quarta-feira, 23 de abril de 2014

A Racionalidade do crime e "soluções" para a violência

 

Era uma segunda-feira. Cerca de 8 horas da noite. Dárcio Correia estava na academia; saindo dela na verdade. Dois homens o abordam e, armas em punho, anunciam que o carro dele – um Mitsubishi Pajero -- eles querem. Não se sabe se há resistência, mas os dois homens atiram no peito de Dárcio. Fogem sem que o veículo nem nada material de Dárcio tenha sido subtraído. Dárcio não resiste aos ferimentos balísticos e, algumas horas depois do assalto, é anunciado morto – ironicamente no mesmo hospital em que trabalhava (ver notícia aqui).

Aparte talvez o local, esse tipo de evento carrega em si uma brutal violência que há muito é parte do cotidiano da vasta maioria dos brasileiros – inclusive daqueles que vivem nas “bolhas belgas” que qualquer grande cidade brasileira possui. Se você compartilha dessa impressão, certamente que não se surpreendeu com os relatórios da ONU colocando o Brasil entre os lugares mais violentos do mundo. Os dados mostram, por exemplo, que onze cidades brasileiras estão entre as cidades com maior taxa de homicídios do mundo (ver matéria aqui). Boa parte da violência está concentrada na porção latina do continente americano. Em Honduras são 90 assassinatos por cem mil habitantes – a mais alta taxa de homicídio do mundo. A Venezuela exibe as maiores taxas da porção sul-americana – cerca de 50 mortes por 100 mil habitantes (Portugal tem 1,2 mortes por 100 mil habitantes, e os EUA têm 4,7).


O QUE CAUSA O CRIME?
Em apenas um ano, em todo o mundo, mais de meio milhão de pessoas foram assassinadas. Diante desses números, é mais do que natural se perguntar duas coisas. Quais as causas dessa violência? Que medidas poderiam reduzir essa violência?

DUAS VISÕES
Existem inúmeras teorias criminológicas sobre as causas da violência. Sob o risco de estar sendo impreciso e injusto, eu diria que existem duas visões dominantes em torno das quais essas teorias criminológicas estão organizadas. É importante ter isso claro porque da explicação dada para as causas do crime segue-se quase que naturalmente o tratamento normativo que será dado para a questão – as prescrições de política sobre como reduzir os níveis de crime.

A primeira visão é a de que o crime é produto de uma decisão individual fruto de um cálculo econômico de custos e benefícios. Enquadram-se aí as teorias de “escolha racional”, das quais os modelos feitos por economistas para tratar do tema tendem a fazer parte. É em geral dessa visão – vamos chamá-la de “visão da escolha” -- que emana o suporte teórico para as políticas que defendem endurecimento de punições penais – do que faz parte, por exemplo, a redução de maioridade penal e o uso de punição capital para certos tipos de crimes.

A segunda visão é a de que o crime é em última instancia produto do ambiente social existente – da qualidade das instituições de suporte ao indivíduo (escola, trabalho, família etc.), das regras existentes, dos conflitos, das interações, e das expectativas sociais existentes. É em certo sentido uma visão que coletiviza a responsabilidade pela atividade criminal, da qual a vasta maioria das teorias criminológicas é em boa medida tributária. É em geral dessa visão – vamos chamá-la de “visão social” – que emana a atitude conhecidamente tolerante dos partidos de esquerda para com o crime (porque muitos vêem na violência resistência contra o domínio de classe e sementes de uma “revolução proletária”) e o suporte teórico para os que, vendo na falta de bem-estar material um link causal com o crime, invocam políticas compensatórias à condição de pobreza como um mecanismo para mitigá-la. 

Embora contenham seus grãos de verdade, considero as duas visões incompletas e míopes no que se refere às “policy implications” que delas, em geral, se pode derivar. Vou propor um modelo que unifica e completa essas explicações dominantes e, espera-se, oferece uma teoria mais geral do crime – qualquer crime. Digo mais geral porque combina essas duas visões e adiciona uma dimensão psicológica ao cálculo econômico do crime que servirá para reconciliar essas visões com certos comportamentos “anômalos” e explicar, por exemplo, – e aí contrariando a intuição da maior parte das pessoas de ambos os lados – porque a pena de morte é ineficiente para coibir os tipos de crimes para as quais é em geral prescrita (embora, em teoria, pudesse ter um “deterrent effect” para coibir “crimes leves”/não hediondos. Voltarei a este ponto adiante). 

UM MODELO DE RACIONALIDADE DUAL PARA O CRIME

PREMISSAS
O modelo tem duas premissas. A primeira é que as pessoas escolherão agir em conformidade ou discordância com a lei e as normais sociais dependendo de um cálculo de custo-benefício. O crime é, portanto, um comportamento racional, deliberado, com propósito definido.

A segunda é que existem duas dimensões de cálculo econômico. Uma dimensão externa e uma dimensão interna. Na dimensão externa o indivíduo considera custos e benefícios do ato criminal que são de natureza monetária – as rendas extras que podem ser auferidas, os custos de encarceramento e até de morte. Na dimensão interna o indivíduo considera custos e benefícios do ato criminal que são de natureza não monetária – as rendas psíquicas (prazer) que podem ser auferidas do ato criminoso e os custos psicológicos de fazê-lo.

O CÁLCULO DUAL DE CUSTO-BENEFÍCIO
A teoria é mais ou menos a seguinte. Pegue um indivíduo que tem a oportunidade de cometer um crime. Como dito na segunda premissa acima, proponho que ele pondera bônus e ônus (em expectativa) do crime em duas dimensões antes de decidir se vai cometer o crime ou não – no que sigo a tradição dos modelos do que chamei “visão da escolha”.

Na dimensão que chamo de externa, o benefício do crime é uma renda extra que o indivíduo aufere como produto do ato criminoso – um carro roubado, uma carteira batida, uma verba pública desviada etc. Vamos chamar essa rendinha extra de dY. Como não há almoço-grátis nem pra bandido, ganhar dY tem custos. Essa conta de custo na dimensão externa tem três “pedaços”.

O primeiro pedaço é a renda de origem não criminosa (Ybp) que o sujeito pode deixar de auferir se ele for pego cometendo um crime, condenado e encarcerado por um dado intervalo de tempo (dT). Vamos chamar isso de dT x Ybp (o tempo encarcerado multiplicado pela renda que deixou de ganhar). 

O segundo pedaço é a diferença entre a renda antes do aprisionamento e a renda depois que o indivíduo cumpre pena e volta a viver em sociedade. Eu vou chamar isso de P* -- uma espécie de “prêmio” negativo de renda. A ideia por trás desse “prêmio negativo de renda” é que o encarceramento prisional tem um efeito permanente na renda do ex-criminoso: não apenas deprecia seu “capital humano” e deprime sua produtividade como também lhe imputa um estigma social que afetará permanentemente sua empregabilidade e ocupação. O gráfico abaixo procura ilustrar essa ideia.


O terceiro e último pedaço do custo é simplesmente todo o fluxo de renda que deixará de ser auferido caso o indivíduo, ao tentar cometer certos tipos de crimes (os violentos como roubo, latrocínio, sequestro etc.), seja morto. A equação abaixo ilustra os “pedaços” dessa conta de custo-benefício na dimensão externa. Note que esses dois últimos pedaços do custo são ponderados pelas pela probabilidade de ser encarcerado, PENC (que será o canal pelo qual a qualidade do “law enforcement” e do sistema de justiça em geral pode entrar no “cálculo do crime”), e pela probabilidade de morrer, PMOR (que será o canal pelo qual a questão de posse de arma pode entrar no modelo).
 

A conta não acaba aí. Há ainda a análise de custo-benefício na dimensão interna. Nessa dimensão o ato criminoso tem, em princípio, uma renda psíquica – uma medida hedônica do prazer/satisfação derivado do ato de cometer o crime em si. Há também, em princípio, um custo psicológico – não só o stress da situação, mas também o ônus de violar normais morais e princípios internos.


Nunca é confortável ter elementos de natureza tão subjetiva no modelo. Eles são difíceis de mensurar e ter seus efeitos testados. Mas veja essa dimensão interna, de natureza psicológica, do modelo como análogo às partículas de matéria escura nos modelos de astrofísica: ela não é facilmente visível, mas sabe-se que existe e ela será importante para explicar alguns fenômenos – em particular, os casos de honestidade extrema e os crimes seriais e hediondos praticados por indivíduos com perfil psicopatológico.



O PROBLEMA DE ESCOLHA DO CRIMINOSO
O problema do indivíduo agora é relativamente simples: escolher em cada oportunidade se comete um crime ou não – escolhendo a opção que render o benefício líquido máximo (eu omiti o parâmetro de ação das equações acima, já que binário). É claro que seria muito mais elegante, e talvez interessante, ter um espaço contínuo de escolha – onde o sujeito escolhe diferentes “quantidades” de crime. Mas como isso não vai mudar algumas implicações importantes, eu vou deixar isso de lado para o blog.

A escolha pelo crime tem obviamente que satisfazer duas restrições básicas. Primeiro uma restrição de compatibilidade com incentivos: o benefício do crime não pode ser pior do que o benefício da alternativa não criminosa disponível ao indivíduo. Depois uma restrição de “racionalidade”, a saber: a soma do benefício líquido das duas dimensões deve ser positiva. Interessa desse problema de escolha tão somente o seguinte: o crime será produto de um cálculo de custo-benefício que contém uma dimensão monetária e uma dimensão não-monetária. 

MORAIS, PSICOPATAS E OPORTUNISTAS: ALGUNS TIPOS DE INDIVÍDUOS
A partir desse framework, em particular das duas dimensões de cálculo, é possível falar na existência de dois “tipos” de indivíduos na sociedade. 

O tipo “interno forte” cujo cálculo racional de custo-benefício interno vai sempre ultrapassar qualquer resultado de custo-benefício da dimensão externa. Esses “tipos” parecem representar dois grupos de indivíduos: de um lado, os indivíduos de elevada moral que, sob quaisquer circunstâncias, cumprirão as leis e as normas; de outro lado, os indivíduos criminosos, de pulsões sádicas, que exibem alguma psicopatia e que não hesitariam em cometer um crime tamanho é a satisfação em fazê-lo. Seriam os casos extremos na distribuição de indivíduos que seguem a lei (“law-abiding”) e na distribuição dos indivíduos praticantes de crime. Esses tipos são interessantes porque ambos seriam inelásticos a variações dos parâmetros do sistema penal (monitoramento, enforcement, penalidade) 

O outro tipo é o “externo forte”. Esse é o tipo cujo cálculo racional de custo-benefício externo vai sempre ultrapassar qualquer resultado de custo-benefício da dimensão interna. Esses “tipos” incorporariam tanto os indivíduos “amorais” ou os com código “moral flexível”; esses últimos seriam os criminosos oportunistas – indivíduos que não hesitariam em cometer um crime se as condições (as vantagens a serem auferidas e os riscos de ser pego) permitirem.

O peso relativo desses tipos na população determinaria a necessidade maior ou menor de um sistema "forte" de justiça. Isso me traz, (se sistema de justiça for entendido como "instituições" contra o crime) a dois pontos contenciosos no debate sobre criminalidade: pena de morte e porte de arma.

POR QUE A PENA DE MORTE NÃO FUNCIONA?


Em um survey entre especialistas acadêmicos da área de criminologia nos EUA foi reportado que 88% deles rejeitam a ideia de que a pena de morte tem algum “deterrence effect” sobre homicídio (ver estudo aqui). Embora não passe, no estágio atual, de um exercício teórico, o modelo acima se mostra útil para entender a inefetividade da pena de morte como incentivo para reduzir as taxas de homicídios (não é só em deterrence effect que seus proponentes estão interessados; há também o argumento de pena retributiva e proporcionalidade). A explicação seria relativamente simples: os indivíduos cujos crimes são punidos com a pena de morte – em geral assassinatos com fatores agravantes e estupro de menores -- seriam do tipo “interno forte”, para quem o bônus hedônico do crime (subjetivamente monetizado) vai ser maior (outweigh) do que o ônus material que possa advir do crime.

Dito isto, esse modelo tem uma implicação curiosa: a pena capital teria efeito de deter crime, mas apenas aqueles praticados pelos indivíduos que chamei acima de “externo forte” – os criminosos “oportunistas” cuja escolha de cometer ou não um crime tende a ser sensível ao contexto. Mas esses, talvez paradoxalmente, são os crimes para os quais não há hoje prescrição de pena capital (o que, de certo ponto de vista jurídico, seria uma violação do princípio da proporcionalidade na dosimetria punitiva). 

PORTE DE ARMA REDUZ CRIME?




Há um canal no modelo através do qual a posse de armas de fogo poderia ter um efeito redutor sobre o crime. Se for “common knowledge” entre as pessoas que todos podem estar armados, a probabilidade de morte em certos tipos de crime aumenta, o que majoraria os custos do crime na dimensão interna. Na margem, e assumindo tudo mais constante, seria teoricamente possível que leis mais brandas de posse de arma de fogo tivessem como efeito reduzir crime. Algo ao longo dessas linhas é, em geral, o argumento utilizado pelos que defendem completa proibição de posse e comercialização de armas. 

Essa, no entanto, é uma questão empírica em aberto que não dá pra responder de forma minimamente satisfatória nem muito menos confiável se fiando apenas em modelos. Há múltiplos efeitos, vários em direções opostas, e saber o efeito líquido disso requereria dados de natureza experimental que provavelmente não podem, por razões éticas, serem obtidos. Dito isto, há uma vasta literatura empírica sobre o tópico que merecerá um post separado. 

COMO MITIGAR O PROBLEMA DA CRIMINALIDADE?
Se se compra o modelinho que eu descrevi acima, as principais teses criminológicas estariam nele unificadas. É verdade que as teses sociológicas que vitimizam os criminosos e que colocam quase todo o peso de seu argumento na questão da pobreza teriam agora um canal talvez pequeno de influência – basicamente aumentando o custo de oportunidade do ato criminoso fracassado. Mas elas estariam agora acopladas à um framework de escolha individual racional.

O mais interessante, me parece, são as implicações de policy que daí sai. Por exemplo: para a centenária questão sobre como reduzir violência/crime, o modelo fornece respostas precisas. A maioria delas, felizmente, apela ao nosso bom senso. São elas:
  • Educação: esse seria um mecanismo para criar mais tipos com uma forte “dimensão interna”, os sujeitos de “elevada moral” para os quais o benefício psicológico de fazer "a coisa certa" será em geral maior do que qualquer benefício líquido que possa existir na dimensão externa. E educação tem uma externalidade positivia: ao criar mais desses "high moral types" que são honestos por princípio, reduz as necessidades de financiar um sistema "forte" de justiça. 

  • Sistema “forte” de justiça: isso significa (a) monitoramento (presença policial), (b) “law enforcement” crível (alta probabilidade de, decidindo cometer um crime, ser pego, processado, julgado e sentenciado) e (c) punições (encarceramento). Make no mistake: essas três coisas precisam estar em sintonia. Monitoramento ostensivo sem punição, punições duras que nunca são implementadas, ou law nforcement perfeito com monitoramento pobre terão um efeito parco sobre a criminalidade. Está aí o sistema de justiça do Brasil, e de resto de toda a America Latina, para ilustrar esse ponto.

  • “Punição social” e renda: tanto o aumento da renda quanto a depressão da renda pós-prisão (que na prática acaba sendo via longos spells de desemprego), ainda que não igualmente desejáveis, podem funcionar para modificar as restrições de “incentive-compatibility” e de racionalidade do indivíduo, demovendo vários, na margem, de cometerem crimes.


Outras implicações menos intuitivas:
  • Programas de “bolsa prisão”, tudo mais constante, podem ter um efeito positivo sobre a criminalidade ao reduzirem o “prêmio negativo de renda” pelo encarceramento e, assim tornarem a conta de custo-benefício do crime mais atrativa.
  • Não há muito que possamos fazer para reduzir os chamados crimes hediondos. Seus praticantes em geral derivariam uma renda psíquica do ato que a manipulação de parâmetros da dimensão externa (encarceramento, probabilidade de morte etc) não seria capaz de destruir. A recomendação seria encarceramento permanente.
  • Haverá uma taxa relativamente alta de reincidência: os criminosos do tipo "interno forte", voltarão a cometer crimes porque derivam uma alta renda hedônica da atividade, o que o encarceramento é improvável de ter modificado. já os criminosos do tipo "externo forte", na ausência de um programa de renda mínima eles serão mais propensos a voltarem a cometer um crime porque seu custo é praticamente zero: não têm renda (desempregado que em geral ficam) e os prospects de renda futura são muito baixos ou igualmente nulos por conta do estigma e da "depreciação" de capital humano que o encarceramento é prováel de ter causado.

30 comentários:

  1. Texto absurdamente bom. Sempre tive em minha mente um modelo parecido para criminalidade. Mas uma pergunta: aos criminosos que cumprem pena e são reintroduzidos na sociedade, a estigma social e menor renda não contribuiria para reincidencia de crimes por conta do reduzido custo de oportunidade? Creio que a punição deva ser exclusivamente via tempo de encarceramento e não na renda após liberdade. O "bolsa prisão" é uma questão mais delicada, acho que claramente tem um efeito positivo na escolha do indivíduo em cometer crime, porém o auxílio pode ter efeitos negativos na decisão dos dependentes (do criminoso) em cometerem crimes pois não poderão auferir os benefícios se também se tornarem criminosos. O efeito líquido é questionável eu diria. O que você acha?

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    1. "a estigma social e menor renda não contribuiria para reincidencia de crimes por conta do reduzido custo de oportunidade?"

      - Ex-post provavelmente sim. Mas ex-ante, no momento de decisão, não.

      "O "bolsa prisão" é uma questão mais delicada, acho que claramente tem um efeito positivo na escolha do indivíduo em cometer crime, porém o auxílio pode ter efeitos negativos na decisão dos dependentes (do criminoso) em cometerem crimes pois não poderão auferir os benefícios se também se tornarem criminosos. O efeito líquido é questionável eu diria."

      - Concordo que o efeito líquido é desconhecido. O modelo é de individual decision-making; é incapaz de dizer algo sobre nível absoluto de crime. Mas como vc notou, o "bolsa prisão" pode ter o efeito oposto (de tornar o indivíduo menos propenso a cometer crimes) do que eu disse se ele é apropriado inteiramente pela família (se vc já visitou um presídio, verá que esse não é o caso). No mais, bons pontos.

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    2. "- Ex-post provavelmente sim. Mas ex-ante, no momento de decisão, não."

      Se a taxa de reincidência é alta, em torno de 70%, então dá para afirmar que uma parte importante dos crimes pode ter entre as suas causas a redução no custo de oportunidade. Deixar isso de fora do modelo é deixar de explicar uma parte gigante dos crimes (qual a parcela dos criminosos atuais que já passou por alguma punição na vida que teve efeitos sociais e econômicos mais longos?)

      Pensando para mais de um período, como o custo social ocorreria depois da punição, distante no tempo, talvez fosse possível colocar alguma taxa de desconto para esse termo antes da primeira punição, que não precisaria existir no momento da reincidência (que é um custo naquele momento).

      Se pensar em qualquer tipo de preferência intertemporal nesse sentido, o efeito líquido dessa punição mesmo após cumprido o tempo de prisão também não é tão certo.

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    3. "Se a taxa de reincidência é alta, em torno de 70%, então dá para afirmar que uma parte importante dos crimes pode ter entre as suas causas a redução no custo de oportunidade. Deixar isso de fora do modelo é deixar de explicar uma parte gigante dos crimes (qual a parcela dos criminosos atuais que já passou por alguma punição na vida que teve efeitos sociais e econômicos mais longos?)"

      - Tanto não dá pra falar que não falei. O custo de oportunidade entra na história mas não explica "parte importante". Mas mesmo com a especificação corrente, o modelo é capaz de explicar lindamente (digo linda porque é tão simples e mesmo assim dá conta de até mesmo de reincidência) a alta taxa de reincidência. Vejamos como: o criminoso pode reincidir por duas razões dentro desse modelo:

      (1) se for do tipo com "interno forte", então volta a cometer crime porque deriva uma alta renda hedônica do crime, o que explicaria a reincidência independente do que quer que fosse seu custo de oportunidade; é provavelmente o caso dos "Chico picadinhos" da vida.

      (2) se for do tipo "externo forte", volta a cometer crime porque seu custo é praticamente zero! Não tem renda (está desempregado) e os prospects de renda futura são muito baixos ou igualmente nulos. Nesse caso, sua decisão de voltar a cometer um crime é explicado pela dY (que nem precisa ser grande dado que o ônus pecuniário disso em expectativa é muito baixo ou nulo).

      Veja, nada impede que uma especificação mais complexa seja feita pra incorporar de forma mais detalhada essas considerações intertemporais (que estão no modelo; eu apenas não as "abri" e deixei-as na forma esquemática de uma taxa nula de desconto). Mas eu invoco a navalha de Occam pra preferir por ora um framework mais simples como esse que fiz.

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  2. Leio sempre. Nunca comentei. Desta vez vale. Texto excelente!

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  3. É um tanto quanto macabro, mas a pena de morte seria justificável caso a sociedade queira "evitar custos"? Assumindo que o indivíduo do tipo interno forte não tem possibilidade de conserto.

    Parabéns pelo post!!

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    1. Não sou educado o suficiente nessa questão pra dar uma opinião firme. Se o sujeito matou >1, há grounds filosóficos para aplicar o princípio da proporcionalidade na punição (punição "should fit the crime") e lhe deduzir a vida. Tem o argumento que o anonimo lá embaixo colocou sobre pena capital desses tipos servir para proteger outros inmates. Mas um argumento contra que eu sou particularmente sensível (porque data-based) é simplesmente esse: não funciona.

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  4. Muito bom, Sergio! Abraços, Guilherme.

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  5. Excelente post. Mas, fiquei curioso. Para onde foram os 8 homicídios a menos que cada condenado a morte gerava? Isso ocorria nos paper seminais sob crime.

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    1. É um modelo de individual decision-making Rodrigo. Não pretende, nem pode, explicar o que acontece com o nível de homicídios quando outrem sofre pena capital.

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  6. Que legal ler um post excelente como esse. Você citou o "deterrence effect" no texto e tem um paper interessante que trata desse assunto que meu orientador me indicou e que você deve conhecer. O link é esse aqui: http://www.nber.org/papers/w6484. Talvez esse efeito possa ser incluído no seu modelo dentro do custo psicológico de cometer o crime, faz sentido? Parabéns pelo post. Um abraço!

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    1. Obg. O modelo não esgota o assunto - nunca teve esse intenção e nem poderia. Pode portanto ser reformado pra incluir outras coisas. Estou aberto a alunos de pós que queiram trabalhar nisso (tô seguindo o Dr. Giovannetti nessa :) ). Obg pelo link. Abs.

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  7. Um argumento da sociologia para a pena de morte diz que ela serve para proteger a população carcerária de indivíduos muito perigosos que, se condenados à prisão perpétua, não poderiam ser punidos na margem por novos crimes.

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    1. Bom ponto (parece um argumento de economista :)). Mas me parece mais uma questão de desenho das, e alocação de prisioneiros nas, unidades prisionais. Em vários sistemas esses tipos ficam separados por periculosidade.

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  8. Fiquei decepcionado ao não ver entre as possíveis soluções nenhum comentário sobre o polêmico trabalho do Donohuel e Levitt.

    http://pricetheory.uchicago.edu/levitt/Papers/DonohueLevittTheImpactOfLegalized2001.pdf

    É a típica solução "fora da caixa" que economistas costumam apoiar, pois ten como premissa a racionalidade (da mãe, no caso). A mulher sabe que não conseguir criar um filho como deveria/gostaria, então interrompe a gravidez, deixando para ter um filho mais tarde ou desistindo da ideia de vez.

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  9. Parabéns pelo post. Gostei muito. Acho que poderia aproveitar para incluir alguma variável que meça como a prática com sucesso vai criar um ambiente de favorecimento à persistência, tipo especialização. Sei que isso influência a decisão de custo benefício mas acho que a profissionalização do criminoso e a externalidade que isso tem em outros indivíduos merece atenção. Também a força das instituições devem ser mencionadas.

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  10. Eu acho que grande parte dos defensores da pena de morte não pensam tanto na redução da taxa de homicídio, mas sim como uma forma punição mais "justa" a quem comete o crime. "Se ele matou também não tem o direito de viver". Além disso também evita que esses mesmos criminosos voltem às ruas e cometam outros crimes semelhantes (o que ocorre com muita frequência no Brasil, por exemplo). As pessoas se sentem mais seguras ao saber que um serial killer não voltará a atacar, mesmo que a taxa de homicídio não caia.

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    1. Ou seja, a pena de morte gera um efeito psicológico positivo na população que eleva o bem estar geral. Acho que seria mais interessante um estudo sobre isso do que sobre a redução da criminalidade...

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  11. Muito bom o texto e o blog, só conheci agora! Parabéns!!

    Assumindo que os políticos corruptos são do tipo "externo forte", dado que eles compõem o Poder Legislativo fica difícil reverter a curto e médio prazos mesmo a tese da "visão social" de que a pobreza relativa incentiva a criminalidade. A longo prazo, por sua vez, o desafio é criar indivíduos honestos por princípio com a educação de base (preparo e remuneração de professores, viés ideológico anti-capitalista, etc.) de grande parte da população dependendo desses políticos corruptos...

    Abs

    Luis

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    1. PS. Não ficou claro, mas quis dizer que o corrupto não legislará contra si mesmo para alterar sua relação custo-benefício de praticar atos corruptos.

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  12. Gostei, mas discordo que o sujeito "deprecie seu capital" preso, pelo contrário, ela sai com mais contatos e volta de onde veio com mais respeito.

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  14. Parabens pelo texto. Estava procurando possiveis variaveis para a decisao de cometer um crime e o seu texto ajudou bastante. Soh para complicar um pouco o seu modelo, muitos crimes no Brasil sao cometidos sobre a forte influencias de drogas, distorcendo a avaliacao dos custos beneficios. Obrigado

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  15. Isso me parece muito com o estudo de Gary Becker publicado em 1968, intitulado “Crime and Punishment: An Economic approach”. Referido acadêmico ganhou Nobel em 1992 pela importância de suas análises de teoria racional da escolha.

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  16. Excelente post Sérgio, no entanto, gostaria de saber que referências usou, estou compondo minha monografia e estarei fazendo sobre um assunto paralelo: desemprego x violência, e gostaria de indicações de livros e referências.

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