Quando se trata de Copa do Mundo,
sempre ouvimos falar do seleto grupo de campeões. De fato, suas 24 edições até
o momento produziram "apenas" 8 países campeões. "Apenas"
aparece entre aspas porque o propósito deste texto é exatamente discutir se
este número é pequeno ou não. A conclusão é que não há nada de excepcional
nesse número.
Confesso que nunca parei muito
pra pensar nesta questão. Mas o artigo do Tostão na Folha do último domingo (13/10) levantou um argumento interessante.
Ele pergunta: "se acontecem
surpresas em torneios mata-mata de todo o mundo, como na Copa do Brasil, por que
nunca uma seleção média ou pequena ganhou uma Copa do Mundo?".
Tostão continua seu texto
especulando sobre o assunto, mas não é o que nos interessa aqui. O ponto que
chamou minha atenção é a ligação do número de campeões de um torneio com sua
forma de disputa. A ideia geral é que torneios mata-mata devem gerar mais
campeões (que torneios tipo pontos corridos?) e o fato da Copa do Mundo ser
dominada por poucos campeões seria um puzzle,
dada sua forma de disputa.
Vamos tentar ser um pouco mais
rigorosos (mas só um pouco) na evidência a ser discutida. A minha métrica para
tentar representar a seletividade do clube dos campeões é simplesmente a razão
entre o número de edições do torneio e o número de campeões distintos
produzidos. Chamemos esta razão de grau de seletividade. Para a Copa do Mundo,
o grau de seletividade é 3 (24 edições sobre 8 campeões). Este valor indica o
número médio de vezes que um membro do clube foi campeão. Quanto maior for esse
número, mais seleto será o torneio.
A tabela abaixo faz o cálculo do
grau de seletividade para alguns torneios nacionais de clubes, comparando a
copa nacional com o campeonato da primeira divisão.
Copa Nacional
|
Campeonato 1ª Divisão
|
|||||
# edições
|
# campeões
|
Grau seletividade
|
# edições
|
# campeões
|
Grau seletividade
|
|
Brasil
|
24
|
14
|
1.71
|
43
|
17
|
2.53
|
Inglaterra
|
132
|
43
|
3.07
|
114
|
23
|
4.96
|
Espanha
|
111
|
14
|
7.93
|
82
|
9
|
9.11
|
Itália
|
65
|
16
|
4.06
|
113
|
16
|
7.06
|
Portugal
|
73
|
12
|
6.08
|
79
|
5
|
15.80
|
França
|
95
|
33
|
2.88
|
70
|
18
|
3.89
|
Alemanha
|
65
|
16
|
4.06
|
113
|
16
|
7.06
|
A primeira constatação
interessante da tabela é que a forma de disputa do torneio afeta o grau de
seletividade. E comprova a intuição de que torneios tipo mata-mata (copa
nacional) geram mais campeões (por edições) que torneios tipo pontos corridos
(campeonato da 1ª divisão).
A segunda observação a respeito
da tabela é que se confirma a intuição de que o futebol no Brasil é muito
competitivo. Se a competitividade puder ser refletida pelo grau de
seletividade, tanto o Campeonato Brasileiro quanto a Copa do Brasil apresentam
os menores índices dentre as ligas destacadas, ou seja, são os torneios que
produzem o maior número distinto de clubes campeões uma vez controlado o número
de edições. Para exemplificar, a Copa do Brasil, em suas 24 edições produziu 14
campeões distintos, o mesmo número produzido pela Copa del Rey espanhola em suas 111 edições!
O terceiro e último comentário
sobre a tabela é que, concentrando-se apenas no grau de seletividade para as várias
copas nacionais, a Copa do Mundo não parece nada excepcional. Seu grau de
seletividade é similar à da FA Cup e
à da Coupe de France. Chega a ser um
pouco inferior ao grau de seletividade da Coppa
Italia e da DFB Pokal (copa da
Alemanha) e bastante inferior ao grau de seletividade da Taça de Portugal e da Copa
del Rey.
A tabela abaixo mostra o grau de
seletividade de outros torneios futebolísticos, incluindo torneios de seleções.
Os torneios abaixo têm formas de disputa mais parecidas com o modelo da Copa do
Mundo em que uma fase de grupos é seguida por partidas eliminatórias.
