brasileira no mercado de “Global science” é ainda bem pequena: os artigos dos pesquisadores brasileiros são relativamente pouco citados e a fatia brasileira na produção científica mundial ainda é de menos de 2% (ver gráfico abaixo). Isso não deveria surpreender quando observa-se que cerca de metade dos artigos brasileiros ainda são escritos em português – provavelmente é mais, dado que muito dos “veículos”de publicação do que é feito nas universidades brasileiras não são capturados pelas bases bibliométricas globais.



INTERNACIONALIZAÇÃO PARA INGLÊS VER?
Em 2011 a revista The Economist publicou um artigo (aqui) comentando do esforço que a FAPESP e algumas universidades paulistas estavam fazendo para atrair as estrelas do mundo científico e pesquisadores de alto calibre em geral do exterior. Anúncios foram publicados na revista Nature oferecendo contratos de dois anos (chamados, em inglês, de fellowships).

De fato, esse papo de internacionalização tem sido ouvido crescentemente na USP. Em 2013, por exemplo, a universidade lançou um programa que visava promover essa internacionalização através, entre outras coisas, da criação de escritórios em vários pontos do globo (Boston, Cingapura, Londres e São Paulo(?)) visando promover a USP e fomentar parcerias (ver matéria aqui). O número de intercambistas parece ter crescido no último ano (1.500 alunos de graduação...em um universo de mais de 55 mil), mas a presença de professores permanentes e alunos regulares de graduação internacionais ainda é praticamente nula.

De qualquer modo, e verdade seja dita, a questão da internacionalização pareça uma preocupação exclusiva das grandes universidades estaduais paulistas, em particular da USP. É um tanto lamentável, mas compreensível, que seja assim.

Digo lamentável porque o sistema federal de universidades absorve a vasta maior parte dos recursos humanos para pesquisa (doutores, pós-graduandos) e tem em suas mãos quase 30 bilhões – pulverizados, obviamente, em mais de 50 instituições (ver dados aqui). E digo compreensível porque as paulistas são as universidades brasileiras que estão em melhores condições de galgarem posições nos rankings acadêmicos de universidades. Elas têm orçamento relativamente grande – a USP, por exemplo, tem mais do que o dobro do orçamento da maior universidade do sistema federal (UFRJ) – e o staff acadêmico dessas instituições responde por metade da produção científica brasileira e ¼ da produção científica originada na América Latina. Além disso, USP e Unicamp são as únicas brasileiras que aparecem nesses rankings internacionais, embora ainda muito longe de figurarem entre as as top 100 – falo obviamente dos rankings que importam, os baseados em pesquisa, ensino e conhecimento, e não o de reputação, que vale bulhufas. 

De qualquer forma, não está muito claro se essa internacionalização vai conseguir sair do plano das intenções. Essas ações de criar escritórios de relacionamento e aumentar o intercâmbio de alunos são bem intencionadas mas, sozinhas, cumprirão um papel meramente sinalizatório de intenções, que é bom mas insuficiente pra produzir a internacionalização e a subida desejada nos rankings globais de universidades.

DE TABAJARA FC A REAL MADRID DA CIÊNCIA?
Dar um profile verdadeiramente internacional para a USP – ou qualquer outra universidade brasileira – não é muito diferente de criar um time de futebol internacionalmente competitivo: requer dinheiro para construir “facilities” de alto nível (laboratórios, offices, salas) e recrutar os melhores recursos humanos disponíveis (alunos, funcionários e pesquisadores/professores). E a USP, como de resto todas as universidades brasileiras, não tem dinheiro para investir, gastando praticamente toda a dotação orçamentária que recebem com salários.

Não é por acaso que esse post deve ser visto como um complemento do artigo de duas semanas atrás no qual falei das 10 formas da USP ganhar dinheiro: não haverá internacionalização nem subida ao grupo das top 100 alguma se a universidade não se mover na direção de conseguir recursos orçamentários para além daqueles transferidos automaticamente do contribuinte.

Pensando nessas coisas, e assumindo que o desejo de fazer o que precisa ser feito para ver ao menos uma universidade brasileira entre as melhores do mundo é verdadeiramente genuíno, resolvi elaborar uma lista das

10 FORMAS DE TRANSFORMAR A USP NUMA UNIVERSIDADE TOP

1. INGLÊS COMO LÍNGUA DE INSTRUÇÃO, SELEÇÃO E PRODUÇÃO ACADÊMICA



Essa é a medida mais crucial. Inglês é a língua franca de comunicação do mundo acadêmico. Em muitas áreas, cerca de 95% das publicações são em língua inglesa. 80% das revistas indexadas no Scopus (base bibliométrica da Elsevier) estão em inglês. Com algumas excessões (francesas, of course!), as top 200 universidades tem o inglês como meio de instrução da maior parte de seus cursos.

É verdade que isso é em grande parte pelo simples fato que 70% dessas universidades estão localizadas em países falantes de língua inglesa. Mas ao invés de lamentar a “injustiça” do mundo, que não nos fez ex-colônia inglesa ou fez do inglês,e não o português, a “língua da ciência”, a melhor coisa a fazer é simplesmente adotar o inglês como língua no qual cursos, trabalhos acadêmicos e comunicação escrita oficial será feita. Essa imersão do ambiente de trabalho na língua inglesa vai ajudar – marginalmente que seja – a construir competências sólidas de comunicação e escrita de alunos e pesquisadores, o que, espera-se, contribua para a maior inserção da universidade no cenário internacional.

Claro que isso não pode nem deve ser feito do dia pra noite. A universidade deve definir um período de transição (5/10 anos) ao longo do qual vai treinando seu staff, estimulando a oferta de disciplinas em inglês, e migrando seus sistemas para o outro idioma. Além, é claro, de pontificar junto ao MEC para introduzir instrução em inglês nos currículos escolares logo cedo (eu falo de instrução de cursos inteiros desde cedo, não esses cursos de inglês que nunca saem do verbo to be). 

Claro que os nacionalistinhas e matutos com medo de sair da sua “zona de conforto” reclamarão – receosos de que a “identidade nacional” (o que quer que isso signifique) esteja sob ameaça. Mas a verdade crua e nua é que a USP, ou qualquer outra universidade latino-americana, jamais ocupará posições globais de destaque se não derrubar a barreira línguistica.

2. SELEÇÃO DE ESTUDANTES INTERNACIONAIS



Uma universidade de renome internacional é feita de um corpo discente inteligente, criativo, ambicioso e esforçado. Não há razão alguma para acreditar que essas habilidades/traços estejam mais concentradas nas pessoas de uma região do que outra. Logo, o recrutamento de estudantes deve ser o mais global possível. Harvard, Oxford e Cambridge, para citar três das mais distintas universidade do mundo, têm de 10 a 20 por cento de seus estudantes de graduação provenientes de outros países. Os números de alunos internacionais na pós graduação são ainda maiores, chegando em algumas dessas universidades a 64% (e.g., Oxford).

É óbvio que isso significa mais concorrência, logo, resistência de muitos que sentirão que, na existência dessa influxo externo de candidatos, suas chances de entrar na USP são ainda menores (o que, em termos incondicionais, é mesmo verdade para todos). Mas esse é um dos “preços” que se deve pagar para ter uma universidade global. Mas não se esqueça dos benefícios, que para a região e para o país em geral são enormes: retenção de talentos (brain drain) e criação, através da rede de ex alunos que vai se formando no globo, de uma potencial ampla rede de contratação de mão-de-obra, de comércio e negócios em geral.

