terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Qual o efeito das prisões sobre a bandidagem?


A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) divulgou alguns meses atrás seu último anuário com dados sobre criminalidade no país no ano de 2012. Chama a atenção o número de mortes: cerca de 50 mil. Em termos absolutos esse número de mortes é mais do que a média anual de mortes registradas nas guerras da Síria, do Afeganistão e do Iraque.


Mas não se impressione com a comparação com regiões em conflito bélico aberto. Você já deve saber que esse tipo de comparação pode ser enganosa e inútil se os números não são "normalizados" de modo a levarem em consideração o tamanho dessas populações. De qualquer forma, mesmo grosseira a fotografia  dos números brutos não deixa dúvida: o Brasil é um lugar extremamente violento, e não por acaso muitas de suas cidades estão na lista das mais perigosas do mundo (ver uma dessas listas aqui).

Encarcerar reduz criminalidade? 
Nos dados divulgados pela Senasp, chama também a atenção os números sobre a população prisional no Brasil: a 4ª maior do mundo. Em termos de prisioneiros por 100 mil habitantes, o Brasil está apenas na 44ª posição em um universo de 223 países. É natural se perguntar como um país que parece com o que parece ser um ativo sistema de encarceeramento é também um lugar onde o crime grassa.

Não por acaso, não é incomum encontrar, sobretudo na discussão da maioridade penal (que como quase toda discussão no Brasil, nunca é evidence-based), quem insinue que o encarceramento prisional no Brasil não ajuda a reduzir a criminalidade (ver, por exemplo esse jornalista aqui e esse professor de direito da USP aqui). Reinaldo Azevedo, colunista da Veja, comentando os números acima do anuário em seu blog, usa as taxas de encarceramento e criminalidade de um par de estados (São Paulo e Bahia) em 2012 para sugerir o contrário. Diz ele: "Mais bandidos presos, menos mortos nas ruas. Mas não diga aos nefelibatas e aos poetas da segurança pública. Eles consideram que esse negócio de afirmar que lugar de criminoso é na cadeia é coisa de rotweiller furioso, de direitista".

Ok, mas o que diz a evidência científica?
A questão parece ser contenciosa. Mas salvo opiniões no extremo esquerdo do espectrum político, parece razoável assumir que quando o assunto é criminalidade, a intuição da vasta maioria das pessoas é a de que, tudo mais constante, o encarceramento de mais criminosos ajudará a diminuir a criminalidade. Será que isso é verdade?

A evidência científica sugere que esta intuição está correta. Há um número crescente de estudos feitos por economistas na área mostrando evidência de que existe um link causal entre encarceramento e crime. Exemplos são Levitt (1996) e Johnson and Raphael (2012) para os EUA, Vollaard (2013) para a Holanda, e Barbarino and Mastrobuoni (2012) para a Itália.

Mas como mais prisão causa menos crime?
Não sabemos porém o mecanismo de causação por trás dessa relação. Por que encarcerar mais bandido reduz os índices de criminalidade? Existiriam dois mecanismos aí (os principais). Um é o de detenção: aumentando o risco de ser preso (via maior percepção de cumprimento da lei), a relação custo/benefício da atividade criminal ficaria pior, atraindo marginalmente menos pessoas. O outro mecanismo seria o de incapacitação: simplesmente colocando fora de circulação os criminosos mais ativos. 

Por que isso importa?
Entender a importância relativa de cada um desses mecanismos parece secundário. Mas não é. Primeiro porque encarceramento é uma punição que consome grandes recursos da sociedade (no Brasil cada prisioneiro custa de R$ 20 a R$ 40 mil por ano). Fica óbvio então que seu uso precisa ser otimizado, no sentido de que a pena de encarceramento deveria ser reservada para os criminosos mais ativos ou perigosos, aplicando-se sanções menos custosas para os menos ativos ou perigosos. Entender esses mecanismos ajudaria também a testar a validade empírica das principais explicações sobre a atividade criminal. De um lado os economistas com sua visão de que crime é (pretty much) produto de uma análise racional que pondera custos e benefícios; de outro, visões variadas que enfatizam o papel da socialização, da influência de pares e até de determinantes biológicos.

