A escravidão humana, instituição abominável, marcou séculos de história econômica.
A análise aqui é econômica apenas, despida de ética e outras considerações. Modelo de agente-principal. Se não tive estômago, não leia mais.
Há evidência, ao menos para os EUA, de que a escravidão era um arranjo eficiente. E, ao menos nos EUA, os escravos tinham certa qualidade de vida (em termos de expectativa de vida e alimentação), melhor até do que os pobres brancos. Isso a gente aprendeu com o Fogel, prêmio Nobel.
Escravos eram ativos que custavam caro, então argumentar que os senhores de engenho utilizavam escravos porque eles não recebiam salários é errado. Mas então em que situações faz sentido a escravidão, sob o ponto de vista do produtor claro?
Ela faz sentido quando os incentivos negativos -- chicotadas -- e monitoramento são mais eficazes que os incentivos positivos. Ocorre que a tarefa nos plantations, apelidada de "gang labor", era muito simples e fácil de ser monitorada. Gang labor não exige do funcionário esforços não passíveis de serem observados: o cara foi mais molenga, o capataz rapidamente identifica isso -- monitorar é relativamente simples. E aí vem chicotada, um incentivo negativo.
Quando a tarefa exige esforços não observáveis, quando não se pode monitorar direito, a coisa não pode funcionar com base na chicotada; essa punição negativa não funciona para aumentar a produtividade. Como um capataz pode se certificar de que o desenvolvedor de software, ou o escritor de uma história, "se esforçou"? Quando as tarefas crescem em complexidade, e monitorar fica difícil, é preciso outro conjunto de incentivos. Se o trabalho nas "plantations" fosse menos mecânico, talvez não tivéssemos tido escravidão em massa como tivemos.
Eficiente... em que sentido de eficiência? Eficiente no sentido de pareto não é com certeza.
ResponderExcluirwrong comment.
ResponderExcluirSério, eficiente em que sentido? Eficiente no sentido de engenharia (maior produto por trabalhador por exemplo)? Eficiente no sentido contábil (maior lucro contábil)? Eficiente no sentido de pareto (não era possível melhorar a situação do escravo sem piorar a situação do proprietário - algo claramente absurdo)?
ResponderExcluirNão entendi porque eficiência no sentido de Pareto é absurdo. Suponha uma situação em que o dono do escravo possui toda a dotação da economia. Ou seja, estamos em um dos cantos da caixa de Edgeworth.
ResponderExcluirDe que forma seria possível melhorar a situação do escravo sem piorar a do dono?
Suponha que o dono espanque, humilhe e mate escravos além do necessário para conseguir (sic) "otimizar" a produção.
ExcluirDe que forma seria possível melhorar a situação do escravo sem piorar a do dono?
Bom post.Será que a chicotada era menos frequente na minha terra (Minas Gerais) do que nos canaviais de Pernambuco? Se sim, isso não refutaria a história de agente-principal. Devia ser mais dificil monitorar a produtividade do escravo nas lavras. E caberia menos chicotada também pelo fato do escravo poder esconder o ouro, literalmente. Pelo que eu me lembro das aulas do Motta parece que o senhor era mais gente boa nas minas do que no plantation. Scottini
ResponderExcluirInteressante. Mas e do ponto de vista nao do empregador, mas do empregado, em quais situações faz sentido ECONOMICAMENTE submeter-se à escravidão?
ResponderExcluir"Escravos eram ativos que custavam caro"
ResponderExcluirIsto, quando bem entendido, explica a lógica da superexploração (idealmente, no limite da capacidade física de executar trabalho) e a preferência do chicote como "incentivo negativo". Pode-se comparar os "incentivos negativos" ativados junto a bestas de carga (cavalos, bois, burros, mulas) com aqueles aplicados aos escravos braçais. Tirar o máximo de rendimento no tempo mais curto.
"Se o trabalho nas "plantations" fosse menos mecânico [braçal], talvez não tivéssemos tido escravidão em massa como tivemos."
O exercício do contrafactual em história é bem mais complicado de utilizar, porque neste campo de conhecimento devemos trabalhar com o que foi (o efetivo) e não com o que poderia ter sido. Assim, os trabalhos de história comparativa são preferíveis ao historiador.
"Quando as tarefas crescem em complexidade, e monitorar fica difícil, é preciso outro conjunto de incentivos".
Portanto, a monitoração continua existindo e o que muda é a natureza do incentivo negativo. O incentivo positivo do trabalho ( juntar uma grana, constituir família, ser proprietário, melhorar de vida) é inútil na lógica do escravismo.
Tive acesso a um ofício do governador da Capitania de SP (data posterior a 1808, talvez 1815) no qual ele alertava, por ordem da Corte do RJ, que o sepultamento de escravos "por morte natural" (principalmente os escravos velhos) só poderiam ser realizados após atestado de óbito emitido por um médico. Por quê? Porque a pratica do envenenamento (semelhante ao sacrifício das bestas de cargas inutilizadas para o trabalho) era um costume disseminado no Brasil.
Enfim, não faz sentido aplicar o incentivo negativo do chicoteamento em escravos que, por exemplo, eram encarregado de executar moldes para obtenção de peças fundidas ou operar um forno de redução de minério de ferro, tal como ocorreu na Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, ou nos Arsenais da Marinha e da Guerra do RJ. Mas isso não autoriza afirmar a não ocorrência de incentivos negativos de outra espécie. Ou seja, os incentivos negativos são constitutivos do escravismo.
Sabemos muito pouco a respeito da utilização do trabalho escravo em atividades industriais e de exploração mineral no Brasil do século XIX.
Por que, por exemplo, os planos inclinados ("esteiras" para transporte de cascalho) não se disseminaram na região diamantina? Calógeras, entre outras causas, relaciona o baixo nível técnico das explorações aos interesses dos que "viviam de aluguel de cativos". Até onde sei, carrinho de mão (substituiu os carambés: gamelas em que se transportavam minérios até o lugar de lavagem) foi uma inovação introduzida na região diamantina pelo Intendente Câmara no final da primeira década do XIX.
Um dado a ser melhor investigado é que a mecanização da exploração mineral exigiria dos empresários investimentos de retorno demorado e para os quais não haveria capital. Desse modo, o aluguel (intensividade) de mão de obra escrava seria a alternativa.
Abs.