3. RECRUTAMENTO INTERNACIONAL DE PROFESSORES 



Os argumentos aqui são os mesmos que utilizei para justificar a seleção de estudantes internacionais. Se a USP quer se internacionalizar de fato deve passar a recrutar seus professores no chamado “mercado internacional”. Ao invés de editais enterrados nas páginas dos departamentos e jornais oficiais, as unidades devem anunciar as posições abertas em seus departamentos nos jornais científicos internacionais, nas páginas da The Economist, nos sites internacionais de recrutamento, enfim, nos lugarem que darão visibilidade global para as posições.

Tanto mais quanto possível (porque falarão de cotas para brasileiros), a prioridade deve ser a seleção de pesquisadores qualificados e com projetos acadêmicos promissores, como é a seleção de qualquer boa universidade no mundo, independente do país de origem. Isso significa, obviamente, que é preciso abandonar o atual sistema jurássico-francês de seleção – baseado em concurso com prova escrita de nível de graduação e aula-didática, ambos sobre tópico-semi-surpresa e em português – em favor de algo moderno e efetivo, baseado na análise por pares (de dentro da própria universidade e não de outras!) (a) de currículo, (b) de publicações, (c) de agenda de pesquisa (research statement) e (d) de habilidade e clareza oratória avaliadas com base em entrevista e seminário público sobre tema da agenda de pesquisa do candidato, e não com base em aula-monólogo de 45 minutos sobre tópico de manual de graduação e, para adicionar insulto a injúria, com resultado divulgado de forma constrangedora, impolite, e com ares de concurso de carnaval (tipo assim: "Candidato: Dr. X. Nota do Jurado Prof. Dr. Y; Quesito: Prova escrita....Nota (...) 10!!!"). Como diz o Fernando Botelho, se "Harvard não seleciona assim por que nós devemos?". Em suma: é possível recrutar professores de forma rigorosa e transparente sem ser tosco.

Recrutar no exterior seria provavelmente mais difícil pra umas áreas (e.g. letras, sociologia, jornalismo) do que para outras (economia, matemática, biomédicas), mas montar um staff acadêmico de qualidade requer recrutamento global. Hoje mais de 40% do staff acadêmico das top universidades britânicas são de outros países. Entre no departamento de qualquer área, de qualquer universidade top americana, e você verá que  na vasta maior parte deles ao menos 1/5 dos professores é proveniente de outros países.

O clima da região e o espaço de liderança profissional que a USP poderia oferecer para acadêmicos juniores pode servir de atrativo para muitos do hemisfério-norte. Como não tem a reputação internacional de uma universidade top 20 e o clima mais tropical logo não compensará por muito tempo e por si só as agruras típicas de um país subdesenvolvido (violência, burocracia etc), é importante ter dinheiro para atrair e reter esse pessoal aqui.

4. PROGRAMAS DE DUPLA FILIAÇÃO INSTITUCIONAL DE PROFESSORES




A colaboração entre pesquisadores é um dos principais motores da atividade científica atual. As parcerias entre cientistas de vários lugares do mundo trazem inúmeros ganhos: dividem os custos de pesquisa, permitem a execução mais eficiente de tarefas (divisão de trabalho) e, ao trazer junto a expertise de várias pesquisadores, quase certamente melhoram a qualidade do trabalho de pesquisa. Uma forma relativamente barata de facilitar essa cooperação entre os pesquisadores da USP e cientistas internacionais é oferecer “joint appointments” (vagas que permitem múltipla filiação institucional) para professores e professoras provenientes das top universidades sugeridos, com base na complementaridade e expertise que possam oferecer, pelos membros de cada departamento da universidade.

5. PROGRAMA DE VISITING SCHOLARS



No mesmo espírito do programa de “dupla filiação”, a universidade deveria oferecer um pacote de benefícios (salário, acesso a laboratórios, assistência de pesquisa, suporte técnico etc) para atrair, ainda que por intervalo relativamente pequenos (1 à 4 semestres), pesquisadores de universidades de ponta. 

6. ABERTURA DE ESCRITÓRIOS REGIONAIS



É claro que uma estratégia e internacionalização não pode prescindir de ter “embaixadas” espalhadas em todos os continentes; "embaixadas" que possam servir não só para celebrar acordos de parceria acadêmica, mas para capilarizar o recrutamento de estudantes e professores para a universidade. Mas não se iluda: nada disso é eficiente se a universidade não tiver um pacote interessante de benefícios a oferecer. E não adianta também colocar escritórios em Londres, Paris e Nova York. Sem a grana e a reputação de uma Harvard, a melhor estratégia em um primeiro momento é ir atrás de "talentos brutos" com ambições acadêmicas que pode-se encontrar em instituições menos abonadas. Ou seja: desde que requisitos mínimos sejam satisfeitos (de treinamento, habilidade, comunicação etc), é possível que, muito freqüentemente, seja melhor recrutar os melhores estudantes e pesquisadores, sei lá, da Universidade do Cairo do que recrutar pessoas de lugares mais prestigiados que não são os top de seus cohorts e que até poderiam encarar a experiência nos trópicos como uma aventura ou um “gap year” na carreira. 

7. CONSÓRCIOS E GRUPOS INTERNACIONAIS DE UNIVERSIDADES DE PONTA



A entrada nesses consórcios de universidades (e.g. Universitas 21, IARU - International Alliance of Research Universities) facilitaria a difusão de “best practices” adminsitrativas, o compartilhamento de recursos e a promoção de parcerias e convênios para intercâmbio de recursos humanos (estudantes e pesquisadores). 

8. INCENTIVOS PARA “ACADEMIC ENGAGEMENT” INTERNACIONAL 



Por “engagement internacional” eu quero dizer (a) apresentação de artigos científicos em conferência internacionais de “high profile” (não vale aquelas conferências obscuras na Grécia ou no Havaí), (b) publicações colaborativas em coautoria com pesquisadores internacionais e (c) posições de visitante em universidades de ponta. Estimular os professores da instituição a se envolverem nessas atividades que contribuíram enormemente para elevar o profile internacional da USP – estimular com bônus salarial e reconhecimento institucional, porque ninguém na universidade (como em qualquer outra empresa) é mais criança pra se motivar com a promessa de chocolates e piluritos coloridos de açucar. Nunca é demais repitir: isso deve ser financiado com recursos orçamentários extras, que a universidade vai gerar a partir de suas próprias atividades, e não com a transferência de mais dinheiro do contribuinte, até porque o que têm hoje já está completamente comprometido com pagamento de folha salarial -- como notado no outro post

9. DIFERENCIAÇÃO SALARIAL 



Em qualquer universidade decente do mundo é absolutamente normal que alguns professores tenham salários maiores do que outros. Há diferenciação salarial não só entre departamentos (o faculty dos departamentos de medicina ganham em geral mais do que o faculty do departamento de Estudos Culturais e Línguas Modernas) mas dentro de cada departamento também (prêmios nobeis certamente têm maior salário do que seus colegas departamentais sem tal premiação).

Comunistas, sindicalistas e esquerdóides em geral oferecerão enorme resistência a esse tipo de medida – sob o argumento cretino que a ausência de isonomia salarial viola algum tipo de direito humanitário ou prerrogativa do servidor público ou do trabalhador em geral (como se houvesse algum vestígio de justiça em tratar salarialmente igual pessoas com habilidades e produtividades diferentes...). Claro que não dá pra diferenciar salários nominais (a lei do serviço público impede...), mas é possível fazer isso via algum tipo de bonificação.

