sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Sistemas eleitorais


Nessa semana publiquei um pequeno comentário sobre a regra eleitoral brasileira, e como ela favorece a eleição de figuras midiáticas. O texto teve uma discussão mais ampla na seção de comentários, sobre as vantagens e desvantagens do voto distrital vis-à-vis o sistema proporcional. Lembrei de um artigo escrito pelo Carlos Eduardo há algum tempo, que explica bem esses pontos. Abaixo reproduzo o texto.

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Sistemas Eleitorais
(Carlos Eduardo S. Gonçalves) 

Em ano eleitoral, volta à baila a discussão sobre reforma política. O debate centra-se muito nos aspectos do financiamento da campanha (público/privado), no uso abusivo da máquina pública e na fidelidade partidária, deixando de lado o que no fundo me parece mais importante: a necessidade de uma mudança mais abrangente e radical, que mude o sistema eleitoral na sua raiz e assim afete os incentivos de nossos políticos.

Há dois cortes fundamentais quando se discutem arranjos políticos comparados. O primeiro é a dicotomia clássica entre tipos de governo, a saber, Parlamentarismo e Presidencialismo. O segundo, aparentemente mais relevante para questões de economia, diz respeito ao sistema eleitoral, com a divisão entre Distrital e Proporcional.

A evidência empírica disponível sinaliza que regimes presidencialistas têm políticas públicas e taxas de crescimento econômico piores que os regimes parlamentaristas, mas a dificuldade de traçar um sentido claro de causalidade correndo do sistema de governo para aquelas duas variáveis de interesse é grande, em vista da predominância de países da América Latina e África entre as nações presidencialistas. O ponto é que o mau desempenho desse grupo particularmente problemático pode estar contaminando a variável “Presidencialismo” na análise empírica. De todo modo, para o Brasil essa discussão é menos importante no momento, visto que não faz tanto tempo assim o país escolheu, sem margem para contestação, o regime presidencialista.

No caso do corte Distrital/Proporcional, as evidências são mais claras. Antes de mencioná-las, contudo, um breve resumo das diferenças teóricas entre esses dois possíveis arranjos.

No sistema proporcional, as cadeiras do Congresso são ocupadas pelos partidos na medida quase exata da proporção de votos que esses recebem nas eleições. Se há 200 vagas no Congresso, por exemplo, um partido pouco representativo que tenha recebido apenas 5% dos votos nas eleições, termina com 10 cadeiras no Parlamento. Como essas cadeiras são alocadas dentro do partido depende da natureza das chamadas “listas eleitorais”. Nas listas abertas, os candidatos mais diretamente votados pelos eleitores têm prioridade dentro do partido. Já no caso das listas fechadas, os eleitores votam numa lista predeterminada e ordenada pelos dirigentes do partido – a soberania do eleitor é, portanto, menor nesse caso (e os incentivos à corrupção maiores).

Voltando à divisão Distrital/Proporcional, o consenso na literatura política é que enquanto esse último tem a vantagem de garantir representatividade para minorias raciais/ideológica/etc, aquele é mais eficiente em termos de “accountability” dos políticos e governabilidade.

No sistema Distrital é eleito quem obtiver a maioria dos votos do Distrito. Desse modo, candidatos com preferências muito idiossincráticas (os “nanicos”) não encontram um lugar ao sol. Claro está, esse esquema eleitoral coíbe a participação, ou melhor, desincentiva a entrada de políticos/partidos incapazes de angariar boa parcela dos votos totais. Como resultado, em equilíbrio, o número de partidos é menor no sistema Distrital, o que facilita a governabilidade. Além disso, porque a eleição ocorre num Distrito relativamente pequeno – por exemplo, o Distrito do Pacaembu –, o conhecimento em relação aos candidatos é maior, as campanhas são mais baratas, e a proximidade geográfica ajuda o eleitor a vocalizar suas queixas e insatisfações.

Não à toa, os dados mostram que, tudo o mais constante, a corrupção é de fato menor em países que adotam o sistema Distrital (em relação, claro, aos países que adotam o Proporcional).

E não apenas mais governabilidade e menos corrupção – dois problemas gravíssimos de nosso atual regime “presidencialista-de-coalizão-de-araque”. O sistema Distrital também gera maior austeridade fiscal. O motivo é simples. Como no arranjo Proporcional o candidato precisa levantar votos em uma parcela ampla do eleitorado (no Brasil, em um Estado inteiro; em Israel, no país inteiro!), sua plataforma tende a favorecer grandes grupos organizados da sociedade, como os aposentados, por exemplo, que não se concentram de modo desproporcional em alguns poucos distritos, achando-se dispersos geograficamente. Como conseqüência, mesmo controlando para estrutura etária e outras variáveis explicativas, a análise estatística revela que os gastos públicos em países com sistema Proporcional são mais elevados.

Fosse o Brasil um país com importantes clivagens ético-raciais, seria discutível se uma mudança em direção a um sistema Distrital valeria a pena. Não sendo, migrar para o sistema Distrital é o que se costuma chamar em economia de “almoço grátis”. Para a sociedade, claro, mas talvez não para os políticos.

(Publicado originalmente no blog Sob a Lupa do Economista, em 16/7/2010)

2 comentários:

  1. Análise honesta das vantagens e desvantagens de cada sistema.

    Muito bom o texto, uma pena que esse debate nem ocorra no país

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