quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Pisa e suicídio

Advertência: este texto é de mau gosto.

Todo mundo concorda que educação é um importante fator no desenvolvimento dos países. Um dos mais famosos testes internacionais disponíveis de desempenho em educação é o PISA organizado pela OECD. Quando se olha o ranking de países de acordo com seu desempenho no PISA sempre achei curioso que, no meio dos suspeitos usuais (Coreia do Sul, Japão, Hong Kong, Cingapura, Taiwan e Shanghai no último exame), a Finlândia aparecesse em posição de destaque.
Com efeito, no exame de 2009 (é o mais recente com dados disponíveis), a Finlândia aparece em 3º lugar na prova de Reading (atrás de Shanghai e Coreia do Sul), em 6º na prova de Matemática (atrás de Shanghai, Cingapura, Hong Kong, Coreia do Sul e Taiwan) e em 2º na prova de Ciências (atrás de Shanghai).

Não conheço nada sobre o sistema educacional na Finlândia e este não é o propósito deste texto. Ocorre que dia desses estava lendo um texto em que, lá pelas tantas, o autor comentava sobre o elevado nível de suicídios entre jovens na Finlândia. E também já tinha ouvido falar que esse era um problema social sério em alguns países asiáticos como no Japão e na Coreia do Sul.
Aí deu um estalo e pensei em olhar os dados para ver se uma coisa tinha relação com a outra. Ou seja, se o desempenho no PISA e o suicídio entre jovens apresentava alguma correlação. Os dados de suicídio entre jovens não estão tão bem organizados quanto os dados do desempenho no PISA. Mesmo assim, peguei os dados no site da WHO. Um possível problema na comparação com o PISA é que os dados de suicídio não são para um mesmo período de tempo. As informações vão de 1999 (para a China, por exemplo) até 2010 (para Áustria, por exemplo). De qualquer forma, meu interesse é simplesmente verificar, ao longo da cross section dos países, se há alguma correlação entre tais variáveis. Nada mais que isso.

Antes de verificar a relação entre as variáveis de interesse, constato que, efetivamente, a Finlândia apresenta uma elevada taxa de suicídio entre os jovens (15-24 anos). De fato, a Finlândia está em 6º lugar nesse ranking (atrás de Guiana, Casaquistão, Rússia, Lituânia e Bielorrússia). Desagregando as informações de acordo com o gênero, a Finlândia aparece em 9º lugar para suicídios entre os jovens rapazes e 8º lugar entre as jovens moças.

E a correlação com o PISA? É possível encontrar informações comuns de desempenho no PISA (74 países/regiões) e suicídio entre jovens (107 países/regiões) para 63 países/regiões. A tabela abaixo resume os resultados. Ela mostra o coeficiente de correlação simples entre o desempenho no PISA e a taxa de suicídio (número de suicídios por 100.000 habitantes) para diferentes faixas de idade.


Reading
Matemática
Ciências

Total
Homens
Mulheres
Total
Homens
Mulheres
Total
Homens
Mulheres
Suicidio 15-24
12.7%
8.6%
13.5%
11.4%
6.6%
17.3%
16.7%
14.1%
16.3%
Suicidio 25-34
22.8%
10.8%
36.0%
25.2%
11.9%
42.3%
27.3%
16.6%
38.3%
Suicidio 35-44
32.2%
18.8%
50.6%
35.1%
21.7%
56.2%
38.3%
26.5%
53.7%
Suicidio 45-54
39.3%
26.2%
53.8%
42.3%
29.3%
59.7%
45.3%
33.7%
58.1%

Com base na tabela acima, o primeiro comentário não deixa de ser alvissareiro: a motivação inicial para este texto não encontra muito suporte nos dados. A primeira linha da tabela acima indica que é baixa a correlação entre desempenho no PISA e suicídio entre jovens (15 a 24 anos). A maior correlação observada foi de 17,3% entre o desempenho no PISA na prova de matemática e o suicídio de jovens mulheres.