A importância desse ponto não pode ser minimizada. A isonomia salarial é uma das grandes âncoras que seguram as universidades brasileiras no fundo do barril da mediocridade. Não precisa ser economista e entender de incentivos para perceber que, se um professor que publica 10 papers por ano em top journals recebe de salário a mesma coisa que o professor que publicou nada ou metade disso, o resultado dinâmico dessa estrutura de incentivos só pode ser um: todo mundo racionalmente, ou por autoexpulsão dos professores produtivos ou pela redução coletiva de esforço, converge para o ponto onde o esforço é mínimo.

Sempre falo pra meus colegas ingleses: vocês não escutam falar de pesquisa feita por acadêmicos brasileiros não porque eles sejam intrinsicamente “ruins", mas simplesmente porque, como ser racional que são, respondem aos incentivos existentes – que são todos perversos, porque completamente desalinhados com o objetivo de ser academicamente produtivo.

O ponto aqui é simples: sem diferenciação salarial, a USP, ou qualquer universidade brasileira que almeje renome internacional, nunca terá a flexibilidade necessária para atrair recursos humanos de alto calibre. Eu falo dos professores mas o mesmo vale para funcionários técnicos, cujo suporte é vital para o andamento “suave” dos projetos de pesquisa e demais atividades acadêmicas.

10. CONSÓRCIOS PARA CURSOS E PESQUISA COM "BIG NAME UNIVERSITIES"


A reputação regional de que goza a USP deve ser explorada. Como? Formando consórcios com universidades norte-americanas e inglesas que queiram expandir sua atuação na região (as universidades inglesas foram as primeiras do mundo a estabelecerem campi em outros países. A Universidade de Nottingham, por exemplo, tem campi na China e na Malásia. Em 2009, a universidade de Columbia abriu centros na India e na França e a Universidade de Nova York em Shangai. Há várias outras). Essas alianças devem servir não apenas para entregar serviços de treinamento e educação para os estudantes da região como também para fomentar simpósios de seminários dos pesquisadores das universidades envolvidas em torno de tópicos relevantes para os problemas da região. É um acordo ganha-ganha. A universidade de Monash (AUS) e Warwick (UK) firmaram, em 2011, acordo desse tipo para atuarem na região asiática.

CONCLUSÃO: ISSO VAI ACONTECER?
Já antevejo muitos comentários falando que nada ou quase nada disso vai acontecer. Falarão que existem barreiras legais, que é difícil, que dá muito trabalho, que haverá muito resistência etc, etc, etc. É óbvio que essas coisas são todas verdades. Afinal, muitas das barreiras à essas mudanças estão enraizadas nos valores e na “cultura” que herdamos. Mas "cultura" nenhuma resiste a uma estrutura de incentivos que premie a persecução da excelência e ao prospecto de alcançar, por essa mesma excelência, prestígio e reconhecimento profissional de seus pares em escala global. 

Além disso, o que está em jogo aqui é algo que é sabidamente aspirado e de interesse de muitos – de fora e de dentro da universidade –, a saber: que a USP, e um bom número de universidades brasileiras em geral, estejam entre as melhores instituições de ensino e pesquisa do mundo (diria que podemos começar com a meta de estar entre as top 100 em 20 anos).

Há bastante recursos humanos para isso. É apenas lamentável que a burocracia e as regras institucionais que regulam as universidades brasileiras hoje funcionem como gigantescas barreiras a essas mudanças. Mudá-las é custoso mas factível; o que me lembra uma frase famosa do Steve Jobs sobre os “loucos” que mudam o mundo:
“Here’s to the crazy ones.(...) They push the human race forward, and while some may see them as the crazy ones, we see genius, because the ones who are crazy enough to think that they can change the world, are the ones who do”
Onde estão os “loucos” de que a USP e as universidades brasileiras precisam?
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* Tem os trabalhos pioneiros em aviação do Santos-Dumont, mas aquilo foi há mais de cem anos; e ele foi educado na França anyways. 

Desigualdade

No mundo desenvolvido, nos últimos 30 anos a desigualdade vem crescendo a taxas elevadas, principalmente nos EUA. 

Em boa parte, isso se explica pelo que os economistas chamam viés a favor de trabalhadores mais qualificados. A causa fundamental dessa alteração na composição da demanda por mão-de-obra ao longo das três últimas décadas é o progresso tecnológico que vem tornando obsoleto o trabalhador menos qualificado. Cada vez mais, as tarefas desempenhadas nos diversos setores da economia exigem competências que só os mais escolarizados possuem, como habilidade para mexer em planilhas de computador, por exemplo. E para piorar, se você não é escolarizado, nem como ascensorista você pode mais ganhar seu sustento, pois os elevadores modernos não precisam de ascensoristas. 

O que sai desse diagnóstico em termos de recomendação de politica pública é óbvio: melhorar o capital humano da parte mais desassistida da população. Menos óbvio, claro, é como fazê-lo. O fato dos EUA, país rico e com as melhores universidades do mundo, ter muita dificuldade em melhorar a qualidade das suas escolas fundamental e média, é sinal de que a tarefa é pra lá de complexa.

A explicação tecnológica, contudo, é incompleta. Por dois motivos. Primeiro, o avanço tecnológico é de natureza mundial, enquanto a desigualdade cresceu muito nos EUA e menos em outros países que também se beneficiaram de melhoras tecnológicas. Segundo porque o grande salto de renda deu-se no grupo dos 1% mais ricos. Os 10% mais ricos também melhoraram bem mais que a média, mas muito menos que os 1% mais ricos. 

Segundo fator: escala. Um menino lá nos EUA inventa uma coisa chamada Facebook. Ele certamente deve e vai ser remunerado pela sua sacada de alto valor social. O ponto aqui é que essa remuneração vai depender do tamanho do mercado consumidor para o produto que ele inventou. Se for o estado onde ele mora, como era o caso antigamente, a renda dele aumenta, mas nem tanto. Já se for o mundo, como é o caso hoje, a renda sobe de modo estonteante. No segundo caso, claro, a estatística que mede a desigualdade de renda dentro dos EUA reagirá bem mais. 

Veja que nesse caso é menos óbvio que se deva fazer algo a respeito -- não conheço pessoa razoável que defenda que o Facebook deveria ser proibido em alguns lugares para que a renda do Zuckerberg não crescesse tanto...

Terceiro, e aqui o debate aqui esquenta, tem a ver com a tendência a uma regulamentação mais solta e a uma capacidade maior dos altos executivos determinarem seus próprios salários mais livremente (enfraquecimento da chamada outrageous constraint pós anos 80, elemento que pode ser importante na determinação de salários em casos onde o problema de agente-principal é mais virulento, como no caso de altos executivos) – explicação que cabe melhor no contexto dos EUA. O Nobel Joseph Stiglitz, por exemplo, argumenta que muita gente no mercado financeiro ganha acima do seu valor social porque a reviravolta na regulamentação (principalmente a frouxidão na necessidade de aporte de capital próprio) possibilitou que investimentos muito arriscados sob o ponto de vista da sociedade – mas que, quando dão certo, remuneram bem quem os faz – crescessem indevidamente. A recomendação é apertar a regulamentação dos bancos e descolar o pagamento dos bônus dos executivos do retorno de curto prazo das instituições financeiras (como, aliás, já vem ocorrendo).

