segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Os esqueletos dos planos mirabolantes


Li na Veja que nesta semana e na próxima o STF estará julgando a constitucionalidade dos Planos Bresser, Verão, Collor I e Collor II. Se julgá-los inconstitucionais, criar-se-á um passivo de R$ 150 bilhões, a serem pagos pelos bancos, sendo R$ 50 bilhões pela Caixa. Isso porque esses planos definiram reajustes para a poupança menores do que a inflação da época, impondo enormes perdas aos poupadores. A questão constitucional é se os bancos deveriam ou não seguir as determinações do governo. Se não seguissem, estariam sujeitos a multa e suspensão das atividades.

Pois bem, segundo a revista, se julgar os planos inconstitucionais haverá o caos na economia pelas seguintes razões:
a. Os lucros passados tornar-se-iam prejuízos revertendo-se R$ 60 bilhões em impostos já pagos (isso é ruim?!);
b. Haverá enfraquecimento o sistema financeiro, com a possibilidade de alguns bancos quebrarem (que bancos?);
c. Como os bancos se alavancam até 9x do seu patrimônio líquido, a redução de R$ 150 bilhões do patrimônio significa enxugar R$ 1,35 trilhões de crédito, o que seria metade das disponibilidades atuais;
d. Sabendo-se que a Caixa Federal teria que pagar um terço do passivo, socializar-se-iam os prejuízos, prejudicando o povo brasileiro.

Entendo que esses argumentos são falaciosos e é um exagero dizer que será criado um caos. Ao contrário, o problema maior será acatar a constitucionalidade das medidas.

Esses planos foram tão esdrúxulos, tão estúpidos, tão heterodoxos que são análogos a construir um prédio sem fundação, e que, portanto, vai cair (outro 11/09 ?!). Sabe-se lá quantas pessoas morreram por causa deles... A questão é que, sendo uma Ciência Social, fica difícil definir responsabilidades em Economia como seria o caso com engenheiros, porém os economistas e ministros que adotaram esses planos deveriam ter sido presos por tentativa de homicídio e homicídio (se condenados, depois do devido processo legal) e seus bens usados para pagamentos das indenizações aos cofres públicos. Ou, pelo menos, resposabilizados por severa incompetência. Entretanto, na prática, essas mesmas pessoas ainda têm voz na grande imprensa, em vez do merecido e definitivo ostracismo pelas enormes bobagens que fizeram.

Muito bem, agora vamos aos argumentos mais objetivos. Os bancos, sabendo da possibilidade da declaração de inconstitucionalidade, já devem ter provisionado as perdas. Se não provisionaram, ou foi por incompetência dos milionários advogados que pagam, ou por impedimento da Receita Federal. Portanto, ou esses impostos não foram pagos ou foram pagos indevidamente (a menos) em razão da probabilidade de perda.

Obviamente, em caso de perda, ainda vai demorar um bom tempo para os bancos pagarem o que devem. Não será imediato. E poderá ser negociado e parcelado. Portanto, os desencaixes reais dos bancos não se darão imediatamente, enfraquecendo o argumento de que o sistema financeiro se enfraquecerá.

Os bancos se alavancam em seu patrimônio. Eles já não deveriam ter tido inicialmente os lucros que tiveram em razão desses planos. Portanto, parte de seu patrimônio líquido, sobre o qual se alavancam, não deveria existir desde o início. Então, as consequências reais se devem aos juros que diminuirão o patrimônio.

O quarto argumento é falho. Se fosse assim, as bilionárias indenizações aos esquerdistas beneficiados pelo Regime Militar pós-64 não deveriam ter sido pagas. É o povo brasileiro que nem existia na época que arca com as consequências da estupidez militar.

Finalmente, eu acho que declaração de inconstitucionalidade terá um efeito pedagógico importante. Indicará aos gestores econômicos que eles não podem fazer pirotecnias heterodoxas e estúpidas às custas do povo brasileiro. Ou o argumento pode ser no sentido oposto, com consequências ainda piores. Imagine que o STF acate a constitucionalidade das medidas. Isso indicará aos futuros governantes que suas tolices não têm consequências, já que o povo brasileiro a nascer pagará por elas. Ou seja, indicará que o governo tudo pode "em nome do povo brasileiro" e em detrimento das gerações futuras.

Ah, e quem vai pagar quem foi prejudicado?

16 comentários:

  1. Professor, gosto muito das suas aulas e posts, mas este trecho me deixou intrigado:
    "porém os economistas e ministros que adotaram esses planos deveriam ter sido presos e seus bens usados para pagamentos das indenizações aos cofres públicos, por severa incompetência"

    bom, gostei da coragem de comprar briga com tanta gente....inclusive com ex-ministros e ministras que já frequentaram a FEA, deram palestras da FEA, e alguns outros que são sócios de fundos nos quais vários FEAnos já estagiaram ou trabalharam. E aliás, já vi a tese de sequestro de poupança sendo defendida por outros professores...que seria "a única coisa a se fazer na época" e tal..