Torneio
|
# edições
|
# campeões
|
Grau seletividade
|
UEFA Champions League
|
58
|
22
|
2.64
|
Libertadores
|
53
|
24
|
2.21
|
Olimpíadas
|
25
|
18
|
1.39
|
Euro Cup
|
14
|
9
|
1.56
|
Copa América
|
43
|
7
|
6.14
|
Copa Africana de Seleções
|
29
|
14
|
2.07
|
Copa da Ásia de Seleções
|
15
|
7
|
2.14
|
Copa das Nações da Oceania
|
9
|
3
|
3
|
Copa Ouro da Concacaf
|
12
|
3
|
4
|
Os dois torneios continentais de
clubes mais significativos, UEFA
Champions League e Libertadores
são menos exclusivos que a Copa do Mundo. E, como todos nós já sabíamos, a
Libertadores é mais competitiva que a CL.
Até aqui, comparamos a Copa do
Mundo com torneios entre clubes. Talvez uma comparação mais acurada seja com
outros torneios de seleções. Nesse caso, o grau de seletividade varia bastante.
Ele é muito baixo para o torneio olímpico de futebol e para a copa europeia de
seleções. E é extremamente elevado para a Copa América, esse sim um clube
bastante exclusivo.
Nessa comparação, a seletividade
da Copa do Mundo também não parece nada excepcional. Ela é mais seletiva que as
olimpíadas e as copas de seleções da Europa, da África e da Ásia. Mas é menos
seletiva que a Copa América e a Copa Ouro da Concacaf.
Finalmente, nossa descoberta empírica mais importante: a Copa do Mundo é um clube tão seleto quanto a Copa das Nações da Oceania com seus três campeões. Ou seja, Brasil, Itália, Alemanha, Argentina, Uruguai, Inglaterra, França e Espanha são tão VIP quanto Austrália, Nova Zelândia e Taiti.
To achando que isso não tá legal, digo sua métrica.
ResponderExcluirSe você rodar uma regressão do grau de seletividade em relação ao numero de edições, suspeito que estará correlacionado .....
Talvez uma forma quadrática ou logaritmica seja mais adequada não acha ?
4 ganhadores de dois títulos cada é diferente de um ganhador com 4 títulos e 3 ganhadores com um título
Excluircomo ajustar a métrica para corrigir isso ?
"como ajustar a métrica para corrigir isso ?"
ExcluirE por que precisa corrigir para isso? Minha questão é membership em um clube e não a representatividade de cada membro.
O Tostão tá errado quando fala que seleções médias nunca ganharam Copa do Mundo. Uruguai, Inglaterra e França não são grandes, e a Argentina talvez também não seja. O negócio é que o fator campo parece pesar muito. Pega qualquer Copa e considera quatro candidatos ao título: Alemanha, Itália, Brasil e o anfitrião. Você só erra em três: 1950 (Uruguai), 1986 (Argentina) e 2010 (Espanha).
ResponderExcluirA métrica é complicada porque depende muito do número de edições. Daqui a mil anos o grau de seletividade da Copa das Nações da Oceania vai ser absurdo, porque muito provavelmente vão ser só esses três campeões mesmo. Acho que vale o mesmo para a Copa do Mundo. Tirando os oito que já ganharam e a Holanda, difícil imaginar mais alguém ganhando.
Das seleções possíveis, alem da Holanda acrescentaria Portugal e México
ExcluirOu seja, vocês estão dizendo que daqui a mil anos, o clube dos campeões mundiais só deve ter o acréscimo de alguns poucos países. Isto não é ser extremamente seletivo? Minha métrica não vai mostrar exatamente isso?
ExcluirSó faltou controlar pelo número de times que participa em cada torneio...
ResponderExcluir"Só faltou controlar pelo número de times que participa em cada torneio..."
ExcluirE por que isso é importante? Copa das Nações da Oceania teve 8 participantes na última edição. FA Cup tem 737 na atual edição. A minha medida dá graus de seletividade próximos para ambos.
