quinta-feira, 29 de maio de 2014

Regras vs Discrição no Orçamento da USP



A USP é uma instituição antiga e bem burocrática: comissões, congregações, conselhos, colegiados, ad-referendum... A gente acaba aprendendo um novo vocabulário quando começa a participar de trabalhos administrativos por aqui. É tudo demorado e requer aprovações em múltiplas instâncias. Isso sem falar nos processos em papel.

Difícil defender mais engessamento na USP. Mas é justamente isso o que vou fazer aqui.

José Goldemberg foi reitor da USP entre 1986 e 1990. Naquela época o orçamento deixou de ser atrelado diretamente aos cofres do Estado, e passou a ser determinado por uma fração da arrecadação do ICMS. Em entrevista ao Estadão do último domingo, Goldemberg disse que, a partir dali, definiu-se uma regra de bolso de que não se gastaria mais de 80% dos recursos em folha de pagamento.

Mas isso foi quebrado na gestão do último reitor (Rodas), supostamente contribuindo para atual crise financeira da USP. Goldemberg se diz arrependido de não ter colocado esse limite de gastos no decreto que definiu os repasses do ICMS. Isso teria dificultado gastos excessivos como os da gestão anterior, mitigando o aperto sobre o orçamento atual.

Não sei se exatamente um teto de 80% no gasto com pessoal, mas concordo com a ideia de limitar oficialmente a despesa. E esse limite precisa ser uma regra dura, que não possa ser alterada pela própria USP. Nesse sentido, uma simples norma da universidade não resolve, pois ela pode ser revogada frente a pressões. Eu iria além: talvez, como na lei de responsabilidade fiscal, criar mecanismos que punam criminalmente o dirigente que atue de forma irresponsável com as finanças da instituição (para aumentar substancialmente o custo de desviar da regra).

Na verdade, isso remete à questão de regras versus discrição, aplicada a política monetária, taxação e até em negociações com terroristas. Como na Odisseia de Homero, Ulisses se amarra ao mastro da embarcação para não sucumbir ao canto das sereias. Isso corresponde a uma regra dura, que o impede de tomar uma decisão equivocada no futuro.

Note que o engessamento da despesa tem um custo claro: você não pode se adaptar a choques. No caso da USP, tais choques podem ser bem voláteis, pois o orçamento flutua com a arrecadação do Estado. Por conta da regra, isso forçaria uma variação correspondente nos gastos da universidade, o que pode ser complicado pois salários não são facilmente ajustáveis. Mas acho que dá para mitigar esse problema, ao requerer que a média dos gastos no mandato de cada reitor não ultrapasse o limite, possibilitando ajustes dentro do período de 4 anos. Isso é análogo ao caso de metas de inflação, em que a meta deve ser respeitada ao fim de um dado período, e não a todo o tempo, o que permite que a política monetária responda a choques temporários.

E esse engessamento pode desestimular greves. Como potenciais grevistas sabem que há menos flexibilidade no orçamento e que a chance do dirigente ceder a pressões é mais baixa, o incentivo a fazer greve diminui.

Agora, não sei se há instrumentos legais para responsabilizar criminalmente dirigentes irresponsáveis. Alguma ideia?

7 comentários:

  1. Mauro, fugindo um pouco à pergunta, não há por parte da adusp alguma campanha de responsabilização ao Rodas? Quero dizer, ele vai sair impune à (perdoe meu francês) cagada que foi feita?

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    1. Putz, não tô sabendo. Mas nesse caso, qual seria a acusação? De que ele gastou muito dinheiro com os professores? Que contratou gente demais?

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  2. Uma ideia interessante Mauro, legal o post. Mas será que algo mais simples, do tipo transparência na gestão dos recursos, já não dá conta do problema? Extrapolando o seu raciocínio, porque nao deveriamos engessar com uma regra dessas qualquer repartição pública dotada de orçamento? Acho que não é claro que isso seja bom. O conselho da universidade já não deveria ter a função de supervisionar o trabalho do reitor e sua equipe? Parece-me que foi mais um problema de mecanismo mal implementado do que falta de um.

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    1. Obrigado.

      Mas já há regras no setor público. Vide a lei de responsabilidade fiscal. E a USP tem orçamento muito maior que vários municípios brasileiros.

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  3. A USP andou inaugurando novos campi, isso consequentemente demanda mais pessoas. Se não havia previsão de crescimento do orçamento, o erro foi querer fazer a USP crescer. Além disso, há o problema dos servidores públicos: arcar com a extensa folha de aposentados por décadas e décadas. Uma hora iria estourar.

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    1. Nos últimos anos foi aprovado também um esquema de progressão de professores. Como muita gente mudou de regime ao mesmo tempo, isso colocou uma pressão grande na folha.

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    2. É uma situação complicada até porque não dá para dizer que os professores da USP estão ganhando salários de marajá e tampouco que a infraestrutura da universidade está cheia de regalias...

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