sexta-feira, 9 de maio de 2014

Por que as mulheres ganham menos do que que os homens? Uma explicação "comportamental"


Há tempos que os economistas estão interessados em entender o porquê das mulheres ganharem menos do que os homens mesmo em ocupações equivalentes -- há uma extensa literatura empírica sobre o tema que data (uma revisão da "1º geração" dessa literatura pode ser vista aqui e aqui; evidência empírica recente pode ser vista aqui e aqui).


O gráfico abaixo dá uma ideia do fenômeno. Ele mostra o salário médio das mulheres como proporção do salário médio dos homens em uma série de ocupações. Note que o abismo salarial praticamente inexiste em ocupações como embaladora, auxiliar contábil e policial, mas aumenta brutalmente em ocupações de gerência/chefia no setor financeiro. Os dados são dos EUA mas esse gap salarial entre homens e mulheres é universal (veja evidência, por exemplo, para países europeus aqui).

Fonte: The Economist

Explicações Econômicas
Como virtualmente qualquer fenômeno sócio-econômico, há uma variedade de fatores explicativos; uns com mais importância do que outros: (a) diferenças institucionais na fixação de salário mínimo, (b) mudanças tecnológicas e nos padrões de demanda, (c) leis anti-discriminatórias (os "Equal Pay Acts" que surgiram nos EUA e no Reino Unido nos anos 60/70) etc. Isso importa. Mas há duas explicações que os economistas elegem como as principais: (1) diferenças observáveis em habilidade/qualificação/experiência e (2) discriminação no mercado de trabalho.

A ideia aqui, como vários estudos empíricos feitos por economistas mostram, é que uma grande porção das diferenças salariais entre homens e mulheres -- frequentemente noticiadas na imprensa com grande alarde e sem as devidas qualificações -- desaparecem quando essas diferenças de habilidade/qualificação são levadas em consideração. As diferenças remanescentes dariam então uma medida aproximada das reais diferenças salariais entre homens e mulheres devido a práticas discriminatórias no mercado de trabalho em favor dos homens.

Essas duas explicações principais não são obviamente exclusivas e quase certamente interagem entre si nas duas direções: discriminação no mercado de trabalho tende a desestimular as mulheres a investirem em mais qualificação e a qualificação mais baixa das mulheres tende a reforçar a discriminação das mesmas no mercado de trabalho.

Uma Explicação da "Economia Comportamental"
Alguns economistas "comportamentais/behavioristas"* (economistas que, in short, estão interessados em reformar/enriquecer a parte individual decisória/psicológica dos modelos econômicos) cogitaram outra explicação: ao menos parte do gap salarial seria explicado também pelas diferenças de competitividade entre homens e mulheres (veja o paper de David Card e colegas, "linked" acima, mostrando evidência de que diferenças no "poder de barganha" explica um pedaço pequeno -- cerca de 10% -- das diferenças salariais entre homens e mulheres). A ideia aqui é que homens e mulheres respondem diferentemente à contratos de trabalho onde os salários são determinados com base em performance relativa.

O Que diz a Biologia?



Diferenças de competitividade entre sexos são bem documentadas na literatura de biologia evolucionária -- o chamado "Princípio de Bateman ", segundo o qual o sucesso reprodutivo dos machos de uma dada espécie depende de competição uns com os outros pela maximização do número de fêmeas fertilizadas; enquanto que o sucesso reprodutivo da fêmea depende apenas da qualidade da prole; essas diferenças explicariam os estereótipos sexuais de que os machos são promíscuos e as fêmeas "seletivas".

Há também evidência de que essas diferenças de competitividade entre gênero se manifestam entre seres humanos em contextos econômicos.

Experimentos
Uri Gneezy (Univ. of California - San Diego) foi um dos primeiros a testar essa hipótese. Gneezy, vale mencionar, publicou recentemente, junto com John List (Univ. of Chicago), uma espécie de Freakonomics 3 -- "The Why Axis: Hidden Motives and the Undiscovered Economics of Everyday Life"; clique no link do livro para ver resenhas do livro na Amazon).

Experimento com crianças



Já em em 2004, Gneezy e Aldo Rutischinni (Univ. of Cambridge) fizeram um experimento de campo no qual eles procuram testar se cenários competitivos melhoram a performance dos homens mas não das mulheres. O estudo envolveu uma amostra de crianças entre 9 e 10 anos. As crianças corriam um circuito de 40m duas vezes. Na primeira vez, elas corriam só. Na segunda vez, os alunos corriam em pares. A professora formou pares com base no tempo: a primeira dupla de estudantes mais rápidos, depois a segunda dupla de estudantes mais rápidos e assim sucessivamente. Os pares eram formados independente do sexo. Um grupo de estudantes correu pela segunda vez novamente só, o que serviu para para fornecer um grupo de controle. O resultado foi que, em condições competitivas, a performance dos garotos melhorou e a das meninas piorou (o artigo foi publicado na American Economic Review e pode ser visto aqui).

Experimento com tribos



Gneezy e John List fizeram outro estudo de campo para testar examinar diferenças de competitividade entre homens e mulheres. Dessa vez eles analisam o comportamento de duas tribos -- uma matriarcal na Tanzânia e outra patriarcal na Índia. O experimento ao qual os membros dessa tribos foram submetidos era simples: tudo que eles tinham que fazer era selecionar um esquema de remuneração pela participação em um jogo simples: jogar bolas de tênis em um balde. Um esquema remunera o membro do grupo por cada lançamento certeiro de bola dentro do balde independente da performance do participante no outro grupo -- eles foram informados que um outro grupo da tribo estava, em outra localidade, jogando o mesmo jogo. O outro esquema paga três vezes mais por lançamento certeiro da bola dentro do balde que ultrapassa o número de lançamentos corretos do outro participante.

