sexta-feira, 4 de abril de 2014

Alunos brasileiros são desonestos?


A coluna do Gustavo Ioschpe na Veja da semana passada trouxe uma discussão sobre desonestidade na escola, e principalmente sobre o papel da "cola". Ioschpe argumenta que alunos brasileiros colam mais que alunos de países desenvolvidos, em boa parte por causa da conivência das escolas e dos professores. Esse comportamento é particularmente danoso, dado que os alunos de hoje ocuparão cargos nos setores privado e público no futuro, em que terão o mesmo tipo de atitude desonesta.

A evidência de que alunos colam mais aqui vem do estudo de Maria Fátima Rocha e Aurora Teixeira (aqui), que analisa dados de estudantes de Economia e Business em 21 países. O estudo é baseado em um questionário com perguntas sobre as atitudes da pessoa com relação a cola, e se já testemunhou outros colando. Em seu argumento, Ioschpe contrasta Brasil e Nova Zelândia.

No artigo, entretanto, as amostras por país são bem pequenas (para o Brasil são 100 respostas de alunos de apenas uma universidade), é tudo auto-reportado e com problema sério de seleção (com algumas exceções, os questionários foram enviados para alunos pela internet; quem respondeu se seleciona automaticamente). As próprias autoras dizem que os números não são representativos no nível de país. Não entendi por que o Gustavo Ioschpe está comparando Brasil com Nova Zelândia. 

Vou contar um pouco da minha experiência como monitor em uma universidade americana (UCLA) e como professor da USP. Em ambos os casos para alunos do curso de macroeconomia na graduação. Sim, é uma evidência baseada em percepções e em uma amostra minúscula e selecionada. Mas não acho que estou fazendo muito pior que o estudo acima.

Tem cola tanto na USP como na UCLA, mas não tenho razão nenhuma para acreditar que os brasileiros da minha amostra são mais desonestos que os americanos. Na UCLA havia uma grande preocupação em desenhar mecanismos para evitar cola. Por exemplo, em um exame de múltipla escolha havia vários tipos de prova em que se mudava a ordem das questões e/ou das alternativas (para diminuir o retorno de copiar do vizinho). Mas o mecanismo mais usado era a colocação de diversas pessoas tomando conta da provas. Por exemplo, em uma turma de 300 alunos, havia cerca de 8 monitores, os quais eram instruídos a ficar o tempo todo observando os alunos submetidos ao exame (não era permitido ler um livro ou mexer no celular para passar o tempo).

Esses mecanismos se justificam somente se a escola e/ou o professor entenderem que os alunos não são super honestos, e que precisam ser vigiados para não colarem.

Concordo com o Gustavo Ioschpe que aqui somos mais coniventes com a cola. Nas universidades americanas, o comportamento desonesto é tratado com rigor. Caso o aluno seja pego, ele pode ser suspenso por um semestre ou até ser expulso (o que é ainda mais custoso para quem já pagou muito dinheiro para estudar em uma boa escola). O problema é que os alunos punidos pela universidade acabam entrando na justiça para reverter a decisão, e com isso arrastam para o tribunal os professores e monitores responsáveis pela denúncia. O resultado é que poucos casos são de fato denunciados.

Na UCLA, uma vez disse a um professor que um aluno estava colando, e perguntei se deveria tomar uma atitude. Ele me disse para apenas chamar atenção do aluno e no máximo mudá-lo de lugar, pois o custo seria elevado para mim se uma atitude mais drástica fosse tomada. É exatamente o que fazemos aqui nos casos de cola!

25 comentários:

  1. Quando fui monitor nos EUA, também presenciei cola. Mas, diferentemente do Brasil, aluno que cola não declara aos colegas ter colado, e a punição social para o cheater é grande.

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    1. Boa!

      Considero que a fiscalização da própria sociedade, uns sobre os outros, é maior em diversos países do aqui.

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    2. esse é um ponto interessante. no estudo que eu citei, os alunos entrevistados dizem se colam ou não. mas tudo pode ser resultado do fato das pessoas reconhecerem que colam ou não (e não de diferenças na intensidade da cola).

