Sim, a pobreza reduz nossa capacidade cognitiva. Pelo menos é essa a conclusão de um estudo conduzido por economistas e psicólogos das universidades de Harvard, Princeton, Warwick e British Columbia.
O estudo acabou de ser publicado na revista Science (para vê-lo, clique aqui).
O estudo acabou de ser publicado na revista Science (para vê-lo, clique aqui).
O estudo consiste em dois experimentos.
No primeiro experimento - esse no laboratório - os participantes são separados em dois grupos: um grupo de "pobres" e um grupo de "ricos". O conceito de pobre e rico aqui é referenciado no próprio grupo de participantes: os "pobres" são os que tem renda per capita abaixo da mediana do grupo e os "ricos" os que têm renda acima disso. Os participantes são induzidos a pensar sobre problemas financeiros. Eles são expostos a uma série de problemas financeiros hipotéticos que variavam na "dificuldade" de solução, isto é, no tamanho do custo (por exemplo, consertar o carro por US$ 150 à vista, tomar um empréstimo ou adiar o conserto). Depois de encararem tais cenários, e enquanto pensavam na resposta, os pesquisadores submetem os participantes a uma bateria de testes cognitivos. Os testes enfatizam componentes da inteligência que tendem a ser ortogonais à habilidade linguística e conhecimento escolar acumulado - a chamada inteligência fluída. Em um tratamento adicional, havia incentivos financeiros para mandar bem no teste.
O resultado é surpreendente: no contexto financeiro mais difícil, os "pobres" da amostra de participantes têm um desempenho significativamente pior do que os "ricos" do grupo.
O estudo tem limitações quanto à sua validade externa, como os pesquisadores abertamente reconhecem no texto (basicamente, o "priming" estritamente monetário e a assimetria das "cargas" sobre a mente que os problemas de decisão colocados traria para ricos e pobres no mundo real). Por isso mesmo, resolveram sair do laboratório e ir à campo. Esse é o segundo experimento.
O estudo tem limitações quanto à sua validade externa, como os pesquisadores abertamente reconhecem no texto (basicamente, o "priming" estritamente monetário e a assimetria das "cargas" sobre a mente que os problemas de decisão colocados traria para ricos e pobres no mundo real). Por isso mesmo, resolveram sair do laboratório e ir à campo. Esse é o segundo experimento.
Nesse segundo experimento, com fazendeiros de cana de açucar da Índia, eles chegam a resultados similares. Dependendo do momento do ciclo da colheita, os mesmos fazendeiros demonstram diferenças significativas nas medidas de habilidade cognitiva: a performance dessa moçada antes da colheita da safra, quando eles estavam "pobres", era significativamente menor do que a performance no teste obtida depois da colheira.
Há obviamente outros fatores que podem estar "confundindo" esse segundo resultado: cansaço físico, ansiedade, efeito aprendizado por estar fazendo o mesmo teste uma segunda vez, mal nutrição. Algumas dessas explicações alternativas são rejeitadas em testes estatísticos adicionais. O mecanismo sugerido no final é esse: a pobreza coloca demandas cognitivas pesadas sobre o sujeito. Com mais recursos cognitivos sendo alocados para lidar com as dificuldades da pobreza, sobraria obviamente menos para refletir sobre outros problemas de escolha e decisão.
A conclusão mais direta è interessante: pobreza tem uma dimensão financeira (por definição) mas teria tambèm uma dimensão cognitiva que tenderia, tudo mais constante, a reforçar a condição de pobreza. Logo, os pobres seriam pobres não por conta de traços comportamentais/genéticos herdados, mas (ou também) por conta do "fardo" cognitivo que a pobreza impõe sobre a qualidade dos seus processos decisórios.
As implicações de política dessa conclusão são claramente paternalistas - eles advocam, por exemplo, procedimentos que "automatizem" parte do preenchimento de formulários governamentais para os mais pobres. Não que o mundo esteja precisando de mais paternalismo, mas como disse Aristóteles: "justiça distributiva consiste em tratar iguais igualmente e desiguais desigualmente". Que seja.
Ou é a pobreza que diminui a renda ?
ResponderExcluirExiste diferença entre relação e casualidade
Não entendi. O estudo é sobre a relação entre renda corrente e função cognitiva. Ele em nada muda o que sabemos sobre a relação entre renda e pobreza - que meio que segue da definição de pobreza...e sim, a beleza da técnica experimental quando bem aplicada está em permitir mais transparentemente inferências causais entre outcome e variávies manipuladas. O estudo deles ilustra sim uma relação causal entre renda e cognição.
ExcluirLegal. Mas se for falar isso na rua vão te bater....
ResponderExcluirSérgio, leia o novo livro do Sendhil Mullanaitan, sobre Escassez, incluindo a cognitiva. É muito bom, mesmo tema do seu post
ResponderExcluirValeu pela dica Dudu!
ResponderExcluirPS: A coincidência do tema do livro e do artigo do post não deve ser fortuita. O Sendhil é um dos co-autores do artigo.
"Pobreza" temporária, a julgar pelo estudo com os fazendeiros. Acho que o fator causal seria algum estado psicológico eventualmente associado à renda/pobreza (depressão? stress?) e não a pobreza em si. Um rico deprimido também teria desempenho cognitivo deficiente; já um pobre feliz...
ResponderExcluirA pobreza é apenas um dos vários eventos que produzem esse tipo de efeito sobre a performance cognitiva. O que esse artigo e outros sobre o tópico tentam demonstrar empiricamente em uma série de experimentos é que qualquer coisa que esgote nosso auto-controle (um recurso que a evidência ser escasso como qualquer outro) acabará por piorar nossa "performance cognitiva" - seja em um teste de QI, seja em outros tipos de tarefas que requerem alguma cognição.
ExcluirOrtogonais... não li o paper, mas ô que são!!
ResponderExcluirEntendo seu ceticismo. Eu também achava essas coisas; até que eu fui olhar a literatura e me educar no assunto..
ExcluirMuito boa a investigação do artigo através dos experimentos. Baseada apenas em minhas observações do dia-a-dia, minha "hipótese nula" seria muito próxima do resultado obtido. Talvez minha definição de "pobres" (somente para este caso) seria "aqueles que preocupam-se com a possibilidade de não ter recursos financeiros para saldar suas dívidas ou para comprar itens de necessidade", pois para estes o fardo da pobreza compromete parte de sua cognição para obter soluções de curto prazo. Talvez algumas sofisticações metodológicas aprimorasse ainda mais o resultado, mas, de qualquer forma, achei muito interessantes as conclusões e as possibilidades de política que podem ser pensadas como soluções.
ResponderExcluirQue sofisticação metodológica e/ou políticas você tem em mente? "Sharing is caring"
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