Onde possível, é preciso agir contra a desigualdade. Primeiro porque em boa parte ela advém de condições iniciais muito diferentes entre os indivíduos – quem nasce pobre tem mais dificuldade de cursar uma boa escola ou de inventar um Ipad. Segundo porque desigualdade causa outros males, como criminalidade, por exemplo, que abrange a todos. E terceiro porque ela é politicamente muito perigosa, podendo dar ensejo a experimentos heterodoxos que põem em risco o desenvolvimento econômico ou, em casos mais extremos, até mesmo a Democracia.

terça-feira, 25 de março de 2014

Term premium nonsense

A figura (do Torsten do DB) mostra que o juro de 10 anos na América pode ser explicado pelo número de meses até a subida de juros. Essa variável é obtida a partir da parte curta da curva de mercado (fed funds future). A amostra é recente, a partir do momento em que a Fed Fund ficou em 0.

O interessante é pensar que todo o movimento do 10 anos deve-se a parte curta da curva, i.e., a política monetária. Nesse sentido, o forward guidance explica todo o 10 anos, e aquele papo que o term premium foi alterado pelo QE morre.

Outro ponto, meio abusado, é que quando o fed subir os juros (o número de meses para elevação ficar zero), o juro de 10 anos será 4.2%.


Análise Gráfica



segunda-feira, 24 de março de 2014

Brasil, Egito e democracia minimalista

O golpe militar de 1964, disse Francisco Weffort em seminário no Dpto. de Ciência Política da USP semana passada, representou um interregno na consolidação da democracia no Brasil. Parece uma obviedade, mas não é. Pois interregno não é apenas interrupção. É interrupção temporária de um processo ou movimento que inevitavelmente retomará seu curso mais adiante. Demorou, mas de fato a democracia brasileira, que estava sendo construída a trancos e barracos no país desde 1945, reemergiu em 1985 (ou em 1989, fica a gosto do freguês).


Ressurgiu muito mais sólida do que no período antecedente. Há várias evidências factuais a esse respeito. Uma basta, a meu juízo, para provar essa afirmação. Entre 45 e 64, dos quatro presidentes eleitos, dois terminaram seus mandatos. No atual ciclo democrático, em sete mandatos (incluindo Dilma), apenas um não foi integralmente cumprido. E não houve quebra da regra democrática no impeachment de Collor. Talvez, nem mesmo o próprio Collor entenda que foi vítima de golpe.


Terá sido então o golpe militar, paradoxalmente, um interregno necessário ao fortalecimento da democracia no país? Na minha opinião não pois, em vários sentidos, a democracia brasileira estava se institucionalizando. Há boas obras na literatura da ciência política brasileira que mostram isso. Destaco um: Democracia na urnas, de Antônio Lavareda.


Acho que o golpe, pior do que necessário, foi inevitável. Esquerda e direita, era todo mundo golpista naquele momento, afirmou Weffort no seminário. Esquerda, insuflada pela União Soviética, e direita, pelos Estados Unidos.

Em meio a tantas pressões, a política não conseguiu tratar os antagonismos pelas vias institucionais. PTB, PSD e UDN e seus principais líderes políticos – Jango, Juscelino e Lacerda – foram atropelados pela força militar.

Sempre que a política é suplantada pela força, a violência irrompe. Foi o que aconteceu no Brasil 50 anos atrás e no Egito mais recentemente. As circunstâncias foram diferentes, mas o pano de fundo é o mesmo: a impossibilidade de resolver conflitos pela via institucional política leva à violência, mortes, torturas, atentados etc.

O drama egípcio está bem retratada no documentário The Square, que concorreu ao Oscar neste ano. Os personagens centrais do documentário são jovens ilustrados da classe média egípcia protagonistas da longa ocupação da praça Tahrir. Jovens, em sua maioria, sonhadores e idealistas, autores de frases do tipo “as ruas são a nossa urna”. O filme mostra bem a angustia se apoderando deles à medida que percebem que se livraram da ditadura de Mubarak para cair em um regime teocrático promovido pela Irmandade Muçulmana. A angústia aumenta quando Mohammed Morsi é derrubado pelos militares que instauram um regime bastante repressivo, com foco principal sobre a Irmandade Muçulmana, mas que também baixou o porrete nos jovens sonhadores da praça Tahrir.

A substituição da democracia pela força em 1964 no Brasil e a dificuldade da democracia se estabelecer no Egito remetem ao conceito de democracia minimalista.

Schumpeter é reconhecido na Ciência Política contemporânea como o fundador desse conceito. Mas vou usar a leitura mais contemporânea da democracia minimalista dada por Adam Przeworski. Ele escreveu um excelente paper em defesa do conceito de democracia minimalista. (“Minimalist conception of democracy: a defense”, in Ian Shapiro and Casiano, Democracy´s Value. Cambridge: Cambridge University Press, 1999).


Logo no primeiro parágrafo, ele anuncia o seu objetivo. “I want to defend a ‘minimalist’, Schumpeterian, conception of democracy, by minimalist, Popperian, standards. In Schumpeter conception, democracy is just a system in which rulers are selected by competitive elections. Popper defends it as the only system in which citizens can get rid of government without bloodshed”.

Przeworski nota que o conceito de democracia aparece muitas vezes atrelado a preceitos normativos, como representação, accountability, igualdade, participação, justiça, dignidade, racionalidade, segurança, liberdade etc, positivamente valorados pelos teóricos da democracia. “Democracy”, diz ele “has become an altar on which everyone hangs his or her favorite ex voto”.

A pergunta fundamental de Przeworski é se a eleição, além de ter valor intrínseco como método de selecionar os governantes, agrega também algo mais à democracia. Para respondê-la, seleciona três elementos largamente relacionados à democracia: racionalidade, igualdade e representação. Examina-os, ora do ponto de vista da solidez e coerência a diferentes abordagens teóricas aplicadas a eles, ora com base na aderência dessas teorias à realidade. No final descarta-os todos. Não se pode dizer inquestionavelmente que o sistema democrático seja racional ou leve à racionalidade, nem que solucione plenamente o problema da representação ou promova a igualdade.

Mas isso não torna a democracia irrelevante. A democracia é importante por que é um sistema que soluciona conflitos de maneira não violenta. E consegue fazer isso por que suscita a livre competição pelo voto ao mesmo tempo que confere legitimidade à autorização dada para que o indivíduo ou grupo mais votado governe toda a sociedade. Assim, “in the end, the miracle of democracy is that political forces obey the results of voting. People who have guns obey those without them. (...) Conflicts are regulated, processed according to rule, and thus limited.”

Isso não significa que a democracia não possa ser aperfeiçoada por meio de avanços institucionais. Contudo, diz Przeworski, ela é importante mesmo se não pudesse ser aperfeiçoada e mesmo desprovida de “penduricalhos” como igualdade, justiça, racionalidade etc.

Os penduricalhos podem torná-la mais atraente, mais vistosa. Porém, brasileiros em 1964 e egípcios nos últimos anos hão de concordar, se a democracia conseguir impedir a conflagração violenta entre grupos políticos já terá feito bastante.