Como argumentar que um torneio que teve 100x mais participantes possui o mesmo grau de seletividade partindo simplesmente da igualdade da medida {(n de ed)/(n de camp)}? No caso da Copa da Nações da Oceania 37,5% dos clubes que participam foram campeões, no caso da FA Cup apenas 6%, aproximadamente. Na verdade, essa medida {(n de camp)/(n de participantes)} me parece muito mais interessante pra se medir grau de seletividade do campeonato.
ExcluirA métrica é ruim. Porque vc não está ajustando pela quantidade de times que já disputaram aquele campeonato. O meu ponto se evidência quando você comparou com a copa América.
ResponderExcluirCaros,
ResponderExcluirNão tenho a pretensão de ter uma métrica rigorosa, como puderam perceber. O ponto do texto foi apenas mencionar que, para mim, não é óbvio que os campeões de Copa do Mundo formam um clube tão exclusivo assim. Talvez a única coisa que devesse acrescentar ao texto é que esta afirmação é condicional ao momento presente. É claro que, se daqui a n edições da Copa do Mundo continuarmos só com os 8 campeões, então o clube terá se tornado mais seletivo. Mas a minha métrica pega essa característica.
Marcio eu concordo, mas não gosto da linearidade.
ExcluirPenso nisso como
e = edições; c = campeões, y = seletividade padrão; u = termo de erro
você roda a regressão
e = y c + u
estima y, quando u é positivo então a seletividade particular é alta e portanto a competitividade é menor, quando u é negativo então a seletividade particular é baixa e portanto a competitividade é maior
suspeito que o termo de erro seja correlacionado com o numero de edições "e"
talvez a forma
e = y c² + u
seja mais adequada
Marcelo, desculpa mas juro que não entendi teu ponto.
ExcluirPorra, baita artigo (outro). Parabéns Márcio! E que papo é esse que a métrica é ruim. Esse pessoal fala sem saber do que fala...
ResponderExcluirNakane, Sergio, CESG, Mauro, De Losso, etc... estão escrevendo um post melhor que o outro! Muito muito bom
ResponderExcluirBom post, mas so corrigindo, nao foram 24 edicoes, somente 19... Grau de seletividade = 2.375
ResponderExcluirVixi. É mesmo. Obrigado pela correção. Perdeu-se o punchline do parágrafo final.
Excluirmuito bom o post!! e muito mimimi com essa história da métrica
ResponderExcluirConcordo com o Nobile. A métrica é falha sim, por não considerar o número de participantes. Se uma copa tem apenas 8 participantes (Copa das Nações da Oceania), caso todos ganhem pelo menos uma vez, em 24 edições, você teria uma seletividade de 3, tal qual a Copa do Mundo. Porém, nesse caso, todos ganharam, e a partir daí, mesmo que todos continuassem ganhando, de forma alternada, a seletividade do torneio somente aumentaria (o que não refletiria a realidade, pois se manteve exatamente como antes).
ResponderExcluirNa Copa do Mundo, se ao passar dos anos se mantiverem os mesmos 8 vencedores, a seletividade aumentará, com razão, diferente do caso dos torneios com poucos participantes...
Guilherme
No exemplo do Campeonato Brasileiro, se considerarmos os 10 anos de pontos corridos (2002/2013) teremos um grau de seletividade de 1,6, "bem" diferente dos 2,53 (43/17).
ResponderExcluirWilson
Todo mundo parece estar batendo nessa tecla do número de participantes. Parece-me ortogonal.
ResponderExcluirMais uma coisa: qual é o número de participantes? Na Copa do Mundo, são os 32 classificados, ou todas as seleções que participam de eliminatórias?
Mesma coisa nas ligas nacionais: ao longo do tempo, um time pode pular divisões. Os times da 4a divisão contam?
Todas as seleções que participam. As eliminatórias nada mais são que uma fase preliminar, uma outra fase de grupos. O que diferencia ela dos demais eh o tempo de duração.
ExcluirMeu ponto é: o conjunto de times não é sempre o mesmo. Na sua métrica, como vc lida com isso?
ExcluirPara a Copa do Mundo, o conjunto de times é sempre o mesmo. Vale para compará-la intertemporalmente, e com outros campeonatos com número de times similares. Mas o mesmo não vale para comparar diferentes campeonatos (o universo de times da Copa da Oceania sempre será bem inferior, a Copa America sempre terá bem menos times que a Eurocopa, tornando difícil validar essa métrica na comparação entre esses campeonatos).
