Há alguns dias publicamos um post sobre o paper "A Década Perdida", de autoria Vinicius Carrasco (PUC), João Manoel Pinho de Mello (Insper) e Isabela Duarte (PUC). O post teve boa repercussão e uma série de comentários. Os autores gentilmente acessaram nosso blog para responder a esses comentários. Abaixo reproduzimos a resposta.
Resposta
Antes de mais nada queríamos dizer que adoramos o blog, que seguimos sempre com muito interesse. Parabéns aos que contribuem para o blog!
Antes de mais nada queríamos dizer que adoramos o blog, que seguimos sempre com muito interesse. Parabéns aos que contribuem para o blog!
Agradecemos os comentários, sugestões, elogios e, por que não?, críticas.
Tendo em mente o risco da interlocução online com anônimos, decidimos respondê-los porque julgamos que, em sua maioria, são comentários legítimos, feitos por pessoas interessadas no artigo. Vamos levá-los a sério.
Primeiro um esclarecimento para dirimir mal-entendidos, provavelmente pela leitura na diagonal, como vários comentaristas nesse espaço dizem que leram (entendemos, é um troço meio longo). A Turquia é o país que mais parece com o Brasil em nossa análise. Não a China. Esta última parece bastante, mas a Turquia parece bem mais. Em particular, nosso resultado principal de PIB per capita atribui quase 60% de peso para a Turquia e nenhum peso para a China. Portanto, simplesmente não faz muito sentido o comentário – engraçado, admitimos – que deveríamos ter mais intervencionismo porque a China foi melhor. Diga-se de passagem, está fora do nosso escopo opinar sobre o porquê do Brasil ter ido relativamente mal.
A razão pela qual o procedimento escolhe dar muito peso à Turquia é simples: ela emula bem tanto o nível como a trajetória do PIB per capita antes de 2003. Não sabemos se isso é bom ou ruim. Muita gente se incomoda com o fato de que não haver nenhum país latino-americano no resultado principal do PIB per capita. Há um preconceito – no sentido literal da palavra – de que nosso yardstick deveria ser a América Latina, talvez pela proximidade geográfica e cultural. Não tínhamos essa pré concepção. Por que devemos nos comparar com Chile e Colômbia, por exemplo, que são menos industrializados e mais abertos? Ou deveríamos nos comparar à Argentina, pelos laços comerciais? Ou ao México, por ser grande e mais industrializado? Não sabemos responder e, na verdade, o propósito do procedimento é não ter que responder. Achamos razoável a Turquia. Tem nível de renda parecido com o Brasil, é relativamente industrializada. Claro, sempre pode ser racionalização a posteriori.
Alguém disse que “não é muito tranquilo digerir esse "mix ponderado de países" como um grupo de controle adequado.” Pelo nível de generalidade, a crítica normalmente não mereceria resposta (depois vamos falar um pouco mais sobre críticas gerais). Por isso fazemos o exercício de outras formas para o PIB per capita. Por exemplo, a média simples, para tentar dirimir o ceticismo daqueles que têm dificuldade de entender ou aceitar o procedimento. Fazemos também para o grupo de países latino-americanos, para forçar a comparação com a América Latina. Incluindo outros países de renda média-alta (além dos emergentes conforme definição do FMI). Fazemos o exercício incluindo os países de renda alta. A diferença entre o Brasil e os melhores grupos de comparação após 2002 sempre aparece e sempre é algo como 15%. Achamos que isso passa o sarrafo acadêmico normal para estudos com dados não experimentais. Mas, como alguém notou, escrutínio científico dirá quando submetermos o artigo, o que faremos caso não decidamos publicar como livro (o troço é meio longo para artigo).
Viés ideológico?
Houve acusação de ‘ideologismo’, que vamos preferir interpretar como crítica. Não vemos mérito algum nela. É perfeitamente razoável criticar o método, preferivelmente de forma específica. Mas, dado o método, apresentamos fatos. Em pouquíssimas ocasiões fazemos algum julgamento ou interpretação dos resultados, dizendo algo como “foi mal porque foi intervencionista”. Dizemos razoavelmente incontroversas. Exemplo: LRF assentou bases sólidas para a política fiscal; o balanço do setor bancário estava limpo em 2003; as reformas micro do 1o Lula foram importantes. Talvez o mais controverso seja nosso comentário sobre o efeito das políticas setoriais sobre o risco regulatório. Mas, “na boa”, para usar a expressão de alguém, é muito absurdo isso?
