sábado, 12 de abril de 2014

Copa do Mundo: "Seleção serve como registro vivo do potencial da sociedade"


Belo texto do correspondente da BBC, Tim Vickery, que reproduzo abaixo:

"Não é apenas o valor estético das pinturas nos muros ou das deslumbrantes bandeirinhas verde e amarelas enfeitando as ruas. Muito mais importante do que isso é a questão do que está sendo celebrado.

O clima de festa nas ruas me lembra um pouco uma versão tropical de um Jubilee, uma festa que acontece no meu país de origem para comemorar 25 anos de monarquia ou algum marco político importante lá. Mas a Copa do Mundo não é para celebrar alguma festividade política (apesar de os governos acabarem se aproveitando dela) e nem é uma homenagem para algum aristocrata da família real. Na Copa do Mundo, os brasileiros estão celebrando eles mesmos.

O momento do hino nacional antes dos jogos, quando a câmera passeia pelos jogadores, é sempre um momento mágico. Como uma janela para a alma da nação, o que se vê são legítimos representantes (masculinos) do país. Os rostos são, em sua maioria, de pessoas com origens humildes, com alguns representantes da classe média também. O futebol é uma atividade que não impõe barreiras para quem quiser entrar e isso cria uma verdadeira meritocracia – não importa qual escola essas pessoas frequentaram.

A Copa do Mundo, então, é uma espécie de "Nações Unidas" para o homem comum. Ser o melhor do mundo nessa atividade – o único país a conquistar a taça cinco vezes – é algo que vale a comemoração. A Copa do Mundo é o momento em que o Brasil aparece para todo o planeta por razões positivas: como o país a ser invejado, o país que tem o melhor estilo. E isso coloca uma questão: como o Brasil seria se o mesmo conceito de meritocracia aplicado no futebol fosse aplicado também em outras áreas da sociedade? Nas famosas palavras do cientista social americano Janet Lever, a seleção brasileira serve como um "registro vivo do potencial da sociedade".

Mas, claro, há um enorme abismo entre potencial e realidade. E é exatamente por essa razão que a Copa do Mundo de 2014 está se provando tão "explosiva". Na tensão permanente entre potencial e realidade, o caso típico da Copa do Mundo no Brasil destacaria o primeiro. Mas sediar a versão 2014 está deixando todos os holofotes voltados para a abundância deste último. Se normalmente a competição apresenta razões para o Brasil ser invejado, desta vez - como o mundo inteiro está assistindo atentamente e nervosamente - está fornecendo os motivos para o país ser criticado, temido ou até mesmo ridicularizado. A experiência é algo semelhante a um pontapé no traseiro prolongado da frequentemente frágil auto-estima nacional.

A falta de planejamento, a falta de segurança no trabalho, o fato de deixar as coisas para a última hora, a dificuldade de executar as tarefas de forma coletiva, as promessas não cumpridas, as decisões pouco eficientes, a burocracia excessiva, a infraestrutura precária, o oportunismo de curto prazo, as coisas custando muito mais do que deveriam – tudo isso são componentes diários na vida do brasileiro, que agora estão chamando a atenção do mundo por causa da Copa.

As insatisfações populares com tudo isso provocaram os protestos, que têm atraído o interesse da mídia internacional, que, por sua vez, dá mais cobertura para as causas do descontentamento, aumentando, assim, a vergonha e causando ainda mais insatisfação.

Parece um ciclo vicioso. Mas pode até ser um ciclo virtuoso. Já que todos sabemos que os problemas existem, o que temos a ganhar escondendo todos eles? É muito mais útil reconhecê-los e discutir soluções para eles. O desejo furioso de rejeitar todas as críticas estrangeiras pertence a uma ditadura. A democracia deve ser capaz de algo mais maduro.

Existe um sentimento esquizofrênico conforme a abertura da Copa se aproxima. De um lado, existe o movimento de protesto. Do outro, a venda de ingressos foi excepcional, com os brasileiros comprando muito mais do que qualquer outra nacionalidade.

Mas não há nenhuma necessidade de ver isso como uma contradição absurda. É completamente possível manter as duas posições ao mesmo tempo. Torcer pelo time comandado por Luiz Felipe Scolari em uma comemoração pela seleção brasileira e pelo potencial do país – e, ao mesmo tempo, desejar que os protestos e o processo democrático possam melhorar a realidade nacional."

Fonte: UOL

11 comentários:

  1. Gostei do texto mas não acredito que nosso futebol também seja exemplo de meritocracia.

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    1. A meritocracia no futebol acabou faz tempo. Tem todo um esquema por trás das convocações das seleções. É um verdadeiro balcão de negócios.

      Ex: o felipe coutinho ta jogando muito no liverpool. mas até agora não foi convocado e nem será.

      com certeza seu empresário não faz parte do time da cbf.

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    2. discordo, acho que tem meritocracia sim. Se não tivesse, a convocação seria aleatória, e em várias posições os melhores não estariam atuando. não parece ser o caso.

      e o negócio do coutinho é discutível. me parece muito mais opção do técnico. difícil encaixá-lo no meio campo com ramires, oscar e willian. não é óbvio que ele esteja melhor que esses três no momento.

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    3. Mauro,

      entendo sua posição. Não é questão de ser aleatório. Desde a convocação pra seleção brasileira de base (sub-17,20 etc.) há um esquema com empresários. Quem é do meio sabe disso. Tem muito jogador de excelente qualidade no Brasil. Mesmo assim nem sempre os melhores são convocados.

      Felipe coutinho poderia ficar no banco, mas mesmo assim não é convocado. Um dos problemas desse time do Brasil é a ausência de bons reservas.

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    4. É muito mais difícil fazer a convocação, sem ser por méritos, de um jogador na seleção principal do que nas de base. Mas com certeza a falta de meritocracia acontece. Bem menos, mas acontece. Um forte argumento é que a pressão popular é maior: veja o caso Afonso. Ainda, poucas pessoas Brasil afora acompanham categorias de base para dizer que X é melhor que Y, mas na seleção principal todo mundo é técnico.

      As seleções de base são bastante loteadas para os empresários.

      Outro ponto em que a meritocracia é posta de lado no futebol é na seleção de jogadores para as categorias de base dos clubes. Comparando com o ambiente acadêmico, o meio do futebol é menos meritocrático. Ele se assemelha muito mais com o meio artístico (teatro, música, televisão) onde é comum histórias sobre trocas de "favores", dos mais diversos.

      Comparando-o com o mercado de trabalho "normal" não consigo estabelecer uma relação de qual é mais meritocrático.

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  2. impressionante como o tim vickery é melhor do que 99% dos jornalistas esportivos brasileiros

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    1. E entende o país melhor que 99% dos jornalistas brasileiros

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  3. Não vejo nada de sensacional no texto que justifique elogios do tipo: ah, se todo repórter brasileiro fosse como um estrangeiro.

    O texto traz uma informação nova que não é aprofundada, ma é bem interessante: o grande número de ingressos vendidos a brasileiros. De acordo com outro site, o Brasil ficou com praticamente metade dos ingressos. O que reduz em grande medida a necessidade por aeroportos e investimentos em mobilidade para a Copa. Ou melhor dizendo, talvez tenha sido um ajuste natural, inclusive de expectativas de estrangeiros. Seria interessante comparar com dados das últimas três Copas: a relação de público nacional-estrangeiro.

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    1. Eu li que 80% dos ingressos foram vendidos pra brasileiros.

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