ExcluirEntão, o conjunto não é sempre o mesmo. A França não se classificou em 90 e 94, e ganhou em 98. Na sua lógica, a França sairia da amostra. Como lidar com isso?
ExcluirNão faz sentido usar apenas 32 como número de times. Parece mais adequado usar todo mundo que participa das eliminatórias.
Foi exatamente o que disse: o adequado é considerar todo mundo que participa das eliminatórias (conjunto razoavelmente estável), o que permite o cálculo do índice para Copa do Mundo.
ExcluirMas, dado o formato distinto dos campeonatos nacionais, a comparação com estes deixa de ser válida: um time da 3ª divisão não tem chance alguma de ganhar o campeonato Brasileiro no mesmo ano (na Copa, qualquer seleção pode ganhar a próxima copa, em tese).
Por isso me parece que precisa ser feito algum ajuste pelo número de participantes (no caso dos mata-mata nacionais, em geral tem número de times grande o suficiente para ser comparável com a Copa, mas no caso de campeonatos de pontos corridos, requer um ajuste, n sei se pelo número de participantes, ou de divisões que precisa ganhar até ter o título)...
Fazer um estudo reverso. O grau de seletividade do rebaixamento rs
ResponderExcluirooooooo negada chata!! Baita post digasse de passagi
ResponderExcluirNão vejo aqui tem a pretensão de rigor, apenas de curiosidade por parte do grande mesrete Nakane!
Marcio, muito bom o artigo. Entao, da no mesmo se 8 times ganham 24 torneios e cem perdem x 8 times ganham os mesmos 24 e so um nunca ganhou?
ResponderExcluirSe fosse mercado, no primeiro caso teríamos um oligopólio - alta barreira a entrada. No segundo, um mercado competitivo, com baixa barreira a entrada.
Sua métrica aponta para o ganho medio, dado que ganha. So que isso nao fala sobre a probabilidade do Santo André ganhar a copa do Brasil, nem da Colômbia ganhar a copa do mundo. Ou seja, nao fala sobre a market share de quem e pequeno - e esse e o ponto do Tostão.
Caros,
ResponderExcluirPara todos os que sugeriram que a métrica devia, de alguma forma, contemplar o número de participantes, acho que vocês têm um ponto. Só não sei como criar uma métrica fácil que considere isso. O Mauro apontou algumas das dificuldades. Se tiverem alguma ideia, vão em frente e produzam a métrica.
Uma dificuldade para a Copa América, por exemplo, é que apesar do número ser fixo e pequeno (12), os participantes não são necessariamente os mesmos em função dos 2 convidados. Assim, em princípio, o número de vencedores pode ser muito maior que 12. Japão, Honduras, Costa Rica, Estados Unidos e México, por exemplo, tiveram sua chance de vencer esta competição. O fato de não terem sido bem sucedidos só reforça o elevado grau de seletividade deste torneio.
Professor,
ExcluirComo você disse, a métrica de dividir pelo número de participantes que já disputaram ao menos uma edição é a melhor. Mas como o blog não tem o intuito de ter um rigor tão grande e dada a dificuldade de elaborar esse tipo de métrica, acho que uma boa proxy seria dividir o número de edições pelo número de vezes que o maior campeão do torneio triunfou. Acredito que teriamos um problema em relação aos oligopolios, mas enfim...
Estava pensando aqui nos campeonatos mundiais, e me dei conta que nenhum campeonato tem mais de 4 grandes times campeões, talvez se somassem os titulos dos 4 primeiros em comparação com o número de edições seria uma métrica ainda melhor. O que acha?
ResponderExcluirProf. Nakane, é verdade que esse será seu último post? Pq? Seus posts são muito bons. Farão falta.
ResponderExcluirMarcio, lembrando que o campeonato brasileiro de primeira divisão nem sempre foi por pontos corridos, mas sim por uma mescla dos dois sistemas: os oito melhores classificados iam para um mata-mata. Salvo me engano, o Santos do Robinho de uns 10 anos atrás, que só contava com jogadores mais jovens, venceu o Brasileiro mesmo se classificando em 8o lugar nos pontos corridos.
ResponderExcluir