Houve acusação de ‘ideologismo’, que vamos preferir interpretar como crítica. Não vemos mérito algum nela. É perfeitamente razoável criticar o método, preferivelmente de forma específica. Mas, dado o método, apresentamos fatos. Em pouquíssimas ocasiões fazemos algum julgamento ou interpretação dos resultados, dizendo algo como “foi mal porque foi intervencionista”. Dizemos razoavelmente incontroversas. Exemplo: LRF assentou bases sólidas para a política fiscal; o balanço do setor bancário estava limpo em 2003; as reformas micro do 1o Lula foram importantes. Talvez o mais controverso seja nosso comentário sobre o efeito das políticas setoriais sobre o risco regulatório. Mas, “na boa”, para usar a expressão de alguém, é muito absurdo isso?
Talvez o colega tenha confundido ‘ideologismo’ com partidarismo. Talvez sejam mesmo. Nestes tempos de demissão do analista do Santander, resultados ruins para algum lado são partidários.
Obrigado pela ideia dos placebos. Em tese é uma ótima ideia. No entanto, os placebos não são particularmente informativos neste caso, por duas razões. Primeira: escolhemos 2003 como tratamento mas o efeito de escolhas governamentais pode demorar. Logo, colocar placebo em datas posteriores não ajuda muito. Segunda: quase todos os anos anteriores têm alguma forma de “tratamento”: 1997 = Ásia, 1998 = Rússia, 1999 = desvalorização, 2002 = Lula.
Sensibilidade aos países que servem como controle
Outra crítica é: o método é sensível ao que se inclui de controle. Todos os métodos não experimentais tendem a ser sensíveis ao que se inclui de controles. Principalmente os controles que importam. Por isso essa crítica, que não é tão geral como a anterior, ainda assim é pouco útil. Além disso, dois comentários. No nosso caso, o controle que mais importa é, em geral, a inclusão da variável de interesse nos outros países como previsor da variável de interesse no próprio país. Portanto, a crítica não é muito relevante na prática. Além disso, entre os vários exercícios de robustez para o PIB per capita, um deles envolve usar os dados da Penn World Table, que tem outros controles.
Outra crítica é: o método é sensível ao que se inclui de controle. Todos os métodos não experimentais tendem a ser sensíveis ao que se inclui de controles. Principalmente os controles que importam. Por isso essa crítica, que não é tão geral como a anterior, ainda assim é pouco útil. Além disso, dois comentários. No nosso caso, o controle que mais importa é, em geral, a inclusão da variável de interesse nos outros países como previsor da variável de interesse no próprio país. Portanto, a crítica não é muito relevante na prática. Além disso, entre os vários exercícios de robustez para o PIB per capita, um deles envolve usar os dados da Penn World Table, que tem outros controles.
Sobre década violada (preferimos ‘violada’ porque o outro termo não é muito adequado para um blog familiar de alto nível como este). Não é nosso objetivo avaliar o desempenho relativo do Brasil nos anos FHC. Mas fizemos: o Brasil andou em linha com o melhor grupo de comparação, talvez um pouquinho melhor. Tivemos que incluir os anos 1980 no pré-tratamento, o que fez com que a coisa que mais se pareça com o Brasil seja a América Latina. Por quê? Não sabemos: talvez porque o efeito da crise da dívida seja algo tão forte que fez com o que só países latino-americanos consigam emular o Brasil nos anos 1980. Os anônimos que disseram que queriam ver o resultado podem nos pedir por email. Teremos prazer em compartilhar. Ah, identificando-se, é claro.
Há a seguinte observação: “Enfim, concordo com o colega acima sobre o exercício de fé que acaba sendo uma tentativa científica como essa.” Novamente, apesar da generalidade, achamos esse um comentário justo. Na verdade, é justo para qualquer tipo de inferência causal com dados não experimentais. Na ausência de variação experimental (natural ou criada), é sempre preciso fazer hipóteses não testáveis de identificação, ou seja, é preciso de retórica, que é outra maneira de dizer fé. Portanto, a observação se aplica não só ao método do controle sintético ou ao nosso artigo, mas à agenda geral de investigação empírica com métodos não experimentais. Com esse nível de generalidade, a observação aplica a MQO, a IV, a diferenças-em-diferenças, aos métodos de matching e, no limite, mesmo aos desenhos em descontinuidade. Mais especificamente, pedimos que atentem para o link abaixo, contém um ótimo artigo de macro com dados não experimentais (há algum experimental?), escrito por alguns dos brilhantes colegas que contribuem para este excelente blog. Ele também é mais fé do que ciência, se formos julgá-lo com a mesma generalidade que o colega está a julgar nosso artigo. Achamos que, apesar das hipóteses de identificação, sempre não falseáveis, o excelente artigo abaixo é uma contribuição muito relevante para o conhecimento econômico.