Bolões e o Hedge da Felicidade (quasi-difficult)

Sempre que se aproxima a Copa e os bolões a gente ouve essa história de hegde da felicidade: aposta na Alemanha campeã. Aí se der Brasil, você tá feliz por motivos óbvios, e se Alemanha ganha...bom ao menos você tem o dinheiro no bolso...

Esse raciocínio está em princípio errado.

Seguro tem a ver com utilidade marginal do consumo. Se roubam teu carro, você sofre um choque de renda enorme, precisa cortar consumo, utilidade marginal fica altíssima. Se a safra quebra, a renda do agricultor despenca, e o consumo dele também -- utilidade marginal cresce. Para suavizar isso, pra você não pular entre utilidades marginais altas e baixas é que serve o seguro.

Pois bem, o que isso tem a ver com ficar triste se Brasil perde a copa??? Mais dinheiro nesse momento te faz mais feliz? Claro. Mas o que tem a ver isso com a utilidade marginal saltitante? A utilidade marginal do dinheiro muda em que direção com a tristeza? Você pode dizer: mas se o Brasil perder eu pelo menos pego o dinheiro do prêmio para afogar minhas mágoas...mas espera aí, você pode também pegar o dinheiro do prêmio para comemorar no caso do Brasil ganhar...então a pergunta é: qual o sinal da utilidade marginal cruzada? Não sabemos, mas me parece mais provável que seja positivo: comemorar gastando na festança se Brasil ganha; chorar no quarto se Brasil perde. Ou seja, parece mais coerente apostar no Brasil se você tem algum modelo de hedge na cabeça...

De todo modo, o ponto importante eh: o argumento tem que ter a ver com a utilidade marginal cruzada, se não, não é seguro.

Uma confissão: há 12 anos atrás, empolgado com o Brasil na Copa, falei a coisa do hegde da felicidade sem pensar direito. Fui salvo por um amigo mais atento (o Economista X).

domingo, 23 de março de 2014

sexta-feira, 21 de março de 2014

Juízes de futebol favorecem o time da casa?


Sim, há produção acadêmica tentando entender se árbitros de futebol beneficiam o time da casa. Em geral, a motivação é meio comportamental -- o futebol seria apenas uma situação específica utilizada para estudar como as pessoas reagem quando estão sob pressão. Conheço dois papers empíricos sobre o assunto, que estimam decisões de árbitros como função do número de torcedores no estádio.

O primeiro deles é mais antigo e melhor (Garicano, Palacios-Huerta & Prendergast, Restat 2005). Os autores analisam dados do tempo extra dado pelo juiz ao fim do segundo tempo, em partidas do Campeonato Espanhol. Encontram que, quando o time da casa está perdendo por 1 gol de diferença aos 45 minutos do segundo tempo, o tempo extra tende a ser significativamente maior. A ideia é que, com isso, o árbitro beneficia o time da casa, elevando a chance da partida terminar empatada. O inverso também vale: quando o time da casa está vencendo por 1 gol de diferença, o tempo extra médio tende a ser mais baixo. Nesse caso, há menos chance de o resultado (vitória do mandante) ser revertido.

Mais importante: esses efeitos são mais fortes quanto maior o público presente no estádio. Ou seja, quanto maior a pressão da torcida, mais o árbitro favorece o time da casa por meio do tempo extra. 

O interessante é que os autores não encontram esse efeito quando há diferença de dois ou mais gols ao fim da partida (nesses casos, o tempo extra pouco contribui para mudar o resultado do jogo). E o efeito não aparece também no tempo extra concedido ao fim do primeiro tempo, como esperado.

O outro paper avalia uma situação particular que ocorreu no Campeonato Italiano (Pettersson-Lidbom & Priks, EL 2010). Em 2007, uma briga feia entre torcedores de Catania e Palermo fez com que as autoridades determinassem que partidas seriam jogadas com portões fechados (sem público), caso não houvesse condições mínimas de segurança. Os autores utilizam isso como um choque exógeno para avaliar o efeito da pressão da torcida sobre o comportamento dos árbitros.

Para tanto, eles fazem um dif-in-dif: avaliam a diferença entre o número de faltas (e cartões) dadas em favor do time da casa e em favor do time de fora, tanto para jogos com torcida como para jogos sem torcida. E depois computam a diferença entre essas duas diferenças, o que seria o efeito da torcida no número relativo de faltas e cartões. Os autores encontram resultados fortes: a presença da torcida está associada a um aumento médio de 23% no número de faltas dadas contra o time visitante (relativamente ao mandante). Os efeitos estimados para cartões são ainda mais elevados, porém menos robustos em termos de significância estatística.

Nakano no Valor (atrasado)

Num artigo no Valor nessa Terça, o Nakano disse que alta de juro não serve para reduzir a inflação.

Não entendi direito. E falou que a desinflação de 2005 não foi causada pelo Bevilacqua, mas sim pelo câmbio que apreciava. Entendi só em parte.

Bom, se a Selic fosse amanhã de 11% pra 18%, mesmo com esse fiscal vagabundo tenho certeza que a inflação cairia. Sim, ia ter uma recessão junto provavelmente, mas a inflação iria cair, Nakano.

Segundo: é verdade que a apreciação cambial nos primeiros anos do Lula ajudou bem na inflação, mas daí não dá pra concluir que a inflação seria a que foi (e nem perto) se o piloto fosse outro. Inflação e câmbio são endógenos ao piloto, Senhor Nakano. Imagine o Tombini lá, em 2005, como manda-chuva e a inflação caindo por conta do câmbio -- indo para 3%!! Ele seguramente não iria ficar de braços cruzados em vista disso....o contrafactual mais razoável é que esse BC contrafactual mais heterodoxo iria lutar, e muito, para impedir que a inflação caísse abaixo da meta deles, de 5,5%, possivelmente derrubando fortemente a taxa de juro e, consequentemente, freando a apreciação cambial.

É endógeno, Nakano.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Câmbio e crescimento

Resolvi dar também meus pitacos na controvérsia Oreiro-Ferreira/Fragelli. Oreiro diz que há farta evidência conectando câmbio depreciado com crescimento. Ferreira e Fragelli afirmam que a evidência é frágil. Não vou comentar nada sobre resultados empíricos aqui. Minha questão é meramente teórica. Em regimes de câmbio administrado, a taxa de câmbio é mantida via políticas que afetam o mercado de moeda externa (política monetária ou fiscal, por exemplo). O efeito captado pelos estudos empíricos não deveria então ser atribuído as essas políticas?

O jeito que eu entendo o argumento pró-câmbio depreciado é o seguinte: há algo especial na indústria (tipo retornos crescentes, efeitos de aprendizado). Uma depreciação no câmbio protege a indústria doméstica da competição externa, ao tornar o produto externo mais caro para os locais. E estimula exportações, pois o produto doméstico fica mais barato para os estrangeiros. Tudo isso faz com que o setor industrial se expanda, gerando ganhos de produtividade.

Bom, como manter o câmbio depreciado?

O mecanismo clássico (de livro-texto) se dá via política monetária. Basicamente, se o Banco Central quiser depreciar a moeda doméstica (R$), precisa expandir a oferta dessa última e trocá-la por dólares. Isso gera uma depreciação nominal do R$ e, no curto prazo, potencialmente também uma depreciação real (caso supusermos que os preços são rígidos).