    Enfim, excelente post. Tem uma outra reportagem no ig sobre a mesma coisa, com a opinião dos advogados de defesa do pessoal que entrou com a ação...a opinião geral é que "se a gente não ganhar,não confio em poupança nunca mais"

    http://economia.ig.com.br/financas/2013-11-25/bancos-fazem-terrorismo-ao-prever-perda-bilionaria-com-poupadores.html


    Abs,

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    1. Carlos, mudei um pouco o trecho em destaque, acrescentando que isso só deverá acontecer após o processo legal.

      Mas, não acho que vá ter algum efeito secundário na confiança. São relativamente pouco os pleiteantes à indenização, e a faixa etária da população já mudou. Ninguém lembra bem o que aconteceu.

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  2. Perfeito, Rodrigo. Se este blog existisse apenas para dar a oportunidade a alguém de se posicionar como você o fez, já teria valido a pena. Contra a corrente e do lado certo. Parabéns.

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  3. Um cidadão tem uma dívida com o Governo Federal e morre. Se ele deixar bens, seus herdeiros terão que ressarcir os cofres públicos para entrar de posse da herança.
    Então deve se aplicar o mesmo método com o Governo!

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  4. Boa discussão De Losso. Se houve expropriação de poupança, deve-se sim ser considerado inconstitucional.

    No entanto, tem um ponto que não entendi:

    Quem determinou as ações referentes a estes planos foi o Governo Federal, certo? Porque os bancos estão sendo responsabilizados para indenizar os prejudicados?

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    1. Então, eu acho que é porque os bancos ficaram com a diferença. Os bancos tomam na poupança e emprestam na habitação, pois é recurso carimbado.

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    2. Gostei da posição e da isenção. Foi uma expropriação por ordem do regulador, visando um ajuste econômico por via heterodoxa, que aparentemente beneficiou os bancos mesmo. Mas me parece que no caso dos bancos perderem, os bancos entrarão contra o governo para ressarcimento de pelo menos parte da conta.
      Na minha ignorância, seria similar ao saldo do FGTS apresentar rendimento real negativo. Caberá um processo?
      Dantas

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    3. Obviamente os bancos seguiam ordens do regulador. Eu acho que eles têm que entrar contra o regulador, sim.

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    4. "eu acho que é porque os bancos ficaram com a diferença"
      errado:
      http://www.valor.com.br/brasil/3361508/populismo-no-debate-dos-planos-economicos

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  5. De qualquer forma, independente do resultado, os futuros governantes terão a indicação de que suas tolices não têm consequências, já que não vão ser penalisados. Os banqueiros é que vão. Insegurança jurídica da porra pro empresariado.

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    1. Exatamente. Imagino que o primeiro passo para isso acabar é acatar o pedido dos requerentes.

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    2. Que não têm consequências, parece-me que os governantes já acham isso. A questão é ver se com essa decisão do STF a atual tendência se altera.

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  6. Rodrigo, concordo com alguns pontos e discordo de outros.
    mas parabéns por assumir a posição publicamente.

    O seu ponto de que a decisão contrária aos bancos serviria de "lição" para os que tomaram as decisões erradas só faria sentido se o julgamento fosse rápido. Políticos (e ministros são essencialmente políticos) nunca estão preocupados com o impacto de suas decisões - para o país ou para eles próprios - 20 anos à frente.
    O argumento (b) é inegável: os bancos terão que desembolsar 90 bi (líquido dos impostos que "voltam"), isso é boa parte da capitalização do sistema. O não-provisionamento desse valor é, de fato, estranho. Mas que terá impacto, isso terá.
    E outro dia ouvi alguém dizer que esse dinheiro voltará na forma de depósito, então não tem problema de liquidez, e o crédito não seria afetado. Não é bem assim, os bancos precisam de capital pra emprestar. Embora o Nakane tenha mostrado num trabalho que a relação entre capital bancário e crédito é bem menor do que se imagina por aí, o efeito estimado de uma diminuição "exógena" no capital é um corte no crédito (repito, menor do que os bancos dizem e que a imprensa por aí repete).

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    1. Rafael, eu acho que acaba sendo um constrangimento moral. Hoje, nem esse constrangimento acontece e você vê isso observando quem dá opinião econômica em jornal. Isso tem que acabar.

      Espero que um dia a Justiça seja mais rápida.

      Acho que b) gerará um impacto importante, mas não caótico. Eu acho que haverá uma solução negociada, de parcelamento ou outra forma de pagamento, via emissão de ações. Os bancos são criativos e vão-se safar. Fora que vão processar o governo. Tenho certeza que nenhum banco falirá por causa disso.

      E não estou acusando os bancos de nada. Eles fizeram o que tinham que fazer. Se não fizeram o provisionamento, erraram. Só estou dizendo que o governo da hora não pode fazer o que fez.

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  7. Master X, plis talk about Labini

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  8. O problema de moral hazard nao e' resolvido com essa sentenca a favor do publico.
    Com a justica lenta como e', no fim a geracao que recebe e a geracao que paga continuam sendo diferentes.

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