Por fim, o texto certamente pode melhorar. Pedimos perdão aos leitores e à flor do lácio. Tentaremos produzir algo mais decente brevemente. Mas o desleixo com a forma não se transfere para desleixo com o conteúdo.
Novamente, obrigado pelos comentários.
Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello
"Ideologismo"? Desculpa, mas o comentarista que usou este termo, como dizem os autores, confundiu tudo. Eu diria mais: está contaminado por uma visão viesada e algo mimada, que vê, em críticas, um choque aos seus pré-conceitos.
ResponderExcluirIdeologismo? Honestamente...
Corajoso o artigo, como também a defesa acima. Sobre a "desmelhora" do País, quem não percebe? Orçamento paralelo, capitalismo de compadres, orgia de renúnica fiscal e incentivo à inflação resultam em algo bem conhecido: arrombamento das contas públicas, esqueletos no armário, o que está no horizonte.
ResponderExcluirCaros, eu gostaria muito de ler o artigo mas não estou achando um download que funcione. Obrigado
ResponderExcluirJM e VC,
ResponderExcluirAntes de expor alguns pontos, parabéns pela integridade intelectual de vir aqui debater.
Confesso que nao esperava uma resposta muito diferente. Conhecendo um dos autores, sabia que ele nao ficaria quieto diante de tanta critica (algumas sem noçao, é verdade).
Obvio que existem argumentos a favor de vocês, mas o trabalho, para mim, não convence. Vamos aos pontos.
1- Sobre o método
Quando a técnica de controle sintetico é usada para regioes, estados ou municipios de um mesmo país, embora ainda imperfeita (como todas, é verdade), dá para para fazer um esforço. Afinal de contas, há um denominador comum: mesmo regime macroeconomico, mesma cultura, mesmo sistema politico etc No caso de países, aí fica mais complicado...
Na literatura brasileira, por exemplo, tem um paper que faz uma analise de Cuba vis a vis seu melhor grupo de referência. Agora somos brindados também com o de vocês. Peço aos leitores que comparem esses dois trabalhos com os do Abadie e tirem suas próprias conclusões.
2- Sobre os dados
Vocês usam a base de países em desenvolvimento do FMI e não explicam essa escolha. Parece algo inconstestável, à primeira vista, mas não é. Por exemplo, PIB per capita depende, por definição, do PIB e da população. O Brasil tem o setimo maior PIB do mundo e como sabemos crescimento do PIB tem relação negativa com o nível do PIB (em média). Isto posto, quem figura no grupo de países com maior nível de produto, com honrosas exceções, são exatamente os países desenvolvidos (aqueles que vocês desprezam de partida no artigo).
3- Sobre a publicaçao
Tenho sérias dúvidas de que o trabalho seja aceito em alguma revista de qualidade acadêmica. Nao botem a culpa no tamanho para evitar uma possível publicação. Dá para enxugar e submeter.. Voces conhecem bem, sabem que dá...
4 - Sobre o oportunismo
Desculpem colocar dessa forma, mas lançar este trabalho às vesperas da eleiçao, e levando em consideraçao o posicionamento politico recente de um dos autores no facebook (ok, isso não é muito acadêmico, confesso, mas maximizo a informação disponível para fazer minhas análises), pra mim nao resta duvida: o texto faz parte da campanha eleitoral.
A ideologia salta aos olhos quando, por exemplo, voces abordam uma das grandes bandeiras do PT, qual seja, o bom desempenho do mercado de trabalho. O tom do artigo muda claramente. Nas palavras de voces, "avançamos na margem mais facil, colocar as pessoas para trabalhar". Fala serio, isso nao é nada facil. Desemprego é um problema grave em muitas economias do mundo e sabemos que nao é simples avançar nessa temática. Nas pesquisas de felicidade, por exemplo, desemprego e salario sao as variaves cruciais e governos buscam sim perseguir esses objetivos. Nao reduzam para segundo plano o que deveria estar no primeiro pelotão.
5- Sobre o período
Ao meu ver, a escolha do periodo nao foi casual. Ja que estao prontos os resultados para a decada anterior, por que nao fazer um outro artigo. Garanto que o esforço marginal será pequeno. O fato de isso nao acontecer ja mostra um pouco dos objetivos subjacentes (e aqui voltamos ao tema do oportunismo).
Enfim, o artigo gerou repercussao e isso, ao que parece, era o objetivo de vocês. Ele foi alcançado. Parabéns pela eficácia! E, mesmo discordando, parabens pelo esforço intelectual! Gostaríamos de ter mais economistas como vocês aqui no país...