Mas no longo prazo os preços domésticos sobem em função da expansão monetária e, com isso, a taxa de câmbio real volta a seu nível inicial. Note que o câmbio real é a variável relevante para a competitividade da indústria doméstica, pois ele é o preço do importado (relativamente aos bens domésticos). Como essa variável fica parada no longo prazo, a proteção à indústria não se sustenta. Como então esse mecanismo pode gerar crescimento de longo prazo?

Em suma, parece que o mecanismo via política monetária não faz sentido. Até porque, se isso fosse verdade, o Haiti poderia ultrapassar a Suíça só imprimindo moeda.

Quando Dani Rodrik (talvez o principal cara defendendo essa conexão entre câmbio e crescimento) esteve na USP há alguns anos, perguntei isso a ele. Ele sugeriu que o câmbio real poderia ser mantido em níveis depreciados utilizando política fiscal.

Aqui vejo dois mecanismos, que passam por cortes de gastos públicos. O primeiro é novamente de livro-texto: um corte de gastos aumenta a poupança do governo e, portanto, a poupança total da economia. No mercado de fundos emprestáveis, isso corresponde a uma expansão da oferta, derrubando o preço, que é a taxa de juros real. A redução dos juros reais faz com que seja menos atrativo investir no país, os gringos tiram a grana, diminuindo a demanda pela moeda doméstica e aumentando a demanda por dólar. No mercado de moeda externa, isso pressiona o preço do dólar para cima, depreciando a moeda local.

O segundo mecanismo é o seguinte: o governo tende a gastar mais em bens non-tradeable (construção, funcionalismo etc.). O corte de gastos diminui a demanda por bens domésticos, reduzindo assim seus preços. Esse movimento leva a um aumento no preço relativo dos bens externos (relativamente aos domésticos), o que corresponde a uma depreciação real da moeda doméstica.

Isso parece fazer mais sentido. Nesse caso, variáveis reais (gastos públicos) afetam variáveis reais (câmbio real). A recomendação de política para aumentar crescimento então seria: fazer ajuste fiscal?

segunda-feira, 17 de março de 2014

Convergência

Na semana passada houve um pequeno debate aqui nesse blog sobre as contribuições de Robert Barro. Nesse post decidi recuperar um pouco da literatura da década de 1990 sobre crescimento empírico. Quero enfatizar uma contribuição fundamental (em minha opinião) de Barro, juntamente com Xavier Sala-i-Martin, que nos informa sobre a adequação do modelo neoclássico de crescimento (Solow, Cass-Koppmans) para entender uma das questões mais antigas e importantes em Economia: por que alguns países são ricos e outros são pobres?

O modelo neoclássico de crescimento pressupõe que o retorno do capital decresce à medida que o estoque desse insumo aumenta (ou seja, retornos marginais decrescentes). Isso significa que investir $1 em um país pobre (com pouco capital) gera mais crescimento da renda per capita do que investir $1 em um país rico (com muito capital). Em outras palavras, para uma cross-section de países, deveríamos observar uma correlação negativa entre nível inicial da renda per capita e taxa de crescimento subsequente (fenômeno conhecido como convergência absoluta). Dessa forma, a diferença de renda entre países seria reduzida ao longo do tempo.

O problema é que isso não se verifica nos dados. As diferenças de renda per capita entre países são gigantescas. E permaneceram assim nas últimas décadas. O gráfico abaixo mostra uma cross-section com renda per capita em 1960 no eixo horizontal, e crescimento da renda per capita entre 1960 e 1997 no eixo vertical (cada ponto é um país). Se convergência absoluta valesse, deveríamos observar uma correlação negativa entre as variáveis no gráfico. Mas a correlação é na verdade praticamente igual a zero.

Fonte: Jones, C. "Introduction to economic growth"





















À primeira vista, isso parece indicar que o modelo neoclássico não é um bom referencial para entender diferenças de renda entre países. Modelos alternativos (como os do tipo AK) fogem da hipótese de retornos marginais decrescentes, e prevêm que a correlação entre renda inicial e crescimento subsequente é nula.

Mas nem tudo está perdido...

Na verdade, o modelo neoclássico implica que, se analisarmos países semelhantes (em termos de tecnologia, instituições, política econômica, etc.), os pobres crescerão mais rápido que os ricos. O problema no gráfico acima é que os países são potencialmente muito diferentes. Há um sério problema de variável omitida que não deixa que observemos a correlação negativa entre renda inicial e crescimento subsequente: nações mais ricas tendem a ser mais produtivas (têm instituições melhores, educação e saúde de melhor qualidade, governos mais responsáveis etc.); e produtividade está associada tanto a uma renda inicial mais alta, como a um crescimento mais rápido.

Uma forma de contornar esse problema consiste em analisar países em tese mais parecidos. A estratégia clássica é olhar não para países, mas para regiões de um mesmo país. Nesse caso, diversos fatores são comuns às unidades da cross-section, reduzindo o problema de omissão de variáveis. Daí a correlação negativa entre renda inicial e crescimento aparece! Abaixo gráfico dos estados americanos no período 1880-1988, retirado de Barro & Sala-i-Martin (BPEA, 1992).


Esse padrão tende a se repetir em vários contextos semelhantes (regiões europeias, prefeituras japonesas etc). Tem inclusive um paper recente (Miguel & Roland, JDE 2011) mostrando que, no Vietnã, os distritos que sofreram bombardeios americanos mais severos na guerra não são hoje mais pobres do que os demais locais. Ponto para o modelo neoclássico.

De volta aos dados de países

Nos dados de países, se o problema são as variáveis omitidas, a solução é: levar essas variáveis em consideração. Na linguagem da econometria, precisamos de uma regressão múltipla, em que a taxa de crescimento é a variável a ser explicada, e renda per capital inicial é a variável independente. Além disso, inclui-se um conjunto de controles na regressão, como gastos do governo, nível educacional médio da força de trabalho, expectativa de vida (proxy para saúde) etc. Isso torna os países comparáveis nessas dimensões.

Nesse caso, temos um novo conceito: convergência condicional. Especificamente, para dados valores das variáveis de controle, países inicialmente mais pobres crescem mais rapidamente que países mais ricos, em média. Na regressão acima referida, o coeficiente da renda inicial deve ser negativo, caso convergência condicional seja verificada.

E isso é de fato observado nos dados! Quando incluímos controles na regressão, o coeficiente da renda inicial (que era positivo e não significante) torna-se negativo e bastante significante.

O que aprendemos?

Os achados acima sugerem que o modelo neoclássico é útil para estudar diferenças de renda entre países. O nível da renda per capita de longo prazo (e sua dispersão entre países) vai depender, então, das variáveis de controle. Por exemplo, o coeficiente da variável anos médios de estudo é em geral positivo e significante. Isso indica que países com maior nível educacional terão renda per capita mais elevada de longo prazo, em média.

Na literatura, principalmente ao longo da década de 1990, diversos papers foram escritos utilizando o instrumental de Barro e Sala-i-Martin (as chamadas Barro regressions), porém adicionando os mais variados controles (índices de democracia, religião, crédito, gastos públicos e sua composição, taxa de inflação etc.).

O grande problema é: não dá para extrair implicações causais dos coeficientes dos controles. Deve haver uma razão mais profunda para que determinados países invistam pouco em educação ou adotem políticas ruins e, ao mesmo tempo, sejam pobres. Não dá para responder a questões do tipo: se a educação da Tanzânia fosse igual à da Noruega, quanto seria a renda per capita da Tanzânia? Dessa forma, acredito que não aprendemos muito olhando para esses coeficientes (nos quais boa parte da literatura se concentrou).

