sábado, 2 de novembro de 2013

Galvão Bueno e a Crítica de Lucas


No último post mencionei a crítica de Lucas. Lembrei-me de outro post (veja abaixo) que escrevi há algum tempo sobre o assunto, em um blog que não existe mais. A partida em questão é Argentina 1x3 Brasil, pelas eliminatórias para a Copa de 2010, em 5/9/2009.

Galvão Bueno e a Crítica de Lucas

No fim da década de 70, Robert Lucas (prêmio Nobel de 1995) lançou um argumento - a chamada "Crítica de Lucas" - que colocou em dúvida as predições dos modelos macroeconômicos de então. Tais modelos supunham que os agentes econômicos agiam "olhando para trás", ou seja, utilizavam somente informações passadas para pautar suas ações. Nesse sentido, qualquer notícia nova (tal como um anúncio do governo) não influenciaria em nada o seu comportamento.

Segundo Lucas, se supusermos que os agentes são racionais - no sentido de que eles utilizam toda a informação disponível a eles - o efeito de uma política econômica pode ser radicalmente diferente, a depender de como se percebe tal mudança. Por exemplo, se o Banco Central anunciar uma política de combate a inflação, e os agentes perceberem este anúncio como crível, o custo da política pode ser pequeno (em termos de perda de produto de curto prazo), na medida em que firmas e trabalhadores ajustam para baixo suas expectativas de inflação. No mundo dos modelos macroeconômicos da década de 70, esse anúncio seria completamente irrelevante, já que os agentes formam suas expectativas usando só a informação passada.

Nos últimos anos, a crítica de Lucas não só tem influenciado a academia, mas também formuladores de política. Todo o ponto do sistema de metas de inflação, por exemplo, é anunciar o comprometimento do Banco Central com inflação baixa, tentando assim influenciar a formação de expectativas dos agentes.

Mas como essa discussão se relaciona com o futebol (e, em particular, com Galvão Bueno)? Suponha uma partida em que o time A venceu o time B por 1 a 0, mas o ártibro não deu um gol legal para B. Várias pessoas argumentariam que, se a falha não ocorresse, o jogo terminaria 1 a 1. Não necessariamente, segundo a crítica de Lucas. O ponto é que o gol de B mudaria o comportamento das equipes. Por exemplo, frente a um empate de B, o time A poderia se comportar mais ofensivamente, na busca da vitória. Sem informações adicionais, não dá para afirmar nada sobre o resultado final.

No último jogo Brasil e Argentina, Galvão Bueno argumentou que o Brasil estava sendo prejudicado no primeiro tempo, por conta do cartão amarelo não dado a Mascherano pela falta em Kaká (puxão de camisa). Minutos depois, frente a uma falta similar, Lúcio recebeu amarelo, levando Kaká a reclamar e receber também a punição (que o retirou do jogo contra o Paraguai). Galvão sustenta que:
(i) Se Mascherano recebesse o amarelo, Kaká não teria reclamado (como se isso fosse desculpa para a reclamação)
(ii) Mascherano teria sido expulso ao final do primeiro tempo, quando fez falta dura (e finalmente tomou amarelo)

O ponto (i) claramente passa no teste da crítica de Lucas. Galvão supõe corretamente que Kaká reage à "mudança de política" (o amarelo não mostrado ao defensor argentino), reclamando do árbitro. Se o cartão fosse mostrado a Mascherano, o meia brasileiro provavelmente não reclamaria e não seria punido. Mas o segundo ponto está em desacordo com Lucas. Se já estivesse pendurado, Mascherano com certeza não faria a falta dura que lhe deu o amarelo, correndo assim o risco de ser expulso.

Fica então a pergunta: por que Galvão supõe que apenas o brasileiro é um agente sofisticado, que reage à "mudança de política"?

20 comentários:

  1. Because he is a unicamper

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  2. Ei Mauro, você que é um dos economistas brasileiros mais bem classificados no REPEC,

    sabe me explicar por que se procurar causas endógenas das flutuações ?

    Eu prefiro choques exógenos alimentando os ciclos ..... e você ?

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    1. Marcelo, choque é por definição exógeno. Nos modelos DSGE que a gente roda, o choque vem de um choque de produtividade, ou de politica monetária, ou de mark-up. Mas a ideia de pensar em dinamicas endógenas tambem faz sentido, em alguns casos. Por exemplo, uma coisa que nao sabemos modelar direito, mas parece razoável é a história do Minsky: um excesso de confiança em tempos bons levando a muito risk-taking e a crises. Não é porque nós neoclássicos não sabemos modelar isso direito que não faz sentido.
      Abraços

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    2. Depende, Marcelo. Qual a história para essa endogeneidade?

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    3. Tão olhando o IP de quem posta anonimo ? Assim não dá nem pra trollar mais =/

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    4. CESG, grato pela resposta

      Mauro, tenho estudado alguns modelos antigos .... entre os autores da época parecia haver a necessidade de ciclos endogenamente alimentados

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    5. Não, somos muito low tech para captar o IP. É que vc tinha feito essa pergunta em outro post.

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  3. Lucas e Ganso em 2014, ninguém segura o Soberano!

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    1. É de outro Lucas que ele falou no texto.

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  4. Objetivo do Galvão não é ser racional... É falar o que o telespectador mediano quer ouvir... E o telespectador mediano quer ouvir alguém defender a seleção brasileira...

    Por isso Galvão sustenta (i) e (ii)... Porque torcedor quer ouvir alguém puxar saco para o time dele...

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  5. Gostei do post. Seria legal se quado clico no nome do Mauro viesse a lista dos posts dele, pra não ter que ficar caçando no blog.

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  6. I met Lucas in a seminar in 2012. He is still making the relevant questions. Amazing.

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    1. Ele é foda, merecia 2 nobel .... alguém discorda ?

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    2. O Galvão? Com certeza. O Nobel da Paz, por incentivar as boas relações entre brasileiros e argentinos. E o Nobel de Literatura, por suas narrações da Formula 1.

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    3. you don't make a question, you ask or raise a question.

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    4. Verdade. O X quis na verdade dizer "Lucas stills makes a question sound relevant/interesting".

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  7. Belo post, isso pra mim sempre foi meio obvio, mas muita gente se recusa a ouvir ou entender isso quando falamos, especialmente no futebol. Se alguma coisa acontecesse no meio do jogo, o resto do jogo seria diferente.

    O Galvão em si acho que não se pauta pela lógica econômica, e sim pelas leis da física (a física não permite isso, Arnaldo!).

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  8. é o efeito borboleta...assimétrica.

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