Evidência de que "efeito incapacitação" é grande
Estudo de Paolo Buonanno (Universidade de Bergamo) e Steven Raphael (Universidade da Califórnia - Berkely) publicado em um dos artigos na última edição da American Economic Review ajuda a entender a importância do mecanismo de incapacitação. Os autores exploram a liberação de mais de um terço da população carcerária na Itália em 2006 para examinar o efeito do induto na atividade criminal e, assim, obter estimativas para o efeito da incapacitação (o artigo de Buonamo e Raphael pode ser visto aqui).

A lei que autorizou a redução da sentença residual em três anos (tornando efetivamente livres os prisioneiros com sentenças a cumprir menor do que 3 anos) foi resultado, dizem os autores, de mais de seis anos de ativismo da Igreja Católica e envolvimento pessoal do Papa João Paulo II na questão da superlotação carcerária. À época, as prisões italianas tinham 30% a mais de prisioneiros do que o máximo de sua capacidade.

Estratégia de identificação
Para estimar o efeito da incapacitação na atividade criminal, os autores exploram três fontes de variação: (1) as "quebras" descontínuas nas séries para taxas de atividade criminal; (2) as taxas de variação da atividade criminal e dos níveis de encarceramento em torno de uma trajetória de ajuste rumo de volta aos níveis estacionários previstos por um modelo simples "mecânico" de encarceramento; (3) as variações entre as prisões das várias regiões no número de prisioneiros libertados.

A lei de clemência prescrevia penas mais duras para prisioneiros reincidentes numa janela de cinco anos depois da soltura. Como a soltura dos prisioneiros não afeta os incentivos mas tornou mais dura a pena dos reincidentes, havia para esse grupo um aumento no "deterrence effect". As estimativas que Buonanno e Raphael obtêm são, portanto, uma espécie de "piso" para o efeito do encarceramento.

O que eles acharam?
A evidência que o paper apresenta é impressionante. Primeiro eles acharam que cada ano na prisão reduz de 14 a 46 crimes registrados pela polícia (maioria relacionado a roubo e assalto). Segundo eles descobrem que o efeito de incapacitação tem retornos decrescentes, isto é, eles diminuem à medida que a ocupação aumenta. Não dá pra saber se é porque, com a prisão lotada, a morte é quase certa ou o "enforcement" fica mais frouxo já que as prisões estão lotadas. Terceiro eles estimam que o custo-benefício dessa política de perdão não compensou: houve uma economia de 245 milhões. Mas eles estimam que o aumento na criminalidade custou algo entre 466 e 2.2 bilhões de Euros, dependendo das estimativas de elasticidade prisão-crime que sejam usadas. De qualquer forma, deu muito mais prejuízo do que se economizou. É aquela velha história: o barato quase sempre sai caro...

6 comentários:

  1. Muito legal este post Sergio!

    Recentemente assisti a um TED muito loco de um epidemiologista que está na luta contra o crime nos EUA. Vale a pena ver:

    http://www.ted.com/talks/gary_slutkin_let_s_treat_violence_like_a_contagious_disease.html

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  2. Sobre o artigo deste tal PIERPAOLO CRUZ BOTTINI, ele é advogado criminalista. A renda dele e a de seus colegas é uma função monotonicamente positiva do número e da gravidade dos crimes. Apesar disto, são figuras deste naipe que dominam o debate sobre o assunto deste post.

    Além disto, vejam na CCJ a formação de seus membros. Todos (ou quase todos) advogados! Que incentivo eles têm para aumentar o encarceramento, quando a casa de praia depende do que seus clientes fazem enquanto estão FORA da cadeia?

    É como remunerar os bombeiros de acordo com o número e gravidade dos incêndios e depois deixar a cargo deles a fiscalização das regras de prevenção a incêndio. Corram para as colinas!

    Com todo o respeito que o professor Buonanno merece, seu estudo não fez nada mais além de não rejeitar a hipótese nula de que excrementos humanos têm, na média, um odor desagradável. Como é público e notório no Brasil, a única coisa capaz de sempre fazer um latrocida desistir da profissão é a combinação de AIDS e tuberculose providencialmente presente em alguns presídios brasileiros – a versão brasileira de “incapacitação”.

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    1. "bandido bom é bandido morto" há 500 anos. Resolveu?

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    2. "Bandido bom é o bandido incapacitado" E não há 500, mas há 5000 anos. O método de incapacitação fica a gosto do freguês.

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  3. Nosso maior problema é a impunidade?

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