Contudo, quando observamos as linhas seguintes um quadro um pouco mais macabro se desenha. Observe como a correlação vai aumentando à medida que avançamos para faixas etárias mais elevadas. Na última faixa etária que consideramos (45 a 54 anos) a correlação chega a ser próxima de 60% (entre o desempenho em matemática no PISA e o suicídio de mulheres e também entre o desempenho em ciências e o suicídio de mulheres). Aliás um detalhe curioso dos dados é a correlação mais elevada para mulheres. Isso ocorre para todas as faixas etárias consideradas. A figura abaixo mostra o gráfico de dispersão entre o desempenho em matemática no PISA (eixo x) e a taxa de suicídio de mulheres entre 45 a 54 anos (no eixo y). O ponto em vermelho é a Finlândia.



Por que haveria correlação entre o desempenho no PISA, cujo exame é aplicado para estudantes de 15 anos, e a taxa de suicídio de adultos entre 45 a 54 anos? Antes de prosseguirmos, vale lembrar que correlação não implica causalidade. Mesmo assim, uma possível história poderia ser a seguinte: em sociedades que valorizam muito a educação, os ‘bem sucedidos’ são aqueles que se destacam nos estudos e, com isso, vão seguir uma carreira profissional também de destaque. Por outro lado, os losers não conseguem se destacar nos estudos e têm menos oportunidades no mercado de trabalho. A frustração com o desempenho escolar ruim não leva ao ato extremo do suicídio imediatamente mas tem um impacto de mais longo prazo, manifestando-se ao longo da vida adulta do indivíduo. 

Atenção: pela história acima então não são os jovens que estudam bastante e vão bem no PISA que são levados ao suicídio mais tarde. Ou seja, não tire a conclusão precipitada de que estudar muito é algo ruim.

Outra história alternativa é que, na verdade, a correlação acima é espúria e deve estar captando o efeito de outras variáveis que afetam, simultaneamente, o desempenho escolar e o suicídio em idade adulta. Por exemplo, riqueza de uma sociedade (suicídio deve ser um bem normal), normas culturais, condições climáticas (número de dias de sol no ano, por exemplo). Ao leitor mórbido interessado no assunto, fica a sugestão para investigar tais canais de maneira mais sistemática.

17 comentários:

  1. Muito bom Márcio!

    Essa teoria tem mérito. Em sociedades que valorizam a educação, todos são relativamente bem educados e há maior auto-consciência entre os losers da condição de loser. Já os losers dos lugares onde a educação é um lixo, vivem sob a benção da ignorância sobre a própria condição. Ou seja: os losers dos países educacionalmente avançados se matam mais do que os losers dos lugares com escolas ruins.

    Mas desconfio que o canal mais importante é o climático. Tanto que a taxa de suicídio nos países com desempenho parecido ao da Finlândia mas mais ao sul é bem menor.

    Aliás, os geógrafos do século passado que falavam em uma "teoria climática do desenvolvimento" tinha lá seu ponto. Mais frio e pouca luz solar ao longo do ano têm talvez dois efeitos em direçôes opostas: (1) por um lado diminui a quantidade de seretonina no cérebro, o que contribui para depressão, mas por outro (2) aumenta o foco no trabalho, como forma de mitigar os efeitos do clima sobre o corpo e a mente. Se o efeito (2) domina o (1), temos aí, tudo mais constante, um fator contribuindo para a criação de riqueza. Just a theory...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. A todos: desculpem pela demora nas respostas. Passei os últimos dias em Ribeirão Preto enfurnado em um evento da Reitoria.

      Sobre o primeiro parágrafo: é por aí que eu pensei. O maior custo para os losers em sociedades que valorizam a educação.

      Sobre a 'teoria geográfica do desenvolvimento' há esse debate grande entre Acemoglu-Robinson e Sachs sobre papel de instituições vs. explicações geográficas/climáticas. Tendo a pender mais para instituições.