O que eles acham é surpreendente: na sociedade patriarcal, os homens eram mais competitivos que as mulheres. Mas já na sociedade matriarcal, as mulheres eram muito ais competitivas que os homens. O resultado ilustra, em certo sentido, como a "cultura" de uma sociedade influencia o comportamento de seus membros (o artigo foi publicado em 2009 na Econometrica e pode ser visto aqui)

Experimento na internet



Gneezy e colegas (Jeffrey Flory de Maryland, Andreas Leibbrandt e John List de Chicago) fizeram recentemente mais um experimento para testar essa história de que homens e mulheres exibem preferências distintas por esquemas competitivos de remuneração. Eles anunciaram em um dos maiores sites de classificados dos EUA (Craiglist) uma vaga para uma posição de assistente administrativo. 6.799 mil candidatos manifestaram interesse.

Havia dois tipos de anúncio. Em um anúncio, as pessoas eram informadas que receberiam um salário fixo (US$ 15/hora). No outro anúncio, as pessoas eram informadas que receberiam US$ 12/hora  e que competiriam com outro colega por um bônus (em um tratamento o bônus chega a US$ 6). O resultado foi consistente com os estudos mencionados anteriormente: quando o contrato de remuneração se fia na performance relativa, o conjunto de candidatos vai ficando crescentemente dominado por homens. O resultado desse experimento sugere que ambientes competitivos de trabalho terão um "gap de gênero" simplesmente porque as mulheres são mais propensas a se selecionaram "para fora" desse tipo de regime de trabalho.

O interessante é que não essa diferença não surge porque os homens gostam de competir e as mulheres não. Os autores mostram que ambos não gostam, mas que as mulheres demonstram uma aversão mais forte. O artigo, e uma série de outros detalhes, pode ser visto aqui.

Discriminação ou heterogeneidade?
Ninguém duvida que existe discriminação de gênero em uma série de contextos. No mercado de trabalho essa discrimnação muitas vezes toma a forma de diferenças salariais. Mas o "braço" da literatura empírica em economia que investiga essa questão tem sistematicamente mostrado que a porção dessa diferença salarial causada efetivamente por discriminação é bem menor do que se acreditava.

É possível acabar com a discriminação salarial entre gênero?
Sim. Mas a questão aqui é: quanto custa? Quanto a "sociedade" está disposta a pagar? Da mesma forma que não é economicamente vantajoso acabar com toda a poluição/crime/consumo de droga do mundo (o custo dessas coisas vai ficando proibitivamente maior quando vai se aproximando de zero), talvez tenhamnos que infelizmente aprender a tolerar um pouco desse mal também.

8 comentários:

  1. Caramba, interessantíssimo os resultados apresentados nesse post Sérgio!
    Uma pergunta apenas, supondo que um policy maker almejasse corrigir esse gender gap. Como ele poderia fazê-lo?

    Em outras palavra como incentivar mulheres a serem mais competitivas?

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  2. Na última AER, tem um artigo de Claudia Goldin, no qual ela argumenta que as diferenças salariais entre gêneros poderiam ser largamente reduzidas se houvesse maior flexibilidade na carga horária e a estrutura remuneratória não recompensasse desproporcionalmente mais quem passa mais horas no trabalho. Não sei se consegui resumir e traduzir bem o cerne do artigo, mas o resumo é este:
    The converging roles of men and women are among the grandest advances in society and the economy in the last century. These aspects of the grand gender convergence are figurative chapters in a history of gender roles. But what must the "last" chapter contain for there to be equality in the labor market? The answer may come as a surprise. The solution does not (necessarily) have to involve government intervention and it need not make men more responsible in the home (although that wouldn't hurt). But it must involve changes in the labor market, especially how jobs are structured and remunerated to enhance temporal flexibility. The gender gap in pay would be considerably reduced and might vanish altogether if firms did not have an incentive to disproportionately reward individuals who labored long hours and worked particular hours. Such change has taken off in various sectors, such as technology, science, and health, but is less apparent in the corporate, financial, and legal worlds.
    Saiu uma reportagem no NY Times também sobre as diferenças salariais entre gêneros e a flexibilidade da carga horária em diferentes setores recentemente, acredito que em muito inspirada no artigo citado acima.

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  3. Belo post. Muitos detalhes.

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  4. Elas vao te pegar...
    https://www.youtube.com/watch?v=pEQruB_eGcE

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    1. Você já viu a EXCELENTE sátira que fizeram dessas garotas? Dá uma olhada e morra de rir:

      https://www.youtube.com/watch?v=WnGjeHtaryw

      "Feminista, rainha do tanque. Venha faxinar, pegue o seu sabão , esfregue direitino, vai limpando até o chão". kkkk

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    2. Fenomenal mesmo! hahaha

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  5. O Glenn Loury tem uns modelos de jogos pra explicar desigualdade racial que podem muito bem serem usados pra explicar isso. Eu nao compro muito essas teorias de behavioral, basicamente pq qualquer diferenca pode ser uma solucao de equilibrium que difirencia agentes iguais por beliefs diferentes... To com preguica de explicar as teorias dele aqui, mas me parece bem mais plausivel que essas regressoes de labor. (vies teorico aqui)

    De quaquer forma, legal o post.

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  6. Excelente post, Sérgio. Conhecia apenas parte da evidência experimental mencionada. Seria interessante tentar realizar experimentos nestes moldes para o contexto nacional.

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