Mas, em minha opinião, a evidência de convergência condicional (o coeficiente negativo da renda inicial) é importante e sobreviveu ao longo dos anos. Ela nos informa que o modelo neoclássico é útil para entender diferenças nos níveis de renda per capita entre países. E, de certa forma, abriu caminho para a literatura mais recente, que busca descobrir as causas fundamentais por trás dessas diferenças (como, por exemplo, as contribuições de Acemoglu, Johnson e Robinson).

Mais sobre livro do Calomiris (Fragile by Design)

No começo do século passado, fim do 19, alguns estados norte-americanos instituíram seguro depósito para tentar reduzir as crises -- que eram muito frequentes pois o sistema era frágil demais a choques locais devido à proibição de branching.

Na época da primeira guerra os unit banks dos EUA tiveram seu Minsky Moment -- a euforia tinha por base a alta dos preços dos alimentos (esses bancos serviam os interesses da elite agrícola). Depois, antes mesmo da Depressão, os preços agrícolas voltaram e bancos começaram a quebrar. E aí vem o interessante: quebraram mais bancos nos Estados com seguro-depósito. Ou seja, a proteção do depósito afetou mesmo incentivos na direção errada, como o mais simples modelo de MHazard sugeriria.

Nos anos 30, foi criado o seguro-depósito nacional. O lobby forte foi da mesma elite agrícola associada aos unit banks. Pense bem: o seguro depósito nacional tira o grande beneficio dos bancos com branching, que é a segurança que esses podem oferecer aos depositantes via diversificação. Mas com o seguro-depósito, o depositante está protegido e não valoriza tanto essa característica dos bancos com várias agencias. Isso, somado à proibição de pagar juro para contas de depósito, matou a competição e prolongou a vida da coalizão agricultores-unit banks até os anos 70...

domingo, 16 de março de 2014

Byron's (best poem)

She walks in Beauty

She walks in beauty, like the night
Of cloudless climes and starry skies;
And all that's dark and bright
Meet in her aspect and her eyes:
Thus mellowed to that tender light
Which Heaven to gaudy days denies.

One shade the more, one ray the less,
Had half impaired the nameless grace
Which waves in every raven tress,
Or softly lightens o'er face,
Where thought serenely sweet express,
How pure, how dear their dwelling place

And on that cheek, and o'er that brow,
So soft, so calm yet eloquent,
The smiles that win, the tints that glow,
But tell of days in goodness spent,
A mind at peace with all below,
A heart whose love is innocent!

sábado, 15 de março de 2014

Banking games

O último livro do Charles Calomiris é muito bom, cansa um pouco, meio longo, mas vale. Explica detalhadamente o equilibrio politico por trás do surgimento de sistemas bancários em diferentes partes e épocas.

Bancos no norte dos EUA e no sul, no século 19: no norte prevalecia unit banking, sem branching: uma porrada de pequeninos provendo crédito para locais -- bancos pouco diversificados. No sul eram os chartered banks, maiores, com branches -- mais diversificados.

Por quê?

Porque no norte o principal ativo era a propriedade pequena, sem escravos. Assim, o unit bank pequeno, provedor de crédito local, tinha apoio generalizado. Em momentos de choques ruins, ele (banco) não tinha muito que fazer e seguia provendo crédito local, fornecendo uma espécie de seguro via crédito continuado. No Sul, a riqueza principal era em forma de escravos, que podiam ser realocados após choques adversos locais -- diminuindo o benefício de um banco pequeno local que fornecesse essa espécie de seguro. E tinha muito comércio exterior, aumentando o payoff de um mercado de crédito que ligasse mercadores e plantadores desde o litoral até o interior do país -- daí o benefício de branching (o custo de informação dentro de um mesmo banco realizando diversas transações era obviamente menor que no caso de inter diversos bancos diferentes ligando o produtor do interior aos comerciantes nos portos).

sexta-feira, 14 de março de 2014

A pobreza do mercado de aviação brasileiro

Ninguém se surpreenderá com a afirmação de que as passagens aéreas domésticas são caras no Brasil. Elas são mesmo. Um indicador que dá uma ideia apurada do quão relativamente cara elas são é o preço médio das passagens aéreas por kilômetro voado. Os valores para Brasil e EUA são aproximadamente os seguintes:

Brasil: R$ 0,37  (Fonte: ANAC)
EUA: R$ 0,24  (Fonte: Airlines for America)

Qual a explicação para essa diferença de mais de 50%? Nada muito diferente do que explica virtualmente tudo ser 2/3 vezes mais caro aqui no Brasil em relação a EUA/Europa: barreiras à concorrência (invariavelmente criadas pelo governo, como por exemplo a que proíbe a entrada de estrangeiros no setor aéreo), tributos pesados, insumos caros e um ambiente rígido e burocrático de negócios... 

Pobreza e Riqueza Aérea
Para ter uma ideia de como a interação dessas coisas afeta o funcionamento e a densidade de um mercado, dêem uma olhada nas imagens abaixo por favor. Elas foram tiradas do site Flightradar24*. Elas mostram, em tempo real, todos os vôos operando em uma dada região. As imagens abaixo mostram os vôos ontem à tarde (horário de Brasília) em três regiões: América do Sul, Estados Unidos e Europa. 

América do Sul


EUA

Europa

* Thanks Fernando Botelho for the hat tip. 

quarta-feira, 12 de março de 2014

Peixe na água

Mario Vargas Llosa é sempre bom. Em debates e entrevistas, como colunista de jornal, crítico literário e, claro, como romancista. Conheço gente bem sucedida que gostaria de ser Vargas Llosa. É compreensível. Para falar a verdade, eu também gostaria de ser Vargas Llosa, ou ao menos de escrever de maneira tão elegante e clara. Meus livros prediletos do escritor peruano são Conversa na Catedral e Guerra do Fim do Mundo.

Reli recentemente Peixe na Água. Não inteiro. Apenas os capítulos nos quais Vargas Llosa narra a experiência da sua candidatura presidencial em 1990. Nos demais capítulos, que se intercalam, ele retorna no tempo para falar de sua infância, adolescência e dos anos que antecederam sua partida para Paris em 1958 recém casado com tia Julia e animado pelo projeto de se tornar escritor. Vale a pena ler integralmente o livro, mas para quem se interessa por política os capítulos dedicados à incursão de Vargas Llosa pelo mundo da política são imperdíveis. Um mundo estranho a ele que o encantou mas com o qual nunca se entendeu muito bem. Tanto é assim que perdeu a eleição e nunca mais se candidatou a nada. Quem entra de verdade na vida política, ganhando ou perdendo, pensa sempre na próxima eleição.

A estranheza de Vargas Llosa com a política fica logo ressaltada na epígrafe que abre o livro, retirada de A Política como Vocação, de Max Weber, texto clássico e fundamental na Ciência Política: “Os cristãos primitivos também sabiam com muita precisão que o mundo é governado pelos demônios e que aquele que se mete em política , ou seja, aquele que admite utilizar o poder e a violência como meios, selou um pacto com o diabo, de tal modo que deixa de ser verdade que em sua atividade o bom produza apenas o bem e o mau o mal, mas que frequentemente acontece o oposto. Quem não vê isso é uma criança, politicamente falando.”

