terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Pemedebismo, uma tese boa, mas equivocada

Marcos Nobre, professor de filosofia na Unicamp e pesquisador do Cebrap, escreve muito bem textos interessantes sobre política brasileira. Vale a pena lê-los. Lançou um livro recentemente: Imobilismo em Movimento (Companhia das Letras). Ainda não li. Estou guardando para as férias. Mas sei basicamente do que se trata, porque Marcos Nobre vem tratando do tema faz tempo e já expos suas teses e interpretações em outros textos.

Em resumo, a tese de Marcos Nobre sustenta que a política brasileira caracterizou-se desde a redemocratização pelo predomínio do que ele chama de “pemedebismo”. Trata-se de um pacto entre as elites políticas do país gerador de coligações grandes, amorfas e destituídas de estofo e consistência programática. A prática não se restringe ao PMDB, esclarece o autor. Leva o nome de pemedebismo porque o tal “acordão” carrega a marca do partido – o próprio PMDB. Afinal, desde o fim do regime militar, o PMDB sempre fez parte dessas coligações. Além disso, é quem melhor simboliza o “centrismo invertebrado” característico desse arranjo, para usar uma expressão cunhada pela cientista política Maria do Carmo Campello de Souza nos anos 80 com o objetivo de descrever a velha Aliança Democrática (PMDB+PFL).

O legado do pemedebismo, um acordo essencialmente conservador, de acordo com Nobre, é negativo para o país. Provocou enrijecimento da política nacional e incapacidade de atender às demandas da sociedade. Além disso, os múltiplos participantes criaram vetos cruzados. O resultado é o imobilismo político, termo ressaltado no título do livro. 

A interpretação feita por Marcos Nobre é engenhosa. Porém é, a meu juízo, equivocada. Está amparada em pé de barro: a ideia do imobilismo. Não me parece que essa qualificação descreva de maneira adequada o que ocorreu no país desde o fim do regime militar. Houve avanços significativos. Não vou me ater a minudências. Destaco três macro conquistas importantes e, creio, inquestionáveis: a consolidação da democracia, a estabilidade macroeconômica e a redução da pobreza extrema. Cada uma delas foi protagonizada por diferentes grupos políticos. Todas exigiram bastante do sistema político brasileiro. Para que ocorressem foi necessário mudar muita legislação, da Constituição a leis ordinárias, tarefa impossível sem o apoio de governantes, parlamentares, líderes e partidos políticos. 

O país poderia ter avançado mais? Talvez. Imobilizado, porém, não ficou. Alguém pode argumentar que tais conquistas foram obtidas a despeito das disfunções do nosso sistema político. Ou ainda, que este atrasou e limitou o alcance dessas macro reformas. Pode ser. Mas quem poderá afirmar honesta e convictamente que o país teria avançado mais se o sistema político fosse outro?

A questão relevante a discutir, a meu ver, não é se o sistema político brasileiro nos últimos 20 ou 30 anos paralisou o país ou se virou às costas aos anseios fundamentais da sociedade. Quanto a isso, a resposta, a meu ver, é solidamente negativa. A política não bloqueou o avanço institucional, econômico e social do país.

Mais interessante – e obviamente mais complicado – é discutir se as inconsistências e os inegáveis problemas do sistema político brasileiro o estão tornando disfuncional. Talvez as características negativas vislumbradas por Nobre estejam começando a sobrepujar as qualidades não vistas, ou não valorizadas, por ele. É por isso – além do bom texto e argumentos – que recomendo a leitura dos escritos de Marcos Nobre. Sua interpretação do passado é incorreta mas ela pode dar pistas sobre o que nos reserva o futuro.

5 comentários:

  1. A tese de Nobre empalidece um pouco ante a leitura de Acemoglu, não? Trata-se do velho esquema de plutocracias armando esquemas para se eternizarem no poder. E pouco importam os nomes que esse esquema receba: socialismo, comunismo ou capitalismo de compadres. Outro que senta a pua nas elites é Jared Diamond, na mesma linha de Acemoglu, nesse ponto.

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  2. Ricardo, você acha que o sistema proporcional brasileiro possibilitou maiores avanços sociais? ou o distrital de fato é superior?

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  3. O problema das demandas sociais é que se atendidas elas levariam o país a uma enorme crise fiscal, externa e inflacionária.

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  4. Andamos mesmo, com FHC e Lula. Agora teríamos que observar temas chatos e etéreos para o eleitor como produtividade, tributos e o longo prazo. O debate está maduro entre analistas, mas não para o eleitor. E nada da agenda será feito. Temos 127 partidos de esquerda, maoistas, chavistas e loucos, mas também os populistas e corruptos. O sistema político brasileiro está bloqueado pelo baixo nível médio do eleitor. A mudança é que foi sorte, a estagnação é a média.
    Dantas

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  5. Belo texto Ricardo. Esse blog fica mais atraente quando há textos mais elaborados como esse.

    Três observações.

    Sinto falta de definições e números aqui. Qual é o benchmark aqui que usamos para julgar quanto de imobilismo do sistema político e quanto de avanço sócio-econômico existe/foi feito? Sem essa espécie de contrafactual, receio que essas teses não conseguem sair do campo da especulação /empulhação.

    Não lhe parece complicado dar uma aura de reformista e promotor de avanço institucional ao sistema político quando as mudanças que esse sistema implementou se confundiam com o enriquecimento e aumento de poder dos agentes políticos envolvidos? Senão vejamos:

    - consolidação da democracia: a quem interessaria suprimir o sistema multipartidário, e com ele a lucrativa barganha política, e transferir e concentrar poder na mão de militares?

    - estabilidade macroeconômica: 15 anos de bagunça hiperinflacionária foi uma experiência dolorosa pra todo mundo que nenhuma seigniorage do mundo compensava prolongar. Havia um ônus político imenso em não debelar a inflação. Os anos FHC foram de fato um um período reformista no sentido que mexeu no queijo de vários agentes políticos (exemplo: a reforma do sistema financeiro com a privatização dos bancos estaduais). Mas foi tudo feito com a usual compra de apoio dos centristas invertebrados de sempre.

    - redução da pobreza extrema: a indiferença para com os pobres, marca das "elites" brasileiras era tanto que cegou os caras para o que agora o PT descobriu: que transferir dinheiro para os mais pobres é ecoomicamente custo-efetivo E funciona na prática como um programa público de fidelização de eleitores. Quem vai se opor a um trem desses?!?

    Minha última observação é que todo esse papo de "sistema político" parece esconder aquela crença esquerdista e parece que agora Acemogliana de que as pessoas são boas mas as instituições é que estão erradas. Convenhamos: instituições são endõgenas. Se 10 indivíduos de mau caráter são escolhidos pra administrar e monitorar uma instituição que vai governar outras pessoas, não há desenho dessa instituição que faça algo de bom sair daí.

    Minha especulação: a vasta maioria dos avanços no Brasil são obra de pressão externa.

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