segunda-feira, 17 de março de 2014

Convergência

Na semana passada houve um pequeno debate aqui nesse blog sobre as contribuições de Robert Barro. Nesse post decidi recuperar um pouco da literatura da década de 1990 sobre crescimento empírico. Quero enfatizar uma contribuição fundamental (em minha opinião) de Barro, juntamente com Xavier Sala-i-Martin, que nos informa sobre a adequação do modelo neoclássico de crescimento (Solow, Cass-Koppmans) para entender uma das questões mais antigas e importantes em Economia: por que alguns países são ricos e outros são pobres?

O modelo neoclássico de crescimento pressupõe que o retorno do capital decresce à medida que o estoque desse insumo aumenta (ou seja, retornos marginais decrescentes). Isso significa que investir $1 em um país pobre (com pouco capital) gera mais crescimento da renda per capita do que investir $1 em um país rico (com muito capital). Em outras palavras, para uma cross-section de países, deveríamos observar uma correlação negativa entre nível inicial da renda per capita e taxa de crescimento subsequente (fenômeno conhecido como convergência absoluta). Dessa forma, a diferença de renda entre países seria reduzida ao longo do tempo.

O problema é que isso não se verifica nos dados. As diferenças de renda per capita entre países são gigantescas. E permaneceram assim nas últimas décadas. O gráfico abaixo mostra uma cross-section com renda per capita em 1960 no eixo horizontal, e crescimento da renda per capita entre 1960 e 1997 no eixo vertical (cada ponto é um país). Se convergência absoluta valesse, deveríamos observar uma correlação negativa entre as variáveis no gráfico. Mas a correlação é na verdade praticamente igual a zero.

Fonte: Jones, C. "Introduction to economic growth"





















À primeira vista, isso parece indicar que o modelo neoclássico não é um bom referencial para entender diferenças de renda entre países. Modelos alternativos (como os do tipo AK) fogem da hipótese de retornos marginais decrescentes, e prevêm que a correlação entre renda inicial e crescimento subsequente é nula.

Mas nem tudo está perdido...

Na verdade, o modelo neoclássico implica que, se analisarmos países semelhantes (em termos de tecnologia, instituições, política econômica, etc.), os pobres crescerão mais rápido que os ricos. O problema no gráfico acima é que os países são potencialmente muito diferentes. Há um sério problema de variável omitida que não deixa que observemos a correlação negativa entre renda inicial e crescimento subsequente: nações mais ricas tendem a ser mais produtivas (têm instituições melhores, educação e saúde de melhor qualidade, governos mais responsáveis etc.); e produtividade está associada tanto a uma renda inicial mais alta, como a um crescimento mais rápido.

Uma forma de contornar esse problema consiste em analisar países em tese mais parecidos. A estratégia clássica é olhar não para países, mas para regiões de um mesmo país. Nesse caso, diversos fatores são comuns às unidades da cross-section, reduzindo o problema de omissão de variáveis. Daí a correlação negativa entre renda inicial e crescimento aparece! Abaixo gráfico dos estados americanos no período 1880-1988, retirado de Barro & Sala-i-Martin (BPEA, 1992).


Esse padrão tende a se repetir em vários contextos semelhantes (regiões europeias, prefeituras japonesas etc). Tem inclusive um paper recente (Miguel & Roland, JDE 2011) mostrando que, no Vietnã, os distritos que sofreram bombardeios americanos mais severos na guerra não são hoje mais pobres do que os demais locais. Ponto para o modelo neoclássico.

De volta aos dados de países

Nos dados de países, se o problema são as variáveis omitidas, a solução é: levar essas variáveis em consideração. Na linguagem da econometria, precisamos de uma regressão múltipla, em que a taxa de crescimento é a variável a ser explicada, e renda per capital inicial é a variável independente. Além disso, inclui-se um conjunto de controles na regressão, como gastos do governo, nível educacional médio da força de trabalho, expectativa de vida (proxy para saúde) etc. Isso torna os países comparáveis nessas dimensões.

Nesse caso, temos um novo conceito: convergência condicional. Especificamente, para dados valores das variáveis de controle, países inicialmente mais pobres crescem mais rapidamente que países mais ricos, em média. Na regressão acima referida, o coeficiente da renda inicial deve ser negativo, caso convergência condicional seja verificada.

E isso é de fato observado nos dados! Quando incluímos controles na regressão, o coeficiente da renda inicial (que era positivo e não significante) torna-se negativo e bastante significante.

O que aprendemos?

Os achados acima sugerem que o modelo neoclássico é útil para estudar diferenças de renda entre países. O nível da renda per capita de longo prazo (e sua dispersão entre países) vai depender, então, das variáveis de controle. Por exemplo, o coeficiente da variável anos médios de estudo é em geral positivo e significante. Isso indica que países com maior nível educacional terão renda per capita mais elevada de longo prazo, em média.

Na literatura, principalmente ao longo da década de 1990, diversos papers foram escritos utilizando o instrumental de Barro e Sala-i-Martin (as chamadas Barro regressions), porém adicionando os mais variados controles (índices de democracia, religião, crédito, gastos públicos e sua composição, taxa de inflação etc.).

O grande problema é: não dá para extrair implicações causais dos coeficientes dos controles. Deve haver uma razão mais profunda para que determinados países invistam pouco em educação ou adotem políticas ruins e, ao mesmo tempo, sejam pobres. Não dá para responder a questões do tipo: se a educação da Tanzânia fosse igual à da Noruega, quanto seria a renda per capita da Tanzânia? Dessa forma, acredito que não aprendemos muito olhando para esses coeficientes (nos quais boa parte da literatura se concentrou).

Mas, em minha opinião, a evidência de convergência condicional (o coeficiente negativo da renda inicial) é importante e sobreviveu ao longo dos anos. Ela nos informa que o modelo neoclássico é útil para entender diferenças nos níveis de renda per capita entre países. E, de certa forma, abriu caminho para a literatura mais recente, que busca descobrir as causas fundamentais por trás dessas diferenças (como, por exemplo, as contribuições de Acemoglu, Johnson e Robinson).

7 comentários:

  1. Há uma nova discussão nos comentários do blog: A irrelevância ou não dos modelos de RBC

    No mais belo post, eu conheço o livro dele com o Martin, um livro muito bom aliás.

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    1. "Irrelevância"? Mas quem é prepotente o suficiente para dizer tamanha estupidez? Ninguém aqui discute isso. Você é que ta querendo pular etapas e não entende as discussões.

      E é Sala-i-Martin -- numa coisa só, e não Martin.

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    2. Bom, eu também acho um absurdo mas avisa isso ao anônimo lá da discussão.

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  2. não entendi, marcelo. que livro é esse?

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  3. https://mitpress.mit.edu/books/economic-growth

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  4. Olha um outro controle interessante:

    https://helda.helsinki.fi/bitstream/handle/10138/27239/maleorga.pdf

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    1. Não to acreditando que aceitaram esse título HUASHUAHUSHAUSUHAS

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