sexta-feira, 9 de maio de 2014

A Teoria dos Jogos em ação


Um programa de TV (Japonês) colocou três campeões olímpicos de esgrima para lutar contra 50 esgrimistas amadores. O objetivo era, com a espada, "matar" o oponente -- o que significava furar um pequeno balão no peito do mosqueteiro. Antes de olhar o vídeo (no fim do post), vale a pena perguntar: qual é o resultado previsto pela teoria dos jogos? Será que a teoria acerta?

Que jogo é esse e qual é sua solução?
Antes de saber qual conceito de solução aplicar (Nash, subjogo perfeito, sequencial etc), é preciso descobrir que "classe de jogo" esse quadro da TV seria. 

Não é exatamente trivial caracterizar essa situação dentro de um "game-theoretic" framework. Mas vejamos. Existe um conjunto de jogadores. O jogo é claramente sequencial, com se fosse dividido em vários estágios em cada um dos quais um grupo de amadores vai se revezar no ataque dos mosqueteiros olímpicos. Quando cada amador decide o que fazer em cada estágio do jogo, ele não sabe exatamente o que os demais jogadores fizeram nos estágios anteriores. Em cada conjunto de informação, há várias histórias de jogo e cada jogador não sabe exatamente qual foi exatamente a história de jogo de cada um dos demais jogadores. 

Cada jogador tem um conjunto de estratégias em cada conjunto de informação do jogo. E cada uma dessas estratégias tem um ganho associado à ela. Há claramente heterogeneidade entre os jogadores: cada um parece ser de um dos dois seguintes tipos: o tipo "brigão", que vai "engage" um dos esgrimistas olímpicos, e o tipo "malandro", que vai deixar que outros lutem os esgrimistas olímpicos a fim de prolongar sua sobrevivência no jogo. Há uma distribuição (subjetiva) de probabilidades sobre quem é de que tipo aqui, supõe-se. O payoff desses tipos é provavelmente diferente porque os primeiros derivariam uma utilidade em exercer esforço.  

Dito isto, estamos diante de um jogo dinâmico com informação incompleta. A questão então é: qual é o Equilíbrio Perfeito Bayesiano de Nash nesse jogo?

Solução
Esse tipo de equilíbrio envolve não apenas uma sequência de estratégias para todos os estágios do jogo (perfil de estratégias) mas também um conjunto de crenças que seja consistente com as estratégias em cada estágio e onde a crença sobre em qual trajetória ele se encontra em cada conjunto de informação no qual ele é chamado a jogar é definido de acordo com a regra de Bayes.

Com a informação que está disponível ao se assistir o vídeo, é obviamente impossível computar o equilíbrio desse jogo sem fazer um monte de suposição adicional que restrinja o espaço de estratégias e diminua a multiplicidade de trajetórias que 50 jogadores em um jogo com tantos estágios pode gerar. O que torna esse jogo mais complicado de analisar mas também mais fascinante é que o número de jogadores vai diminuindo ao longo do jogo. 

Schelling point
Mesmo assim, considerando que o payoff do jogo para os mosqueteiros amadores era uma função direta tanto do ato de derrotar os esgrimistas olímpicos quanto de permanecer no jogo por mais tempo possível, é possível argumentar que o equilíbrio do jogo seria "misturada" no sentido de que envolveria uma estratégia na primeira parte do jogo (se esconder e evitar uma disputa direta com os esgrimistas olímpicos) e outra na segunda parte do jogo (atacar o esgrimista olímpico -- ponto focal -- usando o tamanho menor de esgrimistas para uma ação coordenada, o que em certo sentido poderia ser uma "misrepresentation" de tipo). Tudo indicaria, ao menos teoricamente, que um dos esgrimistas amadores seria o vencedor.  Será que é isso que acontece? Vejam o vídeo por vocês mesmos. 


Há obviamente, dezenas de outras explicações possíveis -- inclusive mais simples.


Adendum: um leitor informa que o vídeo foi publicado também no Marginal Revolution (link aqui). Tyler viu aí um problema de "free ride". Tecnicamente isso não é verdade dado que o payoff de lutar com o esgrimista olímpico quando outros não o fazem não é necessariamente menor do o payoff desse último -- um requisito estrutural desse tipo de jogo. De qualquer forma, mesmo em seu "stage game", esse jogo me parece mais complicado do que simplesmente um dilema dos prisioneiros.

6 comentários:

  1. Cara, custa colocar que vc viu isso no Marginal Revolution?

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    1. Eu não vi o vídeo lá meu bem (vi no FB, 9GAG TV). Obg de qq forma pela dica.

      PS: Coloquei o link pro MR no post e comentei.

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    2. Desculpe pela acusação. Abraço.

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  2. Sérgio
    A qualidade da luta de cada um dos profissionais não se reduz com o tempo.
    Afinal após lutar com, vamos lá uns 10 cada um, o cara já está um tanto cansado, embora possamos considerar que eles tem boa capacidade física.
    Neste caso, o amador que espera pelo final não se aproveitaria apenas da coordenação com os outros restantes, mas também do declínio de qualidade dos oponentes.
    Ou isso não interferiria?
    Ronaldo

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    1. Interfere sim. Isso dá um "kick" no payoff associado a estratégia de não "engage" os esgrimistas olímpicos. Um argumento de "backward induction" sugeriria que o equilíbrio desse jogo é não fazer nada. Mas as regras do jogo não permitem isso e meu ponto foi que tem uns caras aí que tiram utilidade em ir pra cima dos esgrimistas olímpicos.

      O que parece é que classe de jogo alguma vai sozinha dar conta dessa situação. E um jogo mais rico fica computacionalmente complicado. Talvez os caras do programa não tenham dado incentivo algum pra esses participantes (não sei se tem dinheiro ou algum prêmio); nesse caso o payoff desse jogo é um negócio inteiramente subjetivo que zeus sabe o que é.

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