Lula está falando pelos cotovelos ultimamente. Normal e esperado. Estamos nos aproximando de uma eleição cercada de incertezas e riscos para o PT. E Lula é indiscutivelmente o comandante maior do PT e das forças políticas e sociais que rodeiam o petismo. Até por conta disso – mas não apenas por isso – é importante prestar atenção ao que ele diz.
Neste sábado, uma declaração de Lula em entrevista a
blogueiros, a segunda dirigida a esse segmento da mídia em menos de um mês,
virou manchete da Folha: “Para Lula, cobrar metrô em estádio é babaquice”. A
frase integral, conforme transcrita pela Folha, é a seguinte: o
brasileiro "nunca teve problema em andar a pé": "Vai a pé,
descalço, de bicicleta, de jumento, de qualquer coisa. Mas o que a gente está
preocupado é que tem que ter metrô, tem que ir até dentro do estádio? Que
babaquice é essa?".
O site do PT colocou em destaque texto crítico à Folha (aqui). O jornal,
argumenta o autor (Leandro Fortes), preferiu deliberadamente enfatizar uma
declaração pouco importante – “uma fala paralela”, de acordo com Fortes, “colocada
dentro de uma circunstância de informalidade muito típica dos discursos de
Lula, sem nenhuma relevância” –, ao invés de abordar o tema mais importante da
entrevista: a defesa da “aprovação do
marco regulatório contra o monopólio dos meios de comunicação no Brasil”.
Fortes, em parte, tem razão. Lula disse coisas relevantes a
respeito do marco regulatório, tema por si importantíssimo, saliente para a
esquerda e para a direita. Mas a frase “paralela” pinçada pela Folha merecia
ser destacada, justamente porque foi um lapso. Ou seja, uma frase paralela e
informal, despida das intencionalidades e racionalidades políticas que recobrem
as declarações de Lula acerca do marco regulatório das comunicações. Nesse
sentido, ela revela o que vai fundo na alma lulista e petista a respeito do mau
humor do brasileiro em relação à Copa, sentimento despertado, entre outras
coisas, porque, ao contrário do que presidentes, governadores e prefeitos
prometeram, as tais obras de mobilidade urbana, incluindo alguns metrôs à beira
de estádios, não ficaram prontas antes da Copa do Mundo.
O mau humor é injustificado e exagerado pensam Lula e o PT.
Fizeram tanta força para trazer a Copa ao Brasil e recebem em contrapartida tantas
críticas. Soa a ingratidão. Não por acaso, a frase de Lula manchetada pela
Folha ecoa declaração feita há alguns meses por Gilberto Carvalho, considerado
o principal representante do ex-presidente no governo Dilma, a respeito dos
protestos de junho. Segundo Carvalho, “houve quase que um sentimento de
ingratidão, de dizer: 'fizemos tanto por essa gente e agora eles se levantam
contra nós'".
A frase remete também à dificuldade crescente de Lula e do
PT em lidar com os que ascenderam à chamada nova classe média durante os anos
lulistas, um dos fatos mais propagandeados pelos petistas na campanha de 2010.
Os protestos de junho passado e a queda de Dilma nas pesquisas neste ano
indicam que parte importante desse contingente não se tornou inexoravelmente
fiel ao petismo. No léxico petista, parecem estar se rendendo ao
conservadorismo da tradicional classe média, aquela vilipendiada por Marilena
Chaui (ver aqui)
algum tempo atrás. São, consequentemente, eleitores potencialmente disponíveis à
oposição.
É gente que, após ter comprado uma televisão de várias
polegadas, um carro decente, um smartphone, viajado de avião pelo Brasil e, em
alguns casos, até pelo exterior, não quer mais andar à pé, descalço e de
jumento. Quer metrô na porta dos estádios e educação e saúde padrão Fifa.
Belo texto. Parabéns Ricardo.
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