Vargas Llosa flertou com diabo, mas não selou o pacto. Foi salvo, por assim dizer, não por iniciativa própria, mas porque não conseguiu convencer a maioria dos peruanos a apoiar a radical agenda liberal defendida por ele. Na reta final da eleição foi atropelado por Alberto Fujimori, que poucos meses antes era um desconhecido candidato de ascendência japonesa.

Lendo o relato ex-post de Vargas Llosa fica a convicção de que surpreendente não foi ele ter perdido a eleição, mas sim de quase tê-la ganho, tendo em vista a franqueza empregada pelo escritor na defesa de um programa liberal de A a Z. Se fosse submetido à classificação proposta no site Political Compass, tema de um post de Márcio Nakane neste blog (ver aqui), estaria na quina do quadrante direita-libertária.

Imaginem a dificuldade dele em lidar com representantes do empresariado defendendo a ampla abertura do mercado e o fim de subsídios estatais; com estudantes sendo a favor do fim da gratuidade do ensino superior; com sindicalistas pregando a flexibilização de leis trabalhistas; com políticos, a redução do tamanho do estado.

Chegou tão longe porque o governo de Alan Garcia foi desastroso, porque os peruanos tinham se cansado dos partidos e políticos tradicionais e porque ele conseguiu empolgar a classe média peruana e engajá-la na campanha.

Mas o antiliberalismo do Peru profundo estava à espreita. Ao cabo, ele acabou derrotando Vargas Llosa. Evento que faz refletir a respeito da dificuldade de uma agenda genuinamente liberal se tornar eleitoralmente competitiva na América Latina, Brasil incluso.

Duas características basilares da constituição desses países explicam, a meu juízo, a resistência ao liberalismo: a hipertrofia estatal e a pobreza acompanhada da concentração de renda.

Dois trechos retirados do livro de Vargas Llosa ilustram esses pontos.

No primeiro, ele descreve o ethos mediano dos políticos peruanos: “Conheci muita gente naqueles três anos e, fossem pessoas do litoral, da montanha ou da selva, todas pareciam farinha do mesmo saco. Eram, ou haviam sido, ou irremediavelmente seriam, senadores, deputados, vereadores, prefeitos, subprefeitos. (...) Todos praticavam a filosofia moral sintetizada no seguinte preceito: ‘Viver fora do orçamento do Estado é viver no erro’”.

No segundo, fala de eleitores participantes de grupos de pesquisa qualitativa. “As pessoas convocadas, umas doze, eram homens e mulheres escolhidos entre os mais pobres favelados de Lima. (...) A identificação deles com Fujimori era total e, posso usar a expressão, irracional. (...) Quando lhes perguntaram por que não votavam em mim, ficaram desconcertados por ter que dar uma explicação sobre algo em que nunca haviam pensado. Finalmente alguém mencionou as acusações mais frequentes que nos faziam: o choque econômico e a educação dos pobres. Mas a resposta que melhor pareceu sintetizar o sentimento de todos foi: ‘esse é o dos ricos, não é?’”

E Vargas Llosa, o candidato “dos ricos” e que defendia tirar os políticos do orçamento do Estado, perdeu a eleição. Procurou fazer o que entendia ser o bem para o seu país. O Peru, contudo, ficou por 10 anos nas mãos de um presidente autoritário e corrupto.

Artigo sobre crise na Crimeia

http://www.project-syndicate.org/commentary/sergei-guriev-breaks-down-the-direct-and-indirect-costs-of-russia-s-intervention-in-ukraine

terça-feira, 11 de março de 2014

Fatos sobre violência e homicídio no Brasil e no Mundo

Há um crescente sensação de que há um aumento da violência no Brasil. Os dados mostram que se não houve uma explosão como eventos de maior repercussão midiática podem sugerir, também não houve uma redução da violência -- medida, por exemplo, pelas taxas de homicídio.

Para os que acreditam que a atividade criminal mais violenta (sequestro e homicídios) é quase que exclusivamente uma função da renda (no que parece estar baseada a postura complacente de muitos legisladores), é enigmático que o aumento de renda, os programas de renda mínima do governo e a situação de virtual pleno emprego experimentada nos últimos anos não tenham causado redução na violência. Duas perguntas nesse tema se destacam:

  • O que explica a decisão de cometer crime? 

  • Que políticas deveriam ser implementadas para efetivamente reduzir a violência? 

Em uma série de três posts eu vou tratar do tema crime e tentar dar uma resposta às questões acima -- eu sei que essas promessas de "falar disso no próximo post" são vácuas porque ninguém vai ficar acompanhando pra cobrar, mas promessa pra mim é dívida, e dívida se paga. Enfim, o tema é importante e eu penso que dá para misturar o tratamento padrão em economia pra essas questões com umas coisas meio behaviorais para criar um modelo um pouco mais geral.

Primeiro, alguns fatos
Nesse primeiro post, vou apenas reportar alguns dados que, quando aliados com algum conhecimento sobre as condições institucionais de cada país -- seu sistema penal, existência de leis de controle de armas, níveis de educação da população etc) --, podem fornecer alguns insights sobre elementos (incentivos) de impulsão e controle da atividade criminal.

Gráficos:
1. Taxa de assassinatos por 100.000 habitantes no mundo
2. Taxa de assassinatos em países da América do Sul
3. Quem comete os assassinatos?
4. Evolução de homicídios nos últimos 15 anos, por região.
Update: 5. Homicídios e mudança no cumprimeto da lei (Rule of Law index)


Gráfico 1


Gráfico 2


Gráfico 3


Gráfico 4 (por favor clique nele para expandir)


Gráfico 5


segunda-feira, 10 de março de 2014

Complementando o post do CESG


O equity premium puzzle já não é mais tão puzzling assim. Além das soluções que o CESG mencionou, há outras 3 ainda mais bem aceitas: hábito nas preferências (Campbell e Cochrane 1999), risco de longo prazo (Bansal e Yaron 2004) e alguma forma de aversão a perdas (Barberis, Huang e Santos 2001, por exemplo). Os três fatores estocásticos de desconto que saem desses três modelos apresentam boa variância e assim, o volatility puzzle também já não é mais tão puzzling.

Mas os puzzles de finanças não morreram. Onde há dados, a grande vantagem dessa área, há puzzles! As questões mais atuais estão concentradas na cross-section dos retornos. Alguns ativos (ou conjunto de ativos) pagam retornos maiores do que outros e esses prêmios não são explicados pelos riscos que tradicionalmente conhecemos e aceitamos. Os dois exemplos mais importantes são o value premium e o momentum premium.

Value premium: se você montar uma carteira comprada em empresas com razão book value / market value alta e vendida em empresas com essa razão baixa, você ganha dinheiro. Regra simples, replicável, dinheiro gordo. Risco? Explicação behavioral? Um pouco de cada? Not clear yet.

Momentum premium: se você montar uma carteira comprada em empresas que foram bem no último ano e vendida em empresas que foram mal no último ano, você ganha dinheiro. Regra simples, replicável, dinheiro gordo. Risco? Explicação behavioral? Um pouco de cada? Not clear yet.

(para ver um texto legal sobre isso clique aqui).

Esses dois prêmios, além de alguns outros, são robustos (tempo, países). Valem para o Brasil ou somos uma suculenta jabuticaba? Valem para cá também! Daqui a pouco, very soon, o NEFin (Núcleo de Economia Financeira da FEA-USP) vai começar a divulgar dados sobre o mercado brasileiro que mostram isso, entre otras cositas mas. Aguardem...