terça-feira, 27 de maio de 2014

Comércio: "Casar com pobre não adianta"


Quando o assunto é acordo de comércio, "casar com pobre não adianta". É o que diz Vera Thorstensen (FGV) sobre a situação brasileira em entrevista sem papas na língua à Carta Capital. Alguns trechos:

Carta Capital: Qual a situação do Brasil em relação aos acordos comerciais?
Vera Thorstensen: Política de comércio externo no Brasil não existe, virou apêndice de uma política industrial inexistente. Você não pode separar política industrial da comercial; como não tem a primeira, a segunda virou um remendo. Sintomas de que as coisas não estão bem: uma exportação que está diminuindo, uma importação que está subindo. O que o Brasil exporta é puramente commoditie para a China. Industrializados, o que conseguia exportar para o mundo não exporta mais, só para o Mercosul porque tem a preferência.
CC: Com quais países o Brasil deve fazer acordo?
VT: Com os grandes, não adianta casar com pobre. Ficar isolado é se afundar cada vez mais. Há o exemplo da Argentina. Para mim, ficar atrelado ao Mercosul é a morte, é afundar o Brasil de vez. Onde estão os problemas da indústria internamente? Falta de competitividade, excesso de impostos, de encargos trabalhistas em comparação com outros países, custos de energia dos mais altos, custos do atraso da infraestrutura. Como sai disso? Enterrar a cabeça no chão como a avestruz não resolve.
CC: E os acordos?
VT: Vamos ver o que está acontecendo com o mundo. Você tem 160 membros na OMC e a negociação parou. Por que? EUA e UE disseram: é muito complicado com 160 países e vamos fazer a “OMC Transatlântica”. Estão criando o TTIP, que é uma OMC transatlântica. O que o americano faz? As regras que tem na OMC já estão estão ultrapassadas, porque desde 1994 não tem negociação. Eles tentaram fazer alguma coisa em Doha, já desistiram e estão jogando tudo na Transatlântica. Há necessidade de criar regras novas de investimento, meio ambiente, de concorrência, trabalhistas, economia e comércio digitais, é tudo novidade e não vai sair na OMC. Os EUA não conseguem fazer isso em Doha porque ela está muito mais preocupada com os países em desenvolvimento. Então chamaram a Comunidade Europeia para a definição de um novo patamar de comércio. E tem propriedade intelectual (querem passar para 90 anos) e aí o pessoal chia, quebra de patentes e a cláusula investidor Estado. Tudo isso.
CC: Há impactos enormes para o Brasil.
VT: Brutais. Propriedade intelectual é um tema sensível para a gente e outro é o problema da cláusula investidor-estado. Leva o investidor estrangeiro aqui no Brasil para julgamento contra o Estado. O investidor tem direito a ressarcimento porque você mudou uma lei. O americano inventou isso por causa do México.
CC: É uma regra do Nafta...
VT: Mas a Austrália já disse que no TTP ela não aceita isso. Você não fazer nada com medo disso, não aceito esse argumento. O Brasil é forte e grande o suficiente. Se a Austrália conseguiu, porque nós não conseguiríamos? Os dois grandes acordos mencionados estão mudando a geopolítica. Não contêm só visão de comércio, há uma visão geopolítica também. O TTP é claramente Estados Unidos dizendo aos países para não ficarem amarrados à China. Eles produzem componentes, a China monta e exporta para o resto do mundo. Portanto a China foi fator para o TTP e o é para o TTIP, porque está tirando todo mercado de produtos industrializados da Europa nos Estados Unidos.
CC: Assim como tira mercado do Brasil na Argentina...
VT: Claro. Então você tem dois acordos novos que são importantes e estão estabelecendo as regras e o Brasil só está na OMC. Há uma proliferação dos acordos regionais e o Brasil está fora. O Mercosul está shrinking, diminuindo. Há um acordo que nem ratificou com a África do Sul e envolve 400 produtos, outro com a Índia envolvendo 460 produtos de cada lado. Desde quando países em desenvolvimento conseguem exportar uns para os outros? Não conseguem, porque produzem as mesmas coisas. Então é dificílimo conseguir algum resultado significativo, esse é que é o problema. O Chile faz com os Estados Unidos porque são muito complementares, os africanos fazem com a UE. Mas Brasil e Índia não sairão desses 460 produtos, o restante é sensível demais. Como é que fica?
Fonte: Carta Capital (entrevista completa aqui)

7 comentários:

  1. Mesma ladainha de sempre: exportar é bom, importar é ruim. Nas entrelinhas, comércio como uma disputa, um jogo de soma zero. E o consumidor passa longe da discussão.

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    1. Desculpa, mas você não leu e não conhece a posição da Vera. O ponto dela é justamente que exportar é bom e importar é bom. Um dos pontos dela (além de ser a favor de acordos comerciais com "ricos") é "vamos importar e reexportar".

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    2. Olha o que ela diz logo no começo:
      "Sintomas de que as coisas não estão bem: uma exportação que está diminuindo, uma importação que está subindo."
      Isso não significa que exportar é bom, e importar é ruim?

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    3. Anônimo das 18:31
      Realmente, eu fui olhar e ela disse isso. Mas um dos ponto dela é justamente aumentar as exportações e as importações, ou seja, importando para reexportar. Ela deseja a abertura da economia.

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  2. Mauro, você não entendeu nada! Precisamos proteger nossa indústria e o emprego das pessoas (você precisa escutar mais o Dep. Vicentinho, que corretamente propôs lei para proibir organismos públicos de comprar livros importados).

    Logo se vê que você não fez microeconomia marxiana. O ditador verdadeiramente benevolente dá peso zero para o excedente do consumidor, porque é o produtor que gera emprego! É por isso que só nos interessa vender.

    Esperava um pouco mais de erudição - e coração! - de sua parte porque como diria o Jon Elster: "não há economia sem emoções".

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