Att,
Anônimo X
Anônimo X:
ExcluirRespostas rápidas (com criança pulando e bebê chorando, delongas gerarão divórcio):
1) Acredito ser inconteste que devamos utilizar ALGUM grupo de controle para avaliar um governo. Concorda? Se não concorda, acho que não há o que discutir.
Se sim, a pergunta relevante é: qual grupo V. utilizaria? Isso é uma sugestão que pode ajudar um trabalho como o nosso. Críticas, algo genéricas, à inadequação do martelo ao prego são relevantes, mas não fazem com que o prego desapareça.
Dada a virtual impossibilidade de termos acesso a dados experimentais, caso queiramos responder a perguntas como as do artigo, devemos fazer alguma escolha. Qual V. faria?
Talvez não queiramos responder a tais perguntas. Neste caso, só encontraremos as chaves em lugares em que tenham sido perdidas sob a luz, para usar parábola cara a nós, economistas.
Quanto a ler o Abadie, sempre.
2) Ver figuras 7 e 8. Talvez sua sugestão seja usarmos, como grupo candidato, todos os países para os quais haja dados. Muitos fizeram essa sugestão; o faremos.
3) Desisti de fazer previsões quanto a publicações. O paper do qual mais gostam (rendeu-me, do Myerson, o maior elogio que já tive) está há seis anos num RR no Restud porque os referees insistem em pontos que me parecem de segunda ordem (numa literatuta que tem, no máximo, quatro papers). Papers mais vagabundos tiveram maior (e mais rápido) sucesso em termos de publicação.
Submeremos, sim. Não sabemos em que forma ou para quais periódicos, mas submeteremos.
PS.: Papers são como filhos: encontrarão seu lugar no mundo da ideias. Meu paper médio será um Rafael Pilha, para desgosto do pai.
4) Esta, por não relacionada a nenhuma hipótese ou a nenhum resultado do artigo é a parte que mais me incomoda. Incomodaria se V. dissesse que o artigo é oportunista (corolário imediato do uso do termos oportunismo) e assinasse nominalmente. Não tenho problema com comentários agressivos trabalhos meus. Se vierem de alguém que se identifique.
PS.: Seu comentário sobre o parágrafo em questão é well taken.
PS1.: Das poucas coisas sábias que fiz na vida, a mais sábia que fiz foi ter saído do FB no início de 2007. Para inferir minhas preferências, terá que ir para outra rede social (não, não é o Tinder).
5) Também nos sugeriram isso no seminário no IBRE (no qual também sugeriram que consideremos todos os países). Justo (fizemos um exercício p/ o governo FHC, mas estendermos o exercício).
O artigo só repercutiu aqui, gabola :)
Abraços a todos do Blog e obrigado ao Sergio e ao Mauro pelos posts,
Vinicius
Acabo de ver que faltou uma vírgula e um "menos" no ponto 4). Leia-se:
ExcluirEsta, por não relacionada a nenhuma hipótese ou nenhum resultado, é a parte que mais me incomoda. Incomodaria menos...
Vinicius
Crescimento é correlacionado com nível do PIB?!
ResponderExcluirÉ sim, especialmente o nível do PIB no período anterior. Alias, é assim que se analisa se os países estão convergindo (relação negativa).
ExcluirExcelente discussao. Esse blog é o melhor de Economia!
ResponderExcluirBjs
Joana
Mesma linha do Holland no debate de domingo passado na Globo News, ou seja, não aceita comparação com America Latina pois o ideal é comparar com os desenvolvidos. O pessoal do governo acho mesmo que isso cola junto à academia e ao mercado? Diz aí, fera?!
ResponderExcluirO comentário acima se refere ao seguinte trecho do Anonimo X:
Excluir"O Brasil tem o setimo maior PIB do mundo e como sabemos crescimento do PIB tem relação negativa com o nível do PIB (em média). Isto posto, quem figura no grupo de países com maior nível de produto, com honrosas exceções, são exatamente os países desenvolvidos (aqueles que vocês desprezam de partida no artigo)."
http://mobile.valor.com.br/opiniao/3631522/retorica-da-comparacao
ResponderExcluirNao costume ler os artigos desse Jose Luis Fiori, mas acho que esse vai ao encontro do que esta sendo discutido aqui...
ResponderExcluirO cara pega desde 2004 (por que não 2003?), e ainda não mostra Colômbia nem México.
Excluirhttp://www.infomoney.com.br/mercados/noticia/3497050/belluzzo-diz-que-dificil-impedir-recessao-que-proximo-governo-tera
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