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  2. Cola é algo gravíssimo que devia ser levado mais a sério.

    1. A cola é injusta: premia malandros e penaliza o pessoal sério que fez esforço de aprender;
    2. A cola é destrutiva: se o negócio generaliza, pode no longo prazo destruir o valor do diploma;
    2. A cola estimula outros crimes (teoria da janela quebrada): quem trapaceia na prova não hesitará em sonegar imposto, subordar agente público, aceitar propina etc etc.

    O mais foda é que o cara que cola é o mesmo que dpeois reclama que os políticos são desonestos.

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    1. concordo com tudo. pior ainda é cola em universidade pública. o contribuinte paga para o sujeito estudar, e o sujeito não estudo e passa colando.

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  3. Maldita lei de Gérson que impera neste país.

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  4. Lembra quando você ironizou quem não acreditou na pesquisa Sergio ?

    http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/04/1435877-pesquisa-que-indica-apoio-a-ataques-a-mulheres-esta-errada-diz-ipea-so-26-concordam.shtml

    Faça sua redenção. O IPEA errou.

    Vamos fingir que foi um erro inocente...........

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    1. " *** (update) Há gente falando que "atacar" foi interpretado pelos entrevistados como "cantada". Sei lá. Não compartilho desse léxico. Ainda que seja esse o caso (de quantos, 30%?), a mensagem "qualitativa" da enquete permanece, a saber: que atitudes machistas ainda são prevalecente entre muitos -- o que nem devia ser surpreendente de qualquer forma. Infelizmente, parece haver "negadores" de plantão empenhados em desqualificar o survey (como se não se soubesse que as respostas a qualquer tipo de questão são mesmo frágeis e sujeitas a "framing effects". ) para negar que exista machismo. Vai entender... "

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    2. O Sergio pediu exoneração do blog

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    3. Marcelo, duas coisas.

      1. Eu sustento minha ironia.

      Primeiro porque o resultado qualitativo permanece mesmo com a admissão do erro -- o "outlook" que o survey pinta é bastante machista e 26% das pessoas ainda disseram concordar com aquela coisa de estupro e roupa que motivou toda essa comotion.

      Segundo porque como eu disse na nota de update, esse tipo de survey é extremamente frágil (a distribuição de respostas pode ser facilmente manipulada) e seus resultados, corretos ou não, devem ser lidos "com um grão de sal".

      2. Isso é apenas um blog...take things lightly.

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  5. Excelente post, Mauro. Seria interessante termos algum tipo de evidência experimental relacionada à prática de cola no ambiente escolar. Desde já, fica a dica para professores de colégios e universidades.

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    1. Sim, esse é um estudo que falta, principalmente comparando entre países.

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  6. Minha lembrança dos faculdade no Brasil era que mais que a metade de meus colegas colavam descaradamente e abertamente. Nunca presenciei meus colegas nos EUA colarem, nem nunca peguei aluno colando quando fui monitor.

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    1. Havia uma estrutura montada para prevenir cola? Em caso afirmativo, é porque a escola e/ou professor não confiam na honestidade do aluno.

      A pergunta é: se não houvesse monitoramento, os alunos colariam?

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  7. Mauro, parabéns pela correção de suas atitudes. Mas em que mundo do auto-engano você vive? Sou aluno de graduação da Economia-FEA e me aproveitando da condição do anonimato, vou relatar alguns fatos e fazer algumas elucubrações.

    Em primeiro lugar, está claro que a ocasião faz o ladrão. Professores rígidos e sérios - como você afirma ser - inibem em grande parte (ou até totalmente) a cola em aula. Sua antítese, o chamado professor "várzea", em suas diferentes gradações, ao contrário, representam um estímulo a cola. E quem tem fama, deita na cama! - professores com histórico de varziedade (sic) induzirão mais alunos a colar ao longo dos anos.

    Assim, sabemos como a maioria dos professores de Econometria, especialmente aqueles que não ensinam direito, são extremamente tolerantes com cola. Conheço a história de um aluno que estava com o livro aberto e, assim que notou a aproximação do professor *******, bateu o livro, que fez uma sonora onamatopeia (PUUUM!). O professor nada fez. Há outro com fama de rígido, mas que nos últimos anos decidiu manter a rigidez apenas na aparência e agora passa todo mundo mesmo sem que estes saibam a matéria. No caso, às vezes nem é o aluno que cola em prova, mas o professor que cola na nota - e aprova todo mundo.

    E há ainda os professores que se fazem de ingênuos - ou realmente vivem em outro século. O aluno ingenuamente pergunta: "pode usar a calculadora do celular?". Ele consente. E se inicia uma prova coletiva via um ou mais grupos de whatsapp, o que favorece, claro, apenas os alunos mais enturmados com os demais. Se ninguém tem seu número, você fica de fora da rosca.

    E, por fim, os descarados, que não contratam monitores de fiscalização, vão sozinho, sentam na frente e começam a ler o jornal de maneira clichê: bem levantando, tampando a cara!

    Tentei ser cavalheiro, e não citei nomes!

    Bottom line: talvez nos EUA se cole menos porque existe uma sistematização de critérios e práticas em horário de aula. Na FEA, é cada um por si e o deus da cola contra todos!

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    1. Cola-se menos nos EUA porque existem menos alunos brasileiros na sala de aula.

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    2. Acho que não fui muito claro no post. Meu ponto é: não tenho razão nenhuma para acreditar que alunos da FEA são intrinsecamente mais desonestos que os americanos. Lá nos EUA tinha mais monitoramento. Talvez por isso a cola é menor em equilíbrio.

      Seus exemplos vão na mesma direção. Não entendi o negócio do auto-engano.

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    3. anonimo: acho que você deveria ser mais respeitoso com a universidade que você estuda e evitar "lavar roupa suja" dessa maneira em um blog de acesso publico...

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    4. Mauro,
      Imagine 2 sociedades. Na primeira, que podemos chamar de Massachusetts, existe grande preocupação sobre os direitos das mulheres, existe um task force na polícia para investigar crimes sexuais e condenações severas a estupradores. Na segunda, podemos chamar de Sul da Bahia, estuprar é barato, mulheres que são vítimas viram motivo de piada quando reportam o crime, e estupradores não são sancionados moralmente ou legalmente. Pela sua lógica, os Sul-baianos e os Massachusettanos são equivalentes, apenas têm conportamento diferente porque encontram restrições institucionais diferentes.

      Mas não! Pois a sociedade de Massachusetts que escolheu vivir sob instituições que reduzem o estupro, enquanto a sociedade do Sul da Bahia escolheu o caminho oposto.

      O mesmo vale para a cola. Não é que o brasileiro cola mais que o americano porque lida com restrições menos severas. Mas sim, o brasileiro cola mais que o americano porque os valores e normas brasileiras são tolerantes com a cola. Por isso que tantos brasileiros colam e dizem que colam.

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    5. Do Anônimo do autoengano para o Anônimo das 11 horas: seu argumento é equivalente ao do típico feano mediano. Escamoteiam-se as discussões para o âmbito privado e o público que financia a Universidade não tem direito a saber a verdade. Bela linha de raciocínio.

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    6. Mais uma vez o Anônimo do autoengano para o Anônimo das 11h: meu respeito pela Universidade é mostrado nas minha atitudes. Nunca colei como aluno USP (e lá se vão duas graduações...). Quem a desrespeita e ao contribuinte são os que colam e os que escamoteiam.

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  8. Na escola em que o FK graduou-se, cola é punida com o assassinato do aluno, pois o mesmo nao seguiu a "dc"

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    1. Graduei-me na mesma escola que o FK

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    2. graduar-se de graduação, não de graduate...
      em outras palavras, no ita

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  9. No nosso país a ética só vale para os outros. Para nós e para os próximos, sempre há uma "concessão".
    Aqui a punição é para o correto, que não cola, que é tido como bobo e é excluído.

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