      Excluir
  2. Mau gosto por mau gosto pq não pensarmos em causalidade reversa. Alto suicídio entre os losers reduz a chance de procriação. Só os com boa carga genética fazem as provas. Seleção darwiniana.
    Como uma mera correlação e uma mente meio doentia faz com que histórias sem pé nem cabeça apareçam.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não sei se entendi o mecanismo reverso. Porque veja que a maior correlação se dá com o suicídio na faixa de 45 a 54 anos quando a procriação já deve ter ocorrido. Ou seja, não sei se o suicídio nessa faiza 'reduz a chance de procriação'.
      Sobre a segunda frase, concordo.

      Excluir
  3. Seria muito estranho pensar que quem está se matando são os "bem sucedidos"?
    Em sociedades em que o nível médio dos estudantes é alto, destacar-se exige grande esforço. Espera-se um elevado retorno. Quando o sujeito chega à meia idade, percebe que o retorno real foi menor que o esperado ou que os custos associados ao esforço foram superiores ao retorno e frustra-se. Em sociedades mais "medíocres", ser melhor que a média é fácil, tendo custo relativamente menor. Quando na meia idade, o estudante que se destacava percebe seu retorno real como superior aos custos e não tem grandes desapontamentos.
    Em quaisquer das duas sociedades, o sujeito mediano tem consciência de sua mediocridade relativa desde cedo e não tem grandes expectativas sobre o futuro. Em idade avançada, pode não ter grandes alegrias, mas também não terá grandes frustações, o que faz com que a probabilidade de que cometa um ato extremo, como o suicídio, seja baixa.
    Faz sentido isso?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O post do Sergio Almeida um pouco mais abaixo acho que corrobora um pouco essa sua teoria. Os bem sucedidos acabam se tornando small fish in big pond, aumentando a pressão social lá em cima, enquanto os 'mediocres' acabam se conformando mais com sua situação e não ficam tão grilados com o fato de não estarem lá em cima da piramide social

      Excluir
    2. À primeira vista, parece fazer sentido sim. Só não sei se a explicação depende de uma relação negativa entre desempenho escolar e rendimento profissional futuro, o que me parece contrafactual.

      Excluir
  4. Muito bom o texto.
    Só sei que, depois que entrei na FEA, minha depressão piorou muito. Hoje estou prestes a me formar e vejo o fim do túnel, porém uns 2 anos atrás não seria nada surpreendente se eu me suicidasse depois de receber minhas notas do JúpiterWeb

    ResponderExcluir
  5. Márcio, e quem é o ponto azul outlier em suicidio???

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fala Thunder. Estava em Ribeirão nesses dias.
      O outlier é uma mistura de dados: no Pisa é China, Macao e no suicídio é China, rural. Fiz a mesma coisa para China, Shangai (Pisa), que está associada com suicídio para China, urbano.
      Removendo esse outlier, as correlações aumentam.Por exemplo, a do gráfico passa de 59.7% para 64.3%.

      Excluir
  6. Chorão e Champignon desaprovam seu tópico

    ResponderExcluir
  7. De mau gosto, por ser raso e mal explicado (o quadro e gráfico por exemplo)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Se o texto é de mau gosto "por ser raso e mal explicado", não sei como então qualificar seu comentário, pois ele não me parece "profundo e bem explicado".

      Excluir
    2. Ouch! Mandou bem.

      Excluir
  8. Dados de suicídio são péssimos. Sem metadados detalhados, é difícil saber o erro de medida ou a direção do viés, há casos em que são superestimados (como em assassinatos que se passam por suicidio) e casos em que são subestimados (quando se passam por acidente, por vergonha da família, ou para burlar seguro de vida ou qualquer outra razão). E como você está usando a taxa, isto se torna mais grave. Em países menores, pequenos erros em valores absolutos representam muito na taxa por 100.000 habitantes.

    ResponderExcluir