domingo, 18 de maio de 2014

Lapso lulista


Lula está falando pelos cotovelos ultimamente. Normal e esperado. Estamos nos aproximando de uma eleição cercada de incertezas e riscos para o PT. E Lula é indiscutivelmente o comandante maior do PT e das forças políticas e sociais que rodeiam o petismo. Até por conta disso – mas não apenas por isso – é importante prestar atenção ao que ele diz.

Neste sábado, uma declaração de Lula em entrevista a blogueiros, a segunda dirigida a esse segmento da mídia em menos de um mês, virou manchete da Folha: “Para Lula, cobrar metrô em estádio é babaquice”. A frase integral, conforme transcrita pela Folha, é a seguinte: o brasileiro "nunca teve problema em andar a pé": "Vai a pé, descalço, de bicicleta, de jumento, de qualquer coisa. Mas o que a gente está preocupado é que tem que ter metrô, tem que ir até dentro do estádio? Que babaquice é essa?".

O site do PT colocou em destaque texto crítico à Folha (aqui). O jornal, argumenta o autor (Leandro Fortes), preferiu deliberadamente enfatizar uma declaração pouco importante – “uma fala paralela”, de acordo com Fortes, “colocada dentro de uma circunstância de informalidade muito típica dos discursos de Lula, sem nenhuma relevância” –, ao invés de abordar o tema mais importante da entrevista:  a defesa da “aprovação do marco regulatório contra o monopólio dos meios de comunicação no Brasil”.

Fortes, em parte, tem razão. Lula disse coisas relevantes a respeito do marco regulatório, tema por si importantíssimo, saliente para a esquerda e para a direita. Mas a frase “paralela” pinçada pela Folha merecia ser destacada, justamente porque foi um lapso. Ou seja, uma frase paralela e informal, despida das intencionalidades e racionalidades políticas que recobrem as declarações de Lula acerca do marco regulatório das comunicações. Nesse sentido, ela revela o que vai fundo na alma lulista e petista a respeito do mau humor do brasileiro em relação à Copa, sentimento despertado, entre outras coisas, porque, ao contrário do que presidentes, governadores e prefeitos prometeram, as tais obras de mobilidade urbana, incluindo alguns metrôs à beira de estádios, não ficaram prontas antes da Copa do Mundo.

O mau humor é injustificado e exagerado pensam Lula e o PT. Fizeram tanta força para trazer a Copa ao Brasil e recebem em contrapartida tantas críticas. Soa a ingratidão. Não por acaso, a frase de Lula manchetada pela Folha ecoa declaração feita há alguns meses por Gilberto Carvalho, considerado o principal representante do ex-presidente no governo Dilma, a respeito dos protestos de junho. Segundo Carvalho, “houve quase que um sentimento de ingratidão, de dizer: 'fizemos tanto por essa gente e agora eles se levantam contra nós'".

A frase remete também à dificuldade crescente de Lula e do PT em lidar com os que ascenderam à chamada nova classe média durante os anos lulistas, um dos fatos mais propagandeados pelos petistas na campanha de 2010. Os protestos de junho passado e a queda de Dilma nas pesquisas neste ano indicam que parte importante desse contingente não se tornou inexoravelmente fiel ao petismo. No léxico petista, parecem estar se rendendo ao conservadorismo da tradicional classe média, aquela vilipendiada por Marilena Chaui (ver aqui) algum tempo atrás. São, consequentemente, eleitores potencialmente disponíveis à oposição.

É gente que, após ter comprado uma televisão de várias polegadas, um carro decente, um smartphone, viajado de avião pelo Brasil e, em alguns casos, até pelo exterior, não quer mais andar à pé, descalço e de jumento. Quer metrô na porta dos estádios e educação e saúde padrão